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As limitadas alterações no texto definitivo

1. As origens: o consenso em torno das comissões parlamentares num quadro monocameral

1.7. As limitadas alterações no texto definitivo

A 9 de Dezembro de 1932, o Conselho de Ministros iniciou o processo de revisão do texto publicitado. Na ocasião, foi fixada a data do plebiscito e a prorrogação por dois anos do

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mandato do chefe do Estado61. Em 10 de Fevereiro do ano seguinte, a Constituição regressaria às reuniões governamentais. Até dia 13, eram ponderadas e aprovadas as alterações a efectuar62. O presidente do Conselho ficava encarregue da fixação do definitivo articulado. Salazar destaca Domingos Fezas Vital como seu interlocutor privilegiado na introdução das modificações aprovadas pelo Governo entre 10 e 13 de Fevereiro. A imprensa regista reuniões entre Salazar, Fezas Vital e os ministros da Justiça (Manuel Rodrigues) e das Colónias (Armindo Monteiro)63. O texto definitivo seria aprovado pelo Conselho de Ministros em 22 de Fevereiro de 1933, depois de uma reunião intercalar a 1764. A Constituição estava em condições de ser publicada e plebiscitada.

Entre o texto divulgado na imprensa e aquele que foi aprovado, as diferenças principais ocorrem em torno do Presidente da República e a da Assembleia Nacional. Sobre a Câmara Corporativa, as alterações seriam diminutas (Quadro D do Anexo n.º 1).

A ordem dos arts. 5.º e 6.º seria invertida. Para além de outras alterações de redacção, é na fórmula do novo art. 5.º que reside maior interesse. No projecto de 1932, constava: «O Estado português adopta como forma de govêrno a República organicamente democrática e representativa». O texto definitivo regista: «O Estado português é uma República unitária e corporativa». Pelo meio, Salazar ponderou a seguinte possibilidade: «O Estado português é uma República»65.

O art. 8.º, sobre os direitos e as garantias individuais dos cidadãos, é objecto de uma nova sistematização. É introduzido o direito ao bom-nome e reputação (novo n.º 2.º), sendo retiradas a liberdade de opiniões políticas (antigo n.º 6.º, novo n.º 3.º) e a garantia de que não haveria penas corporais de duração ilimitada (antiga al. d do §6.º, novo n.º 11.º).

Sublinhamos que se mantém o elenco dos objectivos das corporações, associações ou organizações sindicais, mas a sua rigidez é atenuada por intermédio de uma simples introdução: «principalmente» (art. 15.º/antigo §único, novo art 15.º). Provisoriamente, seria introduzida uma norma sobre o não reconhecimento das organizações que admitissem o princípio da luta de classes (art. 15.º/novo §único)66.

61 Cf. DM, 10.12.1931, p. 1. 62 Cf. DM, 11, 12 e 14.2.1933 (sempre na p. 1). 63 Cf. DM, 16.2.1933, p. 1 e 17.2.1933, p. 1. 64 Cf. DM, 18 e 23.2.1933 (p. 12 e p. 1, respectivamente).

65 I. IX ed.. Emendada e revista com o D. F. Vital de 14 a 20 de Fevereiro de 1933. Texto enviado pª a Imp. Nacional, fl. 504 (AOS/CO/PC-5, fls. 503-533).

66 Cf.: I. IX ed.. Emendada e revista com o D. F. Vital de 14 a 20 de Fevereiro de 1933. Texto enviado pª a Imp. Nacional, fl. 508.

Quanto ao Presidente da República, é removida a norma que impedia a imediata reeleição (art. 72.º/§1.º). Este era um ponto particularmente sensível nas relações entre Salazar e Óscar Carmona. É retirada a inelegibilidade dos familiares do cessante titular do cargo (art. 74.º/n.º 2.º). É acrescentado que a impossibilidade física do titular do cargo deveria ser reconhecida pelo Conselho de Estado, convocado para o efeito pelo Governo (art. 80.º/§1.º). Neste último caso, passaria, posteriormente, a ser da responsabilidade do presidente do Conselho de Ministros. Na sequência da reunião de 22 de Fevereiro, a eleição presidencial passaria a ser efectuada pelos «cidadãos eleitores» e não pelos «chefes de família».

