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1. As origens: o consenso em torno das comissões parlamentares num quadro monocameral

1.5. A Câmara Corporativa

Na terceira fase do processo constituinte, a Câmara dos Representantes viria a ser transformada na Câmara Corporativa. O projecto que Salazar prepara para ser definitivamente aprovado pelo Conselho de Ministros de 5 de Março comporta uma notória melhoria na sistematização das matérias. As características centrais da Câmara Corporativa já tinham sido fixadas nas reuniões concluídas em 16 de Fevereiro. A nova denominação da instituição traduz uma compreensão consolidada sobre o seu espaço de intervenção. As poucas modificações verificadas possuem um alcance preciso26.

Os artigos que se referem à Câmara Corporativa são objecto de uma rearrumação, vindo a ser integrados num capítulo específico (V), do título III, reportado à Assembleia Nacional. A nova instituição continua a funcionar «junto da Assembleia Nacional» (102.º), que deixa (de acordo com o art. 85.º) de possuir membros por direito próprio (em função dos cargos exercidos). A dependência da Câmara Corporativa face a este último órgão de soberania é, portanto, inequivocamente patenteada por aquela expressão («junto da»). A autonomização só viria a ser reconhecida na lei de revisão constitucional de 1937.

Persistia a possibilidade de, a título extraordinário, a nova Câmara exercer funções junto do Governo, nos casos em que este o considerasse necessário (art. 104.º/§1.º). Originária da fase anterior, esta disposição constaria da versão divulgada na imprensa e seria retirada no texto submetido a plebiscito. E só seria recuperada, até com maior alcance, na primeira revisão constitucional, em 1935, ainda que, então, fossem facultados à Câmara menos instrumentos, uma vez que não seria, como aqui, prevista uma comissão permanente. Esta última apenas em 1968 seria criada, já pelo novo presidente do Conselho, Marcelo Caetano.

Esta matéria era, naturalmente, sensível. Mário de Figueiredo e José Alberto dos Reis não deixaram de a comentar. A atestá-lo encontram-se as anotações que fazem ao anteprojecto definitivamente aprovado pelo executivo. Se o primeiro se limita a sinalizar a fórmula «poderá», o segundo vai mais longe e anota a possibilidade de proceder à substituição por «deverá»27. No entanto, Mário de Figueiredo e José Alberto dos Reis não terão feito chegar tais reservas ao Conselho Político Nacional, dado que, nas respectivas actas, não consta que este artigo tenha sequer sido discutido (António de Araújo, 2007: 195-212).

26 Cf.: VIII edição (Feitas as emendas à VII). Ed. presente ao C. de Mos de 5/III (AOS/CO/PC-5, fls. 474-502);

Quadro C do Anexo n.º 1.

27 Exmo Doutor Mario de Figueiredo, fl. 328 (AOS/CO/PC-5B, fls. 307-335); Exmo Doutor José Alberto dos Reis,

Para analisarmos as diferenças quanto à organização dos interesses representados entre os dois anteprojectos, torna-se necessário ponderar a denominação da própria instituição, «Câmara de representantes dos interesses fundamentais» e «Câmara Corporativa», e verificar o andamento das emendas durante esta fase destinada à aprovação definitiva. Para tal, é necessário que nos detenhamos nos dois documentos intercalares mais relevantes28.

No primeiro a ser elaborado, é introduzida uma vasta emenda, que resulta numa nova edição impressa, também ela objecto de uma alteração. É precisamente naquela primeira emenda que o capítulo V do anteprojecto de 5 de Março é integralmente redigido, pela mão de Salazar. Só que não o é de forma linear, dada a presença de uma importante substituição, feita pelo próprio ministro das Finanças, mas não num único momento29.

À excepção do primeiro artigo deste capítulo, todos os demais começaram por ser identificados por letras (arts. B-D), que darão lugar à definitiva numeração (103.º-105.º). Nestes, verificamos que a redacção primitiva identificava a instituição como «Camara de Corporações». Esta expressão foi, portanto, substituída por «Camara Corporativa» nos arts. 103.º-105.º, e ainda no art. 104.º/§1.º30.

No primeiro artigo do capítulo V (102.º) não é indubitável a identificação prévia por letra (seria a A) e a expressão «Camara Corporativa» (que também consta na identificação do capítulo V e no §1.º daquele artigo) não substitui qualquer outra, como seria o caso «Camara de Corporações»31. A eventual incoerência entre a denominação da instituição neste artigo inicial e nos restantes possui, pelo menos, uma explicação: a redacção daquele é autónoma e, muito provavelmente, posterior à fixação dos subsequentes artigos deste capítulo. Só que o corpo do art. 102.º também é alvo de uma substituição, precisamente na redacção dos interesses representados na Câmara Corporativa.

