• Nenhum resultado encontrado

3. A organização por secções e os sistemas de acesso: o impacto das corporações

3.3. A derradeira mas prematura lei orgânica

No final da I Legislatura, António de Oliveira Salazar discursaria perante a Assembleia Nacional, aproveitando para fazer um balanço de todo o período. Sobre a estrutura da Câmara Corporativa que tinha sido adoptada, consideraria que, no seu conjunto, já não correspondia «ao estado actual e ao pròximamente futuro da organização corporativa». Assim sendo, anunciava a necessidade de introduzir as modificações «resultantes dos progressos realizados»103.

Pouco tempo antes, Pedro Teotónio Pereira, já na qualidade ministro do Comércio e Indústria, anunciaria que a «fase sindical» estava prestes a concluir-se. Seguir-se-ia a «fase corporativa». Na sequência do Estatuto Nacional do Trabalho, tinham sido lentamente lançados os organismos primários (grémios, sindicatos, casas do povo e estavam previstas as casas dos pescadores). Com os organismos de coordenação económica igualmente em funções, considerava estarem criadas as condições para começar a perspectivar «os primeiros esquemas de coordenação»104. O seu sucessor no cargo de subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, Manuel Rebelo de Andrade, também declarava, no 4.º aniversário do Estatuto do Trabalho Nacional, que os organismos de coordenação económica faziam «adivinhar o advento das Corporações». As estruturas de primeiro grau já não satisfaziam. Eram necessárias soluções superiores e coordenação económica105.

Todavia, Salazar não faria qualquer referência às corporações na entrevista a António Ferro na proximidade do acto eleitoral que preparava a II Legislatura. O presidente do Conselho apenas vincava que o Estado corporativo ainda não se encontrava «completamente erguido». Reflectiria apenas sobre algumas questões que envolviam as casas do povo ou o atraso verificado com os grémios da lavoura106. No discurso por ocasião do 5.º aniversário do

102

AOS/DI-2, 20.12.1934.

103 DS, n.º 192, 29.4.1938, p. 837.

104 «Depois da fase sindical, a fase corporativa», BINTP, n.º 4, 15.1.1937, pp. 69 e 71. 105 «O IV aniversário do Estatuto do Trabalho Nacional», BINTP, n.º 21, 30.9.1937, p. 492. 106

Estatuto do Trabalho Nacional, Manuel Rebelo de Andrade era igualmente omisso relativamente a esta questão, ao contrário do que sucedera no ano anterior107.

Os trabalhos tendentes à aprovação dos decretos de 1938 sobre as corporações e a Câmara Corporativa foram desenvolvidos desde a semana que antecedeu a realização, em 30 de Outubro de 1938, das eleições para a Assembleia Nacional. O processo de decisão foi centralizado em Salazar, que, inevitavelmente, contou com a colaboração privilegiada do subsecretário de Estado das Corporações e da Previdência Social, Manuel Rebelo de Andrade. Foram igualmente intervenientes nos trabalhos desenvolvidos pelo chefe do Governo os ministros do Comércio e Indústria (Costa Leite) e da Agricultura (Rafael Duque).

Quanto ao presidente da Câmara Corporativa, Eduardo Marques, apenas foi auscultado e ainda antes das reuniões mais relevantes. Já o vice-presidente do órgão consultivo, Domingos Fezas Vital, participou numa fase mais adiantada. Aparentemente, fê-lo como especialista em Direito Público e em articulação com Rebelo de Andrade. O antecessor deste último e ex- ministro do Comércio e Indústria, Pedro Teotónio Pereira, é igualmente um dos elementos consultados por Salazar e um dos intervenientes nas decisivas reuniões por si promovidas, em 3 e 4 de Novembro, com os referidos governantes, para elaborar estes diplomas.

A presença do, então, agente especial do Governo português junto do generalíssimo Franco (desde Dezembro de 1937) no círculo de decisão de Salazar causa alguma estranheza, mas foi extremamente importante, ainda que algumas das suas perspectivas tenham sido recusadas por Salazar. Teotónio Pereira foi responsável por um relatório destinado a constituir o preâmbulo dos novos diplomas e muito provavelmente pelos dois primeiros esboços de articulados que o chefe do executivo discutiu com os seus conselheiros. Após as decisões tomadas naquelas duas reuniões, Salazar prosseguiu os trabalhos, mas agora sozinho ou, sobretudo, com Rebelo de Andrade. E terá sido nesta importantíssima fase, que Fezas Vital interveio. Finalmente, o Conselho de Ministros terá sido apenas a instância de aprovação dos diplomas108.