Na composição do Conselho de Estado, era excluído o vice-presidente do Conselho Superior de Administração Pública (art. 83.º/antigo §5.º). As nomeações do Chefe do Estado passavam a ser vitalícias, e não por um período de cinco anos com possibilidade de recondução (art. 83.º/n.º 6.º). Este órgão passaria a ser auscultado sobre o alargamento do período mínimo (de 60 dias, podendo chegar aos seis meses) para realização de eleições após a dissolução da Assembleia Nacional (art. 84.º).

Os deputados à Assembleia Nacional deixavam de ser eleitos pelos corpos administrativos e colégios corporativos (45) e por sufrágio directo (45), passando sê-lo única e exclusivamente por esta última via (art. 85.º). Era introduzida uma disposição sobre a impossibilidade de pertença simultânea à Assembleia Nacional e à Câmara Corporativa.

Quanto às leis votadas pela Assembleia Nacional, restringidas às bases gerais dos regimes jurídicos, seria acrescentado que não poderia ser «contestada a legitimidade constitucional de quaisquer preceitos nelas contidos» (art. 92.º). Em vez da maioria, as decisões da Assembleia seriam tomadas «à pluralidade de votos» (art. 95.º). Em caso de não promulgação das leis no prazo fixado (15 dias), a Assembleia aprovaria por 2/3 do número legal de membros de modo e aquela não poderia ser recusado pelo Presidente da República (art. 98.º/novo §único). Passaria a estar expresso que as suas sessões seriam públicas, salvo resolução em contrário da Assembleia ou do seu presidente (art. 95.º/novo §único).

Seria registada uma nova competência da Assembleia, ainda que já estivesse implícita no projecto da imprensa: aprovação das convenções e tratados internacionais (art. 91.º/novo n.º 7.º). Já as condições para a declaração do estado de sítio seriam alteradas, passando a estar expressa a grave perturbação ou a ameaça da segurança e ordem públicas.

Ainda a respeito da Assembleia Nacional, seriam introduzidas algumas restrições quanto à inviolabilidade das opiniões e votos emitidos pelos seus membros no exercício do seu mandato. Referimo-nos à responsabilização civil e criminal por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime (art. 89.º/novo §1.º). O mandato

poderia ser retirado quando ocorresse a emissão de opiniões contrárias à existência de Portugal como Estado Independente ou o incitamento à subversão violenta da ordem política e social (art. 89.º/novo §1.º).

Outros pontos merecem referência. Continuando a ser nomeados pelo Presidente da República, os subsecretários de Estado deixariam de ser propostos pelos ministros respectivos, passando a sê-lo pelo presidente do Conselho de Ministro (art. 106.º/§s 1.º e 2.º). Particular destaque merece, igualmente, a mudança sobre a apresentação das propostas de lei, provenientes do Governo, na Assembleia Nacional. Já não seriam os ministros a fazê-lo, mas sim o presidente do Conselho (art. 112.º). Também os títulos referentes aos tribunais e às circunscrições políticas e administrativas e das autarquias locais mereceriam alterações. Aparentemente, as mais importantes modificações traduzem uma cedência às tradições liberais, ainda para mais se forem inscritas num processo mais vasto, que inclua a elaboração do projecto de 1932. Todavia, o ecletismo já era uma característica do texto que Salazar começou por trabalhar tendo em vista a Lei Fundamental do novo regime. Em 1933, o sufrágio directo do Presidente da República ou da Assembleia Nacional não afectava minimamente o objectivo de um Governo forte e independente das votações parlamentares. E a posição do presidente do Conselho saía reforçada, por intermédio da proposta dos subsecretários de Estado e da centralização das iniciativas parlamentares.