Temos, assim, pelo menos três etapas textuais nesta emenda ou, eventualmente, quatro. Em primeiro lugar, a redacção dos artigos em que a instituição é identificada como a «Camara de Corporações». Depois, a substituição dessa expressão por «Camara Corporativa». Simultaneamente, ou não (num conjunto de quatro etapas), o art. 102.º é redigido de novo, sendo já incluída a expressão «Camara Corporativa». Finalmente, o corpo deste artigo inicial é alvo de nova substituição, no que à formulação dos interesses representados diz respeito.

28 Cf.: Ed. de 16-2-932. VI edição com as emendas da revisão com o Vital e Martinho N. de Mello

(AOS/CO/PC-5, fls. 391-417); VII ed. Pª o Cons. de Ministros de 5-III-932, Emendas com o D. Vital. Mº das

Finanças (AOS/CO/PC-5, fls. 418-445).

29 Cf. Ed. de 16-2-932. VI Edição com as Emendas da Revisão com o Vital e Martinho N. de Mello, fls. 408-410. 30 Cf. Ed. de 16-2-932. VI Edição com as Emendas da Revisão com o Vital e Martinho N. de Mello, fls. 409-410. 31

Comecemos pela expressão «Camara de Corporações». Não deixa de ser interessante notar que consta uma formulação próxima – «Câmara das Corporações» – nas notas de Quirino de Jesus ao anteprojecto de 16 de Fevereiro de 193232. Tenha ou não sido o resultado dos seus comentários, com uma adaptação que está longe de ser irrelevante (de «Camara das Corporações» para «Câmara de Corporações»33), é indubitável que «Câmara de Corporações» foi uma das expressões que Salazar ponderou para esta nova instituição, tendo mesmo chegado a reduzi-la a escrito.

Passemos, então, à substituição de que é alvo o corpo do art. 102.º. Na origem, encontra-se a transcrição praticamente literal do art. 87.º do anterior anteprojecto, ocorrendo apenas quatro alterações. Antes de mais, estamos perante uma mudança na denominação exacta da Câmara dos Representantes e, só depois, diante de outras ligeiras reformulações, que, ainda assim, envolvem o respectivo perfil institucional.

Assim, esta etapa intermédia na redacção da emenda ao anteprojecto de 16 de Fevereiro de 1932 limitou-se a atribuir uma denominação precisa (Câmara Corporativa) e a estabelecer a sua composição em moldes muito similares àqueles que provinham da Câmara dos Representantes, dado que apenas foram excluídos os interesses de defesa nacional. Constaram no original manuscrito as alterações à expressão «os indivíduos» (substituído por «aqueles»), no processo de escolha por parte das corporações e na duração do mandato (em ambos os casos remetidos para lei ordinária).

Sucede que a “primitiva” redacção deste art. 102.º possui uma formulação que também é próxima daquela que é sugerida por Quirino de Jesus: «Junto da Assembleia Nacional funcionará uma Câmara das Corporações, composta de representantes dos interesses fundamentais da Nação: administrativos, coloniais, culturais, profissionais e económicos, designado a lei aqueles a quem incumbe tal representação ou o modo como serão escolhidos»34. As únicas diferenças face à redacção adoptada por Salazar na emenda que temos vindo a referir encontram-se na designação da instituição («Camara Corporativa» e não «Câmara das Corporações») e na fórmula final («e a duração do seu mandato»).

Por outras palavras, acresce a possibilidade da redacção inicial do art. 102.º resultar de sugestão de Quirino de Jesus, que, curiosamente, também regista a eliminação, que foi efectivada, dos membros por direito próprio na Assembleia Nacional. Mas não fez mais propostas relativamente aos artigos subsequentes, nem sequer a propósito da sua reunião num

32 Cf. Ed. de 16-2-932. Exm. Sr. Dr. Quirino de Jesus, fl. 298 (AOS/CO/PC-5B, fls. 284-306).

33 Ed. de 16-2-932. VI Edição com as Emendas da Revisão com o Vital e Martinho N. de Mello, fls. 408-410. 34

capítulo único, como Salazar fez, antes das substituições na denominação da instituição e na formulação dos interesses nela representados.