Para Fernando Martins (2004: 525), a intervenção de Pedro Teotónio Pereira no processo de elaboração destes diplomas de 1938 enquadra-se numa perspectiva mais ampla. A partir de Espanha, o ex-governante de Salazar «não apenas conservou mas […] tudo fez para preservar» a sua influência e o seu prestígio em Portugal. O mesmo autor sublinha que o então embaixador de Portugal em Espanha discutiu a reforma da Câmara Corporativa com o seu sucessor no cargo de subsecretário de Estado das Corporações e também com Marcelo

107 Cf. BINTP, n.º 18, 30.9.1938, pp. 351-352.

108 Sobre as reuniões promovidas por Salazar e por Rebelo de Andrade, cf.: AOS/DI-2, 24.10-10.11.1938; DM,

Caetano. E Fernando Martins (2004: 526) cita uma carta de Teotónio Pereira a Caetano, a propósito de divergências surgidas entre ambos numa reunião prévia às que manteve com Salazar a propósito das mesmas matérias.

As decisivas reuniões do chefe do Governo para discutir os diplomas de 1938 com alguns dos membros do executivo e Teotónio Pereira tiveram como base os projectos elaborados por este último. Mas o embaixador português junto de Franco preparou a realização das mesmas e, eventualmente, aqueles documentos em conjunto com o seu sucessor e com Marcelo Caetano. No centro dos trabalhos que conduziram à publicação dos Decretos-Leis n.os 29110 e 29111, situou-se, inevitavelmente, o presidente do Conselho. Emendou pelo seu próprio punho os projectos de Teotónio Pereira e, autonomamente, elaborou anotações sobre os mesmos para a obtenção de posteriores versões. Com minúcia, redigiu novos artigos e ensaiou alternativas aos já esboçados. Corrigiu as edições finais e validou a respectiva aprovação.

Observemos algumas das perspectivas originárias de Teotónio Pereira sobre a relação entre as corporações e a Câmara, de acordo com o projecto de relatório que apresentou e discutiu com Salazar. Naturalmente, daremos especial relevo às noções que, muito provavelmente por influência do presidente do Conselho, foram retiradas, não constando do preâmbulo publicado109.

O então embaixador português em Espanha atribuía o máximo significado à experiência dos organismos de coordenação económica. Considerava que a sua actuação permitira consolidar o modelo de constituição das secções especializadas da Câmara Corporativa. O próximo passo seria, portanto, a formação das corporações, organizadas em torno de alguns produtos110.

Até aqui as novidades não eram particularmente relevantes. O mesmo já não se pode dizer de alguns dos reflexos das corporações sobre a Câmara, que seria, de acordo com Teotónio Pereira, transformada «numa verdadeira Câmara das Corporações»111. Esta formulação seria substituída pelo próprio, introduzindo a definitiva redacção sobre a reforma da instituição de acordo com os avanços da organização corporativa e das novas atribuições que a Constituição lhe conferira.

À medida que fossem criadas, as novas corporações funcionariam como as secções especializadas da Câmara. Entre esta e os novos organismos existiria uma íntima relação: a Câmara seria dependente das corporações, que, por seu turno, funcionariam em grande

109 Cf. Dr. Teotónio Pereira (AOS/CO/PC-10A, fls. 413-421). 110 Cf. Dr. Teotónio Pereira, fl. 416.

111

medida no âmbito da Câmara. Consequentemente, todos os membros dos conselhos das corporações seriam procuradores, provocando um substancial aumento no número destes últimos. Tratava-se de um evidente sinal por parte do Governo: «dar às actividades organizadas nas suas Corporações uma colaboração cada vez mais vasta, mais estreita e mais constante, no exame dos problemas e na determinação das soluções»112.

Esta quase identificação entre corporações e Câmara, do ponto de vista funcional e da composição, seria eliminada. Trata-se de uma perspectiva importante do grande responsável pela implementação do sistema corporativo português. Recorde-se que, quase duas décadas volvidas, uma perspectiva aproximada seria igualmente admitida por Marcelo Caetano (1956: 107). Era na Câmara que os conselhos das corporações deveriam existir e funcionar. Só dessa forma, poderiam não depender da administração do Estado, nem ficarem equiparadas a qualquer ministério. A este respeito, citava a sua conferência de 1950 no Gabinete de Estudos Corporativos. Estas considerações eram mantidas nas posteriores edições da mesma obra, sendo apenas retiradas quando assumiu a Presidência do Conselho (Caetano, 1972: 633). No projecto de relatório de 1938, Pedro Teotónio Pereira referia-se a secções da Câmara Corporativa destinadas ao estudo dos problemas da administração pública. Nestes casos, a substituição pelas corporações só poderia ocorrer «numa outra fase da evolução do sistema»113. Não é muito claro se a sua perspectiva apontava para uma eventual criação de outras corporações que não apenas as morais, as culturais e as económicas, ou para um recrutamento efectuado nestas últimas dos procuradores que integravam aquelas secções. Seja como for, corrigiu a sua própria redacção a propósito das Secções da Administração Pública. Os procuradores nomeados pelo Conselho Corporativo ficariam reunidos numa única secção, tal como os representantes das autarquias locais114.