Mais relevante do que uma concessão aos republicanos liberais, o sistema de eleição da Assembleia, que, como notou Martinho Simões, deveria ser aperfeiçoado, em nada afectava as intenções nucleares do ditador a propósito do regime político. A fraqueza da instituição de tipo parlamentar perante o peso do executivo e do chefe do Estado era muito mais relevante do que a sua origem. Ainda para mais, a sua acção poderia ser condicionada pelo seu órgão auxiliar, a Câmara Corporativa. As questões doutrinárias pareciam longe de preocupar Oliveira Salazar, ao contrário da sua perspectiva pragmática sobre o funcionamento das instituições.

Em torno da Câmara Corporativa, as modificações não seriam muito importantes, mas merecem alguma atenção, porque referidas às suas competências, à sua composição, ao seu funcionamento, e ao prestígio que se lhe pretendia conferir.

Em primeiro lugar, era suprimida a comissão permanente (art. 104.º/antigo §1.º). Esta alteração implicava a esfera de influência da Câmara. O Governo não a poderia consultar nos intervalos das sessões legislativas sobre decretos-leis a publicar. Indirectamente, a sua acção seria objecto de uma ténue alteração. Como a ratificação com emendas, por parte da Assembleia Nacional, dos diplomas aprovados pelo Governo, em caso de urgência ou

necessidade pública, passariam a ser transformados em propostas de lei (art. 108.º/§3.º), a Câmara viria a emitir parecer.

Relativamente à sua composição, era introduzida a representação das autarquias locais (arts. 19.º e 102.º). Procedia-se à clarificação de que os seus membros, uma vez nomeados para o Governo, mantinham o mandato, mas nela não poderiam ter assento (art. 109.º/antigo §1.º, novo 2.º), acrescentando-se, ainda, que não se poderiam acumular aquelas funções com as de deputado (art. 85.º/novo §2.º). Quanto ao funcionamento da Câmara, era explicitado que as suas sessões não seriam públicas (art. 104.º/novo §2.º). Finalmente, aos membros-natos do Conselho de Estado era acrescentado o presidente da Câmara (art. 83.º/n.º 3.º). Sem muitos elementos que permitam descortinar os objectivos destas mudanças, resta-nos proceder à sua interpretação levantando um conjunto de hipóteses.

A alteração mais relevante reporta-se ao raio de acção deste órgão, como resultado da supressão da comissão permanente. A Câmara passava a ser apenas e só um órgão auxiliar da Assembleia Nacional. Por esta razão, o seu funcionamento ficaria restringido ao período das sessões legislativas (três meses).

É bem possível que se tenha tratado unicamente de um ajustamento formal. Poder vir a ser auscultada pelo Governo a propósito de decretos-leis a publicar, nos intervalos das sessões legislativas, não era absolutamente consentâneo com o facto de ser apresentada como órgão auxiliar da Assembleia Nacional, junto da qual funcionaria (art. 102.º). E a existência de uma comissão permanente também não parecia compatível com secções especializadas (art. 104.º). A possibilidade do raio de acção da Câmara Corporativa incluir o Governo, nos intervalos das sessões legislativas, foi ponderada por Salazar quando, em 1932, projectou a nova instituição e foi retomada logo na primeira revisão constitucional, em 1935, imediatamente antes do primeiro interregno. E a iniciativa governamental foi remetida à Assembleia logo nas primeiras reuniões da Assembleia. Isto significa que, em 1935, Salazar se apressou a recuperar, parcialmente, uma disposição que, em 1933, abandonara.