Convirá, no entanto, não sobrevalorizar a influência de Quirino de Jesus na redacção destas disposições, mesmo que tenha feito sugestões ou sido auscultado sobre algumas modificações. Salazar deixa bem expresso que os seus interlocutores privilegiados na elaboração do anteprojecto que pretendia apresentar para aprovação definitiva no Conselho de Ministros (a 5 de Março de 1932) foram Domingos Fezas Vital e Martinho Nobre de Melo. Tentemos, agora, sintetizar o percurso do ainda ministro das Finanças na redacção dos artigos referentes à Câmara Corporativa nesta fase que culmina a 5 de Março de 1932.

Em primeiro lugar, fez convergir numa secção autónoma do anteprojecto da Constituição os artigos que se referiam à Câmara dos Representantes. Modificou a denominação da instituição, provavelmente por sugestão ou em concertação com Quirino de Jesus. Como resultado, a «Câmara de Corporações» deveria ser uma substituição simples e directa da anterior Câmara dos Representantes.

Num segundo momento, procedeu a nova modificação na forma como pretendia que ficasse conhecida a nova instituição. A «Câmara de Corporações» daria lugar à «Câmara Corporativa». Esta era, ainda, composta pelos representantes dos interesses fundamentais da Nação, como a primitiva «Câmara dos Representantes». Por outro lado e eventualmente já antes, caso Salazar tenha seguido de imediato todas as sugestões de Quirino de Jesus, são excluídos os interesses de defesa nacional, é retirada a menção ao processo de designação dos seus membros por parte das corporações e é aberta a possibilidade de assento por parte de instituições e não só de indivíduos.

Finalmente, estabeleceu a redacção do art. 102.º como consta do documento de 16 de Março. A única excepção é a referência a «todo o território nacional», que seria, entretanto, eliminada. A Câmara Corporativa seria composta por representantes dos interesses sociais, considerados nos seus ramos fundamentais: administrativo, moral, cultural e económico. Clarificado este trajecto, estamos em melhores condições para estabelecer uma comparação entre o art. 87.º do documento de 16 de Fevereiro e o art. 102.º do anteprojecto de 5 de Março. Continua a haver uma Câmara junto da Assembleia Nacional. A sua característica fundamental persiste. Seria uma instituição auxiliar do órgão de soberania que exerce o poder legislativo. Anteriormente, era apenas e só uma Câmara. Agora, ainda é uma Câmara, mas que passa a ser adjectivada como Corporativa. Este qualificativo não foi o primeiro a ser utilizado, dado que veio substituir uma denominação – Câmara de Corporações – que permitia inferências sobre a regulação das organizações a criar. Para além do mais, não seria fácil a

existência de uma tal instituição sem a existência das correspondentes corporações. Podemos inferir a necessidade prévia de estabelecer uma denominação mais consistente do que «Câmara de representantes», até porque pouco compatível com a redacção dos demais artigos que se lhe referiam - «Câmara dos Representantes» - e, certamente, susceptível de a subalternizar ainda mais. A segunda tentativa consistiu na introdução de uma qualificação. A composição da Câmara Corporativa também é modificada, mas apenas no termo da principal emenda desta fase do processo constituinte. Só depois de discutida a denominação institucional foi ponderada a forma organizativa dos interesses representados. A redacção estabelecida já será a que vai constar do articulado divulgado na imprensa. A Câmara passa a ser formada por «representantes dos interesses sociais, considerados estes nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa, moral, cultural e económica». Os «interesses sociais» constituem uma designação genérica para a representatividade que se pretende com a instituição, e que será subdividida em «ramos fundamentais», considerados, por seu lado, em quatro ordens distintas: administrativa, moral, cultural e económica. Na sequência das reuniões do executivo de Janeiro, recorde-se, pretendia-se a representatividade dos interesses fundamentais da Nação, que eram de imediato elencados.

Entre a sistematização dos «ramos fundamentais» dos «interesses sociais» e a dos «interesses fundamentais da Nação» notam-se algumas diferenças. Na ordem administrativa, já anteriormente considerada, terão sido incluídos os interesses de defesa nacional, em primeiro lugar, e os coloniais, depois. A ordem moral foi introduzida no segundo momento, quando são igualmente retirados os interesses profissionais. A formulação obtida é, claramente, mais estruturada que a anterior.