Da análise do processo de elaboração do diploma orgânico da Câmara Corporativa, resultam algumas das justificações para as ambiguidades finais. Os dois primeiros projectos são autonomamente anotados por Salazar e neles terão tido interferência, respectivamente, Pedro Teotónio Pereira e Domingos Fezas Vital. Os dois articulados são muito reduzidos. No caso do primeiro, a perspectiva de fundo parece ser a de uma orgânica muito dependente das corporações, como se estas estivessem muito próximas no tempo115. No segundo, já parece seguro que a II Legislatura teria início com uma estrutura ainda provisória. É aqui que são

112

Dr. Teotónio Pereira, fl. 421.

113 Dr. Teotónio Pereira, fl. 420. 114 Cf. Dr. Teotónio Pereira, fl. 420-421.

115 Cf. B. 1.ª Ed. (AOS/CO/PC-10A, fls. 401-402). Sobre as respectivas anotações de Salazar, cf. Art. 1º - conferir e conciliar com o art. 102.º da Const. (AOS/CO/PC-10A, fls. 398-400).

formados, pelo punho do presidente do Conselho, os agrupamentos das secções116. A terceira versão permite estabelecer uma base segura, com recurso à legislação já promulgada117. Caso a caso, Salazar determina as normas que deverão ser recuperadas118.

No caso do projecto mais antigo do diploma referente à Câmara Corporativa, Salazar anota a necessidade de ajustar o artigo inicial à redacção da Constituição. De acordo com a proposta que lhe é apresentada, a Câmara seria constituída por «procuradores das autarquias locais e das Corporações» e por «procuradores designados pelo Conselho Corporativo»119. Esta primitiva formulação ajusta-se a perspectivas expostas no relatório de Teotónio Pereira. Na sucessiva edição, já se encontra a redacção definitiva. É aqui introduzida a equívoca dissociação entre os «procuradores das autarquias e das corporações morais, culturais e económicas» e os «representantes dos interesses sociais de ordem administrativa»120.

Ainda no projecto mais antigo, parece ser clara, tal como nas posteriores versões, a equivalência entre o número de corporações e o número de procuradores das Secções da Administração Pública. A estas últimas, Salazar denomina-as por «secções do governo»121. O chefe do executivo anota ser necessário ressalvar que o Conselho Corporativo nomeará alguns representantes de interesses ainda não organizados, assim como designará para a Câmara alguns dos membros dos conselhos das corporações, e não apenas os presidentes122.

Recorde-se que Teotónio Pereira propusera no projecto de relatório que todos os membros dos conselhos das corporações integrassem a Câmara. O primeiro articulado da lei orgânica era consequente com esta perspectiva. Mas Salazar não aprova a convergência entre as corporações e a Câmara ou entre os conselhos das primeiras e as secções da segunda. Nem sequer concede autonomia aos organismos que seriam criados para procederem à designação dos procuradores. Remete para o Conselho Corporativo o poder de selecção dos membros da Câmara, a partir de um universo mais vasto, constituído pelos elementos que integrassem aquelas estruturas das corporações.

116 Cf. F. Vital. 2.ª ed. (AOS/CO/PC-10A, fls. 436-440). Sobre as respectivas anotações de Salazar, cf. Art. 5.º

(AOS/CO/PC-10A, fls. 432-435).

117 Cf. B (AOS/CO/PC-10A, fls. 425-427). Sobre a consequente versão imprensa, cf. Decreto-lei n.º

(AOS/CO/PC-10A, fls. 407-408). Como complemento desta última, cf. Artigos a introduzir no decreto da

Camara Corporativa, extraidos dos Decs. N.º 24:683, de 27-XI-934, n.º 24:834, de 2-I-935, n.º 27:221, de 21- XI-936, n.º 28:243, de 2-XII-937 e lei n.º 1:929, de 11-II-936 (AOS/CO/PC-10A, fls. 403-406).

