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3. A organização por secções e os sistemas de acesso: o impacto das corporações

3.2. O primeiro ensaio

Em 1934, a publicação da primeira lei orgânica da Câmara Corporativa tinha como justificação, de acordo com o seu preâmbulo, a necessidade da instituição começar a trabalhar ao mesmo tempo que a Assembleia Nacional. O peso deste argumento relacionava-se com a inexistência que então se verificava das corporações morais e económicas, previstas na Constituição de 1933. Sem estas instituições, tornava-se necessário recorrer a fórmulas transitórias.

Ainda de acordo com o relatório do diploma de 1934, a provisória estrutura que então era adoptada para a Câmara Corporativa estava orientada por dois objectivos principais, que

97 Cf. Actas. Conselho da Presidência. Câmara Corporativa. VII Legislatura, Acta n.º 13. fls. 10v-11

(11.10.1960) (AHP/Lv. 4072). 25 25 25 25 25 27 35 45 48 51 51 52 0 10 20 30 40 50 60

modelavam outras tantas componentes: a futura organização das corporações, no caso dos interesses morais e económicos, e os problemas que viessem a ser abordados, no que à administração local e ao Estado respeitasse. Por outro lado, era expressamente referido que não se separavam os interesses das empresas, da técnica e do trabalho. Seriam os grandes ramos da produção ou das actividades económicas que iriam regular a composição das secções, e não a excessiva especialização dos interesses. Os organismos corporativos, preferencialmente escolhidos para terem assento na instituição, superavam as preocupações de classe em detrimento do interesse nacional.

Antes do início da 3.ª sessão legislativa da I Legislatura, a estrutura da Câmara Corporativa seria ligeiramente alterada (Decreto-Lei n.º 27221, de 21 de Novembro de 1936). O relatório do diploma efectuava uma avaliação provisória dos quase dois anos de funcionamento da instituição e da sua articulação com a organização corporativa. As duas sessões tinham constituído «uma fase experimental de grande interêsse». E eram registados evidentes progressos na organização das actividades económicas. Previa-se, em consequência, que, «em prazo não muito afastado», se pudesse modificar a estrutura da Câmara, de modo a reflectir «o estado de pleno desenvolvimento da organização corporativa». Para já, mantinha-se a «orgânica primitiva» e as alterações introduzidas decorriam da necessidade de «assegurar maiores possibilidades de rendimento do seu trabalho, aliás, já considerado do maior valor». No início da I Legislatura, seriam constituídas 24 secções. A primeira lei orgânica tinha previsto 23 instâncias, mas, entretanto (Decreto-Lei n.º 24834, de 2 de Janeiro de 1935), foi criada a Secção de Finanças. A meio da legislatura, ocorreria um desdobramento da Secção de Ciências, Letras e Artes nas de Ciências e Letras e de Belas-Artes (Decreto-Lei n.º 27221). As 3.ª e 4.ª sessões legislativas funcionariam, portanto, com 25 secções.

Estas oscilações não eram estranhas. Em nota dirigida ao país depois da remodelação governamental de 1934, o presidente do Conselho acentuava que a organização da Câmara Corporativa seria necessariamente provisória, tal como estava previsto na Constituição para realização da representação orgânica. Os organismos corporativos tinham sido lançados, mas o Governo não pretendia «ir demasiado depressa» numa obra de vulto. Tinham sido evitadas as «arrumações esquemáticas puramente teóricas» ou as «improvisações», que permitiriam uma implementação rápida, mas não seriam compatíveis com mudanças estruturais da sociedade, solidamente alicerçadas98.

98

Em entrevista publicada pouco tempo depois, esclarecia que o critério adoptado pelo Decreto- Lei n.º 24683 para a obtenção do quadro geral das secções não tinha sido a «separação dos aspectos tradicionais, comercial, industrial e agricola», nem sequer pelo «isolamento dos interêsses do capital, da tecnica e do trabalho». Desta forma tinha sido superado o modelo da formação das associações de classe, de acordo com o Decreto de 9 de Maio de 1891. Agora, os «interêsses solidários» eram agrupados em redor de «um produto ou segundo os ramos fundamentais da actividade económica.» Não seria uma assembleia de interesses económicos, ainda para mais organizada de acordo com uma «especialização estreita» ou uma «particularização», fossem estas «de classe ou de grupo, quer sob o aspecto técnico, quer sob o aspecto económico ou social»99. Pouco tempo depois, o subsecretário de Estado das Corporações, Pedro Teotónio Pereira (1935: 41), considerava que as secções da Câmara já continham «os contornos vigorosos e definidos das futuras Corporações».

A aprovação do diploma em Conselho de Ministros do dia 15 de Novembro foi antecedida de uma série de reuniões que se prolongaram desde a primeira sessão do Conselho Corporativo, em dia 25 de Outubro de 1934. Preparada com Teotónio Pereira, a agenda desta reunião teve como principal ponto as bases gerais da constituição da Câmara Corporativa100.

Num processo de decisão paralelo ao da lei eleitoral, da formação das listas para a Assembleia Nacional, dos novos estatutos da União Nacional, da escolha dos membros da Câmara, da convocação de ambas, da definição dos respectivos regimentos, da composição das mesas, do diploma sobre os grémios facultativos do comércio e da indústria, Salazar auscultou os ministros do Comércio (Sebastião Ramires), da Justiça (Manuel Rodrigues) e das Colónias (Armindo Monteiro), Albino dos Reis, Vasco Borges, Joaquim Dinis da Fonseca, Domingos Fezas Vital, Marcelo Caetano ou Carneiro Pacheco. Contudo, é com o seu subsecretário de Estado que os trabalhos são mais continuados e abrangentes, antes e depois da reunião do Conselho de Ministros101.

Albino dos Reis apenas é mencionado nos estudos preparatórios sobre a Câmara Corporativa, mas já depois de reuniões com Teotónio Pereira. Naturalmente, intervém a propósito da lei eleitoral e da lista dos deputados, até porque era o vice-presidente da Comissão Central da União Nacional. Já Vasco Borges e Joaquim Dinis da Fonseca colaboram, sobretudo o segundo, na elaboração dos regimentos das duas câmaras. Encontra-se registada a discussão com Fezas Vital e Teotónio Pereira, a propósito das, adiante referidas, «ideas do Marcelo

99 O Século, 19.11.1934, p. 1

100 Cf.: DM, 26.10.1934, p. 1 (reunião do Conselho Corporativo); DM, 16.11.1934, p. 1 (reunião do Conselho de

Ministros).

101

Caetano» sobre a organização e o funcionamento dos órgãos legislativos102. Fezas Vital começara por ser consultado para esclarecer dúvidas sobre a Constituição, no que se refere à convocação da Assembleia e da Câmara. Dinis da Fonseca participa na selecção dos membros das mesas, tal como Carneiro Pacheco, presidente da Comissão Executiva e vogal da Comissão Central da União Nacional.