A remissão do processo de escolha dos seus membros para lei ordinária deixou de consagrar as corporações propriamente ditas. Poderá ter sido mais uma questão de compatibilização de redacção do que uma percepção dos inconvenientes, de ordem programática ou meramente pragmática, de conferir o exclusivo da representação às corporações. Recordamos que é de supor que a formulação «escolhidos pelas respectivas corporações» possa ter sido eliminada por sugestão, ou com a concordância, de Quirino de Jesus. Estaríamos, portanto, numa fase em que, no mesmo artigo, a instituição seria designada como «Câmara de [ou das] Corporações». Por isso, a redacção não deixaria ser redundante.

Quanto ao processo de escolha dos representantes dos interesses, é acrescentado que a lei ordinária também definirá a duração do mandato. No anteprojecto de 16 de Fevereiro, estava expresso que seriam objecto de legislação «os indivíduos a quem incumbe a representação dêsses interesses». Agora, «os indivíduos» são substituídos por «aqueles». Poder-se-á tratar

de um apuramento da redacção, mas não é de excluir que se pretendesse abrir espaço para que a lei ordinária se referisse a instituições com representação e não a indivíduos.

Concluída a análise comparativa entre os arts. 87.º (do anteprojecto de 16 de Fevereiro) e 102.º (do anteprojecto de 5 de Março), ponderando a evolução redaccional verificada ao longo desta fase, é altura de centrarmos a atenção nas demais disposições deste capítulo consagrado à Câmara Corporativa. Por comparação com o anteprojecto saído das reuniões do Governo em Janeiro, as competências da instituição permanecem inalteradas (art. 103.º). O mesmo se diga a propósito do seu funcionamento por secções especializadas (art. 104.º), da possibilidade dos ministros ou deputados responsáveis por projectos em apreciação tomarem parte nas suas reuniões (art. 104.º/§2.º), da capacidade para verificar e reconhecer os seus membros, eleger a sua mesa e elaborar o seu regimento interno, assim como da especificação de matérias que do mesmo deveriam constar e da possibilidade das suas secções auscultarem organismos oficiais (art. 105.º).

Apesar desta regularidade, as modificações introduzidas nesta fase não se circunscrevem à denominação do órgão que funcionará junto da Assembleia Nacional e à estruturação dos interesses nela representados. Algumas das suas características são objecto de intervenção. O perfil institucional da Câmara Corporativa vai sendo consolidado.

É alterada a redacção das disposições sobre o processo de substituição (102.º/§s 1.º e 2.º). Prioritariamente, é prevista a vacatura nos cargos que conferirão assento na Câmara Corporativa. Ainda que os efeitos práticos sejam os mesmos, ou pelo menos, muito próximos, não deixa de ser uma modificação do que anteriormente tinha constado, e que se referia, em primeiro lugar, às vagas ocorridas na instituição (art. 89.º/§único do anteprojecto de 16 de Fevereiro). Fica, assim, mais claro que as vagas na Câmara Corporativa não constituirão uma preocupação para a própria instituição, mas para os interesses que nela estão representados. Serão estes a requerer a substituição do seu representante e a proceder à sua justificação, com base na lei ou nos estatutos. Não será, de modo algum, à Câmara Corporativa que caberá a constatação, mas apenas e só o reconhecimento da validade da substituição.

Esta modificação da redacção tornou menos clara a possibilidade de vagas na Câmara em razão de impedimento temporário no cargo. Essa questão seria resolvida com a lei de revisão constitucional de 1937. Ainda a propósito dos processos de substituição, acrescentamos que persistem, implícitas, as disposições a propósito do acesso: por direito próprio (em função do cargo) e mediante designação individual.

As principais alterações por confronto com o anteprojecto de 16 de Fevereiro restringem-se à eventualidade de funcionamento em sessão plenária, que, agora, é excluída. Continua aberta a

possibilidade de todas as secções especializadas reunirem, pontualmente, em conjunto para apreciação de projectos legislativos (art. 104.º). Mas é retirada a «regra» do funcionamento por secções (art. 101.º do anteprojecto de Fevereiro), ou seja, fica bem mais clara a norma geral. Tanto assim parece ter sido a intenção de Salazar que na emenda originária do art. 104.º fez constar que a Câmara exerceria a sua acção «ordinariamente por secções especializadas»35.

Por outro lado, também é modificada a disposição sobre as matérias que, obrigatoriamente, constarão no regimento interno da Câmara (art. 105.º, com remissão para o art. 101.º/als. a e b). É eliminada a inclusão da obrigatoriedade do orador subir à tribuna para usar da palavra sobre a ordem do dia (art. 107.º do anteprojecto de 16 de Fevereiro).