118 Uma versão próxima da definitiva, mas ainda corrigida por Salazar, cf.: Reorganização da Camara Corporativa (AOS/CO/PC-10A, fls. 389-392).

119 B. 1.ª Ed., fl. 401. 120 F. Vital. 2.ª ed., fl. 436.

121 Art. 1º - conferir e conciliar com o art. 102.º da Const., fl. 398. 122

Previsto no diploma que foi publicado, o Congresso das Corporações não constava da sua primeira versão123. A sua existência, de resto, estava longe de se justificar na sequência do projecto de relatório de Teotónio Pereira. Se as corporações constituíssem as secções da Câmara e fossem procuradores todos os membros dos seus conselhos, seria redundante a previsão de um outro órgão para a sua convergência. Transformar a Câmara Corporativa numa «Câmara das Corporações», como defendia o ex-responsável governativo pela implementação do sistema, e erigir, ainda, um Congresso das Corporações corresponderia a uma duplicação de órgãos.

Esta nova estrutura só surgiria após a recusa da identificação entre os conselhos das corporações e a Câmara. Um órgão destinado à apreciação das «directrizes gerais da organização corporativa» e dos «problemas de interesse comum da produção e do trabalho» compensava o abandono da perspectiva de Teotónio Pereira sobre o lugar da Câmara no sistema. Foi incluída na posterior versão do diploma, que, muito provavelmente, foi já discutida com Fezas Vital, se não mesmo elaborada sob a sua influência. A primeira reunião era logo prevista para o ano de 1940124. Esta relativamente tardia introdução e a sua relação com um outro consultor do presidente do Conselho poderão explicar a ausência de qualquer referência ao Congresso das Corporações no definitivo preâmbulo dos dois diplomas.

Retomando os projectos de lei orgânica da Câmara Corporativa, constatamos que um elenco de secções já constava numa segunda versão. Por confronto com o final da I Legislatura, as diferenças são muito reduzidas. A perspectiva de fundo terá sido a introdução de pequenos ajustamentos no quadro pré-existente. Foi ponderada, mas logo corrigida, a autonomização da pecuária. «Educação e cultura» permitiria recuperar a originária agregação entre Ciências e Letras, por um lado, e Belas-Artes, por outro. A manutenção da autonomia foi, igualmente ponderada, agora com outra terminologia: para além daquela novidade, existiria «Teatro e Belas Artes». A outra secção cultural teria uma denominação simplificada: «Desportos»125. É pelo punho de Salazar que é introduzida a orgânica dos agrupamentos, num processo em que Fezas Vital terá sido o seu interlocutor privilegiado126. Foi ponderada a possibilidade de «Interesses morais, culturais e economicos» constituírem uma única secção, a par da

123 Cf. 1ª ed. A (AOS/CO/PC-10A, fls. 394-397). 124

Cf. Art. 1.º - As corporações morais, culturais e económicas (AOS/CO/PC-10A, fls. 428-431). Quanto às posteriores versões do diploma, cf.: A (AOS/CO/PC-10A, fls. 422-424); Organização corporativa (AOS/CO/PC-10A, fls. 387-388).

125 F. Vital. 2.ª ed., fls. 437 e 439. 126

administração local. Esta seria, portanto, a regra. A administração pública seria a excepção, possuindo, desde logo, instâncias distintas127.

A redacção da fórmula final caberia ao próprio presidente do Conselho, aplicando a expressão «especialidades» ao primeiro dos agrupamentos. Definitivamente, a correspondência entre estes e as secções, que possuíam inscrição constitucional, seria limitada à administração local. A regra seria, portanto, invertida. Por princípio, as especialidades equivaleriam às secções128. A introdução dos agrupamentos foi marcada por hesitações. Em anteriores anotações de Salazar, consta a redução das secções económicas e das «secções do governo». Neste último caso, passaria mesmo a existir somente uma129. No entanto, nada disto passou para a posterior versão que persiste entre a documentação legada pelo presidente do Conselho. Entre as primeiras, eram acrescentadas «Pecuária» e «Indústrias metalúrgicas e quimicas», mas transportes e turismo convergiam numa única. Este aumento mínimo era compensado com a fusão entre ciências e letras e belas-artes. Mantinham-se as seis «secções do governo»130. Estas hesitações repercutem-se na definitiva redacção do diploma. No funcionamento da Câmara Corporativa, os agrupamentos não possuiriam qualquer expressão significativa, nunca funcionando como tal. A terminologia cairia mesmo em desuso.