Se as consultas facultativas do Governo são inscritas na primeira revisão da Constituição e, em 1937, deixam de estar circunscritas ao interregno das sessões da Assembleia, a comissão permanente apenas seria criada por Marcelo Caetano. A existência de uma instância destinada a ser auscultada sobre projectos de decretos-leis justificaria algum volume de trabalho. Inevitavelmente, a comissão permanente constituía um constrangimento para o Governo. Alguns decretos-leis teriam de passar pelo crivo do novo órgão. Não é de excluir que, sem excluir eventuais ajustamentos formais, Salazar tenha pretendido, principalmente, retirar o executivo da esfera de influência da Câmara Corporativa.

Quanto aos pareceres em caso de ratificação de decretos-leis com emendas, a justificação situa-se do lado da Assembleia. De acordo com a formulação do projecto constitucional de 1932, poderia resultar a imediata transformação das emendas em lei, destinada a promulgação. Mais do que a perspectiva de conferir prestígio à Câmara ou compensar a supressão da comissão permanente, é de supor que esta alteração tenha consistido num aperfeiçoamento técnico.

Quanto à alteração da representação dos membros das autarquias, é bem possível que tenha sido o resultado da alteração na forma de sufrágio da Assembleia Nacional. Neste sentido, tratar-se-ia de uma transferência para o órgão consultivo.

Só por si, a modificação operada na norma referente à nomeação de membros da Assembleia Nacional para o Governo terá algum relevo. Uma vez nomeados para cargos executivos, os deputados não perderiam o mandato, mas não poderiam ter assento naquela. Terminadas as funções, poderiam retomar o assento no Parlamento.

A perspectiva originária, porventura a mais importante, mantinha-se. Não haveria ministros parlamentares. Mas é bem provável que a questão tenha sido, agora, colocada de um ponto de vista mais pragmático, envolvendo a dimensão da elite política. Nem a formação das listas de deputados nem o recrutamento ministerial seriam objecto de qualquer condicionamento. Aos procuradores era aplicado o mesmo regime.

Com efeitos substancialmente menos sensíveis ao longo do funcionamento do sistema, encontra-se a impossibilidade de pertença à Câmara Corporativa e à Assembleia Nacional. A perspectiva de fundo deverá continuar a situar-se na impossibilidade de acumulação de funções políticas. Se bem que não tenha merecido atenção a disposição sobre a perda de mandato caso o Presidente da República fosse deputado (art. 85.º/§2.º), sendo aditada a pertença à Câmara apenas em 1951.

Quase todas as alterações no texto constitucional foram efectuadas em simultâneo, incluindo as que se referiram à Câmara Corporativa. Entre as mais tardias, encontra-se a determinação de que as reuniões do órgão auxiliar da Assembleia Nacional não seriam públicas. Esta modificação é contemporânea da que se refere às sessões do órgão do poder legislativo67. Por essa razão, parece-nos que deverão ser consideradas em paralelo.

No que ao perfil da Câmara Corporativa diz respeito, esta disposição é extremamente importante. Será mesmo determinante para o seu funcionamento inicial. A publicitação dos

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seus trabalhos ficaria circunscrita aos pareceres escritos, não abrangendo, de forma alguma, as reuniões das suas secções.

É preciso ter em consideração que o anteprojecto-base previa que a Câmara dos Deputados e o Senado funcionariam em sessões privativas de secções especializadas e em sessões plenas (art. 204.º). Esta disposição seria ligeiramente modificada quando foi perspectivado um sistema unicameral: uma Assembleia Nacional, que teria como órgão auxiliar a Câmara dos Representantes. A primeira funcionaria em sessões plenas e a segunda, por regra, em secções especializadas (arts. 100.º-101.º). Se a matéria em estudo o reclamasse, duas ou mais destas instâncias poderiam reunir, ou até todas. Nada era dito a respeito do seu carácter público. Nas referidas notas de Salazar sobre as vantagens de um sistema unicameral, que incluísse um «alto corpo consultivo», era ponderada a possibilidade de realização de «sessão conjunta de todas as secções», caso o projecto de diploma a discutir fosse de «interesse geral». O carácter público não era sequer abordado neste documento que antecedeu ou preparou o anteprojecto correspondente, em 16 de Fevereiro de 1932. Nas versões posteriores, não haveria modificações substanciais a este respeito. Aliás, também nada seria mencionado, nos sucessivos anteprojectos constitucionais, sobre a publicitação ou não das sessões da Assembleia Nacional.