Os efeitos práticos destas alterações circunscrevem-se à produção de discursos em plenário. De acordo com este anteprojecto destinado à aprovação pelo Conselho de Ministros de 5 de Março, continuariam a ser necessárias as sessões plenárias, mas unicamente para fins muito específicos: eleger a mesa e elaborar o regimento interno (art. 105.º, com remissão para o art. 86.º). As matérias que continuariam a constar do regimento, ou seja, limitação do tempo para usar da palavra e proibição de preterir a ordem do dia por assunto não anunciado com pelo menos 24 horas de antecedência (art. 105.º, com remissão para o art. 101.º/als. a e b), não se refeririam, necessariamente, a uma assembleia plenária. Seriam aplicáveis a reuniões por secções especializadas. Era excluída a possibilidade de reunião em assembleia com discursos políticos proferidos pelos membros da instituição.

A relação da Câmara com os interesses sociais e os tipos de reunião que nela seriam consentidos são características com algum peso na identificação do seu perfil institucional. Herdeira de uma segunda câmara, a sua criação inscreve-se no âmbito da transição para o monocameralismo como um conjunto de comissões parlamentares, cuja composição é diferenciada da que caracteriza o órgão do poder legislativo. Nela, teriam assento representantes de interesses. Apesar de ser um órgão auxiliar da Assembleia Nacional, com um funcionamento paralelo, também poderia ser, extraordinariamente, consultada pelo Governo, nos intervalos das sessões legislativas. A sua principal actividade era a emissão de pareceres sobre os projectos e propostas de lei que tivessem de ser discutidos na Assembleia Nacional. Ficava bem claro que não havia qualquer capacidade de iniciativa.

Na fase que termina a 5 de Março de 1932, é acentuado que à Câmara Corporativa nem sequer era concedido espaço para efectuar qualquer tipo de discurso político sobre questões

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que não fossem solicitadas pelas entidades de que dependia. Dos interesses sociais aí representados, apenas era esperado que se pronunciassem sobre os problemas requeridos por outrem. Apesar de reunidos numa Câmara, esta não seria a instância apropriada para a sua expressão directa.

Foi expressamente excluída uma denominação que permitisse qualquer inferência quanto à regulação dos interesses aí representados. A formulação definitiva não deixava de corresponder a uma certa inversão do perfil subjacente às que foram ponderadas. Seriam os interesses corporativos a qualificar a Câmara e não seria esta a sua instância privilegiada de representação.

Os processos de substituição dependeriam da vitalidade das actividades que na Câmara tivessem assento. As vagas constatadas não constituiriam um problema para a própria instituição e não colocariam em causa o seu funcionamento. Era esperada uma elevada circulação dos seus membros, pelo menos quando comparada com um parlamento clássico e a responsabilidade pela ocupação dos lugares vagos caberia aos interesses representados.

No final desta terceira fase constituinte, o hibridismo da representação na Câmara Corporativa era uma evidência. Era acentuado o carácter pragmático da sua institucionalização. A representação corporativa estava longe de ser o produto de um programa político consistente, sendo reduzida a um expediente que visava compensar o perfil político da Assembleia Nacional.

Estava fixado o essencial das disposições referentes à Câmara Corporativa, tendo em conta o projecto divulgado na imprensa. As normas relativas aos prazos para emissão dos pareceres foram introduzidas na quarta fase (art. 103.º/§s 1.º e 2.º). Somente foram consideradas as consultas obrigatórias, ou seja, aquelas que se referem a projectos a discutir na Assembleia Nacional. Nada é dito a respeito da possibilidade do Governo solicitar pareceres da Câmara. À Assembleia Nacional é conferida a faculdade para fixar um prazo excepcional, mas que se aplicará apenas aos projectos de lei (da iniciativa dos deputados) que o Governo declarar como urgentes. A redacção desta disposição, que visa assegurar que os debates no Parlamento não serão retardados pela Câmara Corporativa.

Parecem ficar de fora desta excepção as propostas de lei (de iniciativa governamental). Portanto, o órgão de soberania que exerce o poder legislativo não pode pretender acelerar a discussão das iniciativas do Governo. Também a este é vedado fazê-lo. A Assembleia só poderá limitar o prazo para a emissão de pareceres sobre projectos da autoria dos seus membros, mas após determinação governamental. É ao executivo que cabe reconhecer se é conveniente abreviar a discussão de um projecto apresentado por deputados.

Sucede que a disposição constante do §1.º, ainda que tenha sido introduzida na mesma fase,