Ao tomar conhecimento pela imprensa das versões definitivas dos dois diplomas, Teotónio Pereira fazia chegar a Salazar «alguns reparos» sobre um problema muito específico (as remunerações dos procuradores), não deixando de lamentar a «discordância» com que haviam sido encaradas algumas das suas propostas. Todavia, deixava bem claro que não assumira «nenhuma posição de irredutibilidade» e que Salazar seria «sempre o juiz»131.

Num plano meramente organizativo, o presidente do Conselho terá ponderado uma diminuição das secções económicas da Câmara Corporativa. Também terá colocado a hipótese de fazer convergir numa única aquelas que designou como «as secções do governo». Ao confrontar estas possibilidades com o então vice-presidente da Câmara, Fezas Vital, terá reconhecido algumas dificuldades de ordem prática. Somente nas secções culturais pareceu viável uma limitação numérica, mas acabou por ser igualmente abandonada. Prevaleceu a manutenção do quadro geral, com muito poucos reajustamentos.

Os agrupamentos e as especialidades terão surgido como a alternativa de natureza organizacional às dificuldades geradas pela redução do número de secções. Mais uma vez,

127 Art. 5.º, fl. 436; 128

Decreto-lei n.º, fl. 407.

129 Art. 1º - conferir e conciliar com o art. 102.º da Const., fl. 398. 130 Cf. F. Vital. 2.ª ed., fls. 437 e 439.

131 Carta de Pedro Theotónio Pereira ao presidente do Conselho, em 13.11.1938 (Comissão do Livro Negro sobre

foram constatados problemas práticos e a regra prevista pelo próprio Salazar era invertida. Dos três agrupamentos, a excepção já não estaria na administração pública para efeitos de compatibilização com as secções definidas na Constituição. Somente o agrupamento que não possuía especialidades, autarquias locais, funcionaria como secção. Nos outros dois, seriam precisamente as especialidades que equivaleriam às secções previstas na Lei Fundamental. A Câmara Corporativa não era substancialmente alterada por força desta sua segunda lei orgânica. As principais mudanças eram projectadas para o momento da criação das corporações.

O preâmbulo da nova lei orgânica era comum ao diploma que definia as regras para a instituição das corporações morais, culturais e económicas. Era assumido que a Câmara correspondera à «realização dos preceitos constitucionais mais característicos da nova orgânica do Estado» e significara o «primeiro esfôrço para conseguir […] a coordenação dos interêsses e das actividades já nessa altura organizados ou em vias de organização». No sistema político do Estado Novo, a instituição representava, portanto, não apenas uma das principais inovações, mas também um dos seus mais destacados elementos caracterizadores. Pouco menos de um ano volvido sobre o Estatuto do Trabalho Nacional, o órgão consultivo da Assembleia Nacional permitira igualmente um primeiro ensaio da «coordenação» dos organismos já criados. Por outras palavras, o êxito do seu funcionamento revelava o sucesso da fórmula corporativa, nas suas expressões mais elevadas. O «trabalho em cooperação», os «agregados de funções e de interêsses solidários» ocorrera, de facto, nas secções então formadas, de acordo com «a imagem da representação de possíveis corporações a criar». Da Câmara Corporativa, tinham sido afastadas a «influência da luta de classes» e os «vícios do regime parlamentar», como decorria da Constituição. No que à organização da sociedade dizia respeito, tinham igualmente sido alcançados os principais objectivos. Mas a composição das secções não tinha sido efectuada apenas num horizonte prospectivo. Já resultara «da nossa própria experiência na resolução dos problemas económicos e sociais», manifestada nas primeiras instituições corporativas criadas nos sectores das conservas e do vinho. Estas não se tinham revelado meramente burocráticas. Antes, tinham constituído «instrumentos de trabalho, tutelados é certo pelo Estado, mas tendentes a obter a auto-direcção da economia», que, por seu lado, se processava «à volta dos produtos e em sentido vertical, afirmando a solidariedade da produção, da transformação e do comércio». As secções da Câmara também tinham sido constituídas «à volta dos produtos fundamentais da nossa economia». O reforço da originalidade do Estado Novo era outra nota recorrente: nada disto tinha sucedido por «mera sugestão da experiência alheia».

Deste balanço de quatro anos e da publicação das regras para a criação das corporações, resultava a necessidade de modificar a orgânica da Câmara. A organização das actividades evoluíra e ainda se perspectivavam mais modificações. A Constituição tinha sido revista e conferira novas competências, como fossem o funcionamento, também, junto do Governo. A Câmara Corporativa era «reajustada […] em termos de poder servir de fecho à vasta construção realizada no decurso dêstes escassos cinco anos».