Assim sendo, estamos perante uma norma que, sendo inovadora, em 1933, não contraria anteriores disposições. Não a consideramos como um simples aperfeiçoamento de natureza técnica, nem sequer um ajustamento formal ou uma compensação que resulte de outras alterações. Ao considerarem que as suas sessões não seriam públicas, os constituintes do Estado Novo foram mais claros na configuração da Câmara Corporativa como um conjunto de comissões parlamentares.

É inevitável que façamos uma comparação com a Constituição de 1911. As duas câmaras funcionariam em separado e em sessões públicas, salvo determinação em contrário (art. 13.º). Todavia, a revisão de 1921 (Lei n.º 1154, de 17 de Abril) introduziria uma importante alteração, precisamente ao consagrar a audição das classes organizadas e das associações interessadas nos assuntos em discussão. A Câmara dos Deputados e o Senado passavam a deliberar em sessões de secções e em sessões plenas (art. 1.º/§1.º), mas, ao contrário das segundas, as primeiras não seriam públicas (art. 1.º/§s 2.º e 3.º). É bem possível que estas disposições tenham estado presentes nas reuniões efectuadas entre Salazar e Domingos Fezas Vital tendo em vista a fixação do articulado constitucional em Fevereiro de 1933.

Desde que foi fixado um sistema unicameral, com a Assembleia Nacional que junto de si teria «um alto corpo consultivo» (sucessivamente denominado Senado, de acordo com a

formulação do próprio Salazar, Câmara dos Representantes e, finalmente, Câmara Corporativa), a publicitação das sessões parlamentares nunca foi referida nos anteprojectos de Lei Fundamental do Estado Novo. Entre 16 de Fevereiro de 1932 e 20 de Fevereiro de 1933, os trabalhos constituintes de Salazar com os seus consultores privados e com os sucessivos conselhos de ministros não incluíram qualquer disposição a este propósito. Esta questão até nem deveria figurar entre as mais decisivas ou polémicas. A regra para a Assembleia Nacional é contemporânea da que se reporta à Câmara Corporativa, condicionando o perfil institucional do sistema, no seu conjunto, e, em particular, do segundo órgão.

No âmbito de algumas modificações na composição do Conselho de Estado, também o presidente da Câmara Corporativa foi considerado no definitivo articulado constitucional (art. 83.º). Esta alteração pode igualmente inscrever-se na intenção de prestigiar o órgão auxiliar da Assembleia Nacional. Mas a sua importância está longe de ser significativa.

Referir-nos-emos ainda a duas alterações de pormenor. A possibilidade dos ministros competentes poderem discutir as propostas de lei na própria Câmara Corporativa (art. 104.º/novo §1.º, anterior §2.º), resultará de um aperfeiçoamento, tendo em conta que a autoria destas poderia não ser exclusivo de um único governante. Anteriormente, apenas era referido o ministro ou o seu representante.

O mesmo se diga a respeito da modificação sobre as vagas, que consistiu na eliminação da expressão «mediante escolha», aparentemente, pelo menos, pouco compatível com a norma geral: «pela forma por que foram designados os substituídos» (art. 102.º/§2.º). Já a remissão para a impossibilidade de pertença à Assembleia Nacional e à Câmara Corporativa estava longe de ser clara, designadamente quando adicionada à regra geral (art. 102.º/§1.º). O sistema de substituições era remetido para a lei ordinária, obviamente em função da orgânica da própria Câmara Corporativa. Seja como for, permanecia bem claro que a principal via de acesso seria o exercício de determinados cargos.

Nas publicações jurídicas, a publicação do texto definitivo da Constituição não passou completamente despercebida68. Na imprensa generalista, os comentários foram reduzidos. Para além da simples identificação das principais diferenças em face do projecto de 193269, foram publicados alguns editoriais de apoio ou de justificação.

Em termos globais, foi reconhecida a influência da Constituição de Weimar a propósito dos direitos sociais e elogiada a opção por «um Executivo forte e estavel, um Legislativo

68 Cf.: «Crónica Legislativa. Fevereiro», O Direito, n.º 3, 1933, pp. 69-71; «Crónica Legislativa. Março», O Direito, n.º 5, 1933, pp. 135-137; Visconde de Carnaxide, «Contribuição para o Balanço Jurídico de 1933», O Direito, n.º 1, 1934, pp. 1-7

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confinado na sua função propria e preservado das tentações da politica esteril e anarquica»70. Quanto aos órgãos legislativos, António de Sousa Gomes destacava que Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa surgiam como «instrumentos de colaboração fornecidos, pela Nação ao Estado e não, como antigamente, instrumentos de direcção do próprio Estado»71.

Com maior detalhe na análise, Fernando de Sousa criticava as mudanças na eleição da Assembleia Nacional, notando que correspondiam à sugestão de Vicente de Freitas. Questionava ainda como iriam ser concretizadas as formas transitórias da representação orgânica e como seria dado cumprimento às disposições sobre a função legislativa. Neste último caso, estranhava que não estivesse definido como iriam ser «aplicadas e desdobradas no articulado da lei» as bases gerais dos regimes jurídicos e, principalmente, que não fosse devidamente identificado qual o órgão competente. Não poderia ser a Assembleia, que aprovava as bases gerais, nem a Câmara Corporativa, que apenas se pronunciava previamente. Mas também não parecia ser o Governo. A este respeito, recordava que Vicente de Freitas havia preconizado um sistema bicameral, com duas câmaras deliberativas, sendo que numa delas estariam representados os interesses sociais e os municípios. Se neste caso não tinha havido cedência ao manifesto do antigo chefe do Governo, dados os poucos poderes atribuídos à Câmara Corporativa, também parecia haver espaço para outros órgãos, cujas funções pareciam óbvias a quem há muito defendia um conjunto de conselhos técnicos, representativos das organizações sociais, junto dos ministros72.

Foi em torno do Presidente da República e da Assembleia Nacional que as mais significativas alterações foram efectuadas. Ambos seriam eleitos apenas e só por sufrágio directo, sendo eliminado o de natureza orgânica para parte da segunda, e o primeiro poderia ser reeleito. Até ao plebiscito, a 19 de Março, multiplicaram-se as sessões de propaganda, apelando à aprovação da nova Constituição. Para além da conferência de Salazar sobre os conceitos económicos, avulta o discurso de Albino dos Reis, ministro do Interior, na sede da Junta Consultiva da União Nacional, no dia 17, quando conferiu particular realce ao facto da República não estar em perigo com a nova Lei Fundamental. Na mesma ocasião, Salazar apresentaria uma proclamação do Governo, afirmando que até ao início do funcionamento da

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«A nova Constituição», O Jornal do Comercio e das Colonias, 24.2.1933, p. 1.

71 «Nova Constituição», DM, 25.2.1933, p. 1.

72 «A nova Constituição. A organização politica do Estado», A Voz, 26.2.1933, p. 1. No mesmo jornal e sempre

com a assinatura de F. de Souza, cf.: «O texto da nova Constituição», 24.2.1933, p. 1; «O projecto de Constituição. Notulas criticas», 25.2.1933, p. 1; «A nova Constituição. Findando a sua analise», 27.2.1933, p. 1.

Assembleia Nacional, a Lei Fundamental orientaria a aprovação de um novo Código Administrativo, do Regimento das Corporações e de nova legislação eleitoral73.

A 7 de Abril, reuniria pela última vez o Conselho Político Nacional. No dia 10, era criado o lugar de subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social (Decreto n.º 22428).