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A pertinência das críticas aos Ciclos de aprendizagem

CAPÍTULO 2: ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DOS SABERES ESCOLARES: A

2.2 OS CICLOS DE APRENDIZAGEM

2.2.3 A pertinência das críticas aos Ciclos de aprendizagem

Os ciclos são acusados de terem piorado o ensino, mas as pesquisas indicam que não. Os exames do SAEB E SARESP71 indicam que quase não há diferença no desempenho de alunos de ciclos ou séries (PRADO, 2003).

“Na verdade, o regime de ciclos rompeu com o círculo vicioso da repetência. Antes o estudante não aprendia e ficava retido. Agora a escola tem a responsabilidade de ensinar sem deixar ninguém para trás” (PRADO, 2003, p. 39).

Quando se critica o ciclo, argumentando que é necessário evitar que o jovem seja aprovado sem saber, apresenta-se um dos mais importantes argumentos a seu favor, pois a responsabilidade pela repetência não pode ser atribuída apenas ao aluno, mas também à escola, que não ensinou (PRADO, 2003).

Podemos ainda complementar essa reflexão, pensando se, pelas características imprimidas no ensino do currículo seriado, os alunos que passavam de ano, memorizando os assuntos para poder fazer as provas, de fato, tinham a progressão porque dominaram os saberes. Ou estes encontravam recursos de apropriação dos conhecimentos que não lhes garantiam as aprendizagens, em reação às formalidades das avaliações, decorando os

71 SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica; SARESP - Sistema de Avaliação da Rede Estadual de São Paulo.

conceitos que os professores exigiriam deles ou ainda com mecanismos de consultas recriminados por uma avaliação por testagem?

Para Prado (2003), a verdadeira questão que se coloca diante destas acusações é: ensinar para passar de ano ou fazer a turma compreender o sentido do que aprende? O regime seriado estabelecia um verdadeiro ranking em relação às notas, porém agora esse ranking não existe, pois não interessa mais quem foi melhor ou pior. Para quem se acostumou com a lógica do prêmio ou castigo da seriação, o ciclo é mais complicado, pois pode ser confundido com a idéia de que não é preciso mais se esforçar, pois não há repetência, devido à promoção automática.

Com um sistema de ensino que assegure a qualidade de ensino e o direito e capacidade de todos para a aprendizagem, a promoção automática se dará como decorrência natural, como produto de real aprendizagem e desenvolvimento, e não por determinação legal (SANTOS, 2002a, p. 25). Para o Deputado Walfrido Mares Guia, essa acusação que recai sobre os ciclos de serem os responsáveis pela queda da qualidade de ensino pode ser mais bem compreendida e negada se pensarmos que, até os anos 1970, a educação brasileira tinha mais afinidade com uma classe social privilegiada financeiramente do que com uma classe popular. A escola, bem ou mal, funcionava, porque o aluno que chegava a ela estava organizado, apto a aprender. Para esse aluno a escola era uma parte de sua vida, sendo a família responsável pela outra parte, dando-lhe atenção, ajudando-lhe nos deveres de casa, e isso era mais fácil porque a mãe tradicionalmente não trabalhava fora. O aluno teria sucesso na escola fosse ela em série ou ciclo (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002).

Miguel Arroyo presente na mesma audiência pública da Câmara dos Deputados que tratou sobre os ciclos (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2002) também ajuda nessa negação, fazendo-nos uma pergunta e refletindo sobre ela: Por que os alunos chegam à 5ª série sem saber, principalmente sem saber ler, escrever e contar? É o ciclo? Podemos então afirmar que sim, é o ciclo, mas não por falha e sim por mérito. Antes os adolescentes não chegavam à 5ª série com dificuldades, porque aqueles com dificuldades iam sendo retidos até abandonarem a escola, por isso os professores não se queixavam. Hoje, com os ciclos, os professores reclamam porque precisam que enfrentar o problema de ter que encontrar alternativas para ensinar aos alunos.

E outra! O conhecimento escolar está restrito ao saber ler, escrever e contar? Certamente que não. Passou-se o tempo em que tais competências, habilidades, saberes não

eram tão triviais72 como são hoje. Atualmente o currículo não pode se limitar a oferecer apenas isso às crianças e adolescentes.

A classe média hoje, por exemplo, cria condições para que seus filhos, depois da aula, aprendam balé, línguas, música, teatro, esportes e tenham uma formação global, não restringindo a formação de seus filhos à visão de que à escola caberia ensinar essas três competências, por mais importantes que possam ser.

No entanto, para que os ciclos fujam completamente de tais acusações são necessárias uma compreensão e uma implementação que sejam acompanhadas da garantia de algumas condições. São condições para o sucesso dos ciclos, a participação dos professores nas propostas, importância da avaliação da aprendizagem, investimentos no professor (formação, atualização e condições de trabalho), atendimento ao aluno com dificuldades (monitoria, espaços de revisão, aulas no contraturno, laboratórios de aprendizagens, atendimento individualizado), participação da comunidade, implantação gradativa (MAINARDES, 2001).

Para Mainardes (2001), a implantação dos ciclos não pode ser uma medida isolada. Ela solicita a formulação de um projeto educacional com princípios definidos, com um currículo comum definido, articulado a um projeto histórico de sociedade; exige investimento na formação contínua dos professores, valorização profissional, melhoria das condições de trabalho, materiais didáticos diversificados, ampliação da rede física, maior tempo de permanência dos alunos, maior tempo para apropriação dos conteúdos, número menor de alunos, acompanhamento do aluno, avaliação permanente do aluno, conscientização dos pais, avaliação permanente da implantação, articulação com outras instâncias/órgãos do sistema público (saúde, trabalho, assistência, habitação), com órgãos colegiados (Conselho Municipal de Educação) e com setores da sociedade civil organizada (movimentos sociais e sindicatos).

Para Prado (2003), os ciclos exigem acompanhamento por parte dos professores numa mesma turma ao longo dos anos do ciclo; reuniões sistemáticas entre os professores para avaliar e planejar; incentivo à qualificação docente; envolvimento de pais e alunos.

Enfim, vimos que os ciclos não são um mera alteração de termos e sim uma mudança de concepção e funcionalidade da escola, os quais devem se inserir no todo de uma política curricular.

72 O termo expressa tanto o sentido de corriqueiro como indica que esses conhecimentos vêm persistindo há muitos séculos como sendo os centrais da educação escolar, porém, hoje em dia, não podem mais determinar a organização do currículo escolar, apesar de serem ainda muito fortes, e, certamente, importantes na sua organização. Na Idade Média, o trívio significava uma classificação de saberes voltados para a aprendizagem da eloqüência, oportunizando uma formação literária, sendo composto por gramática (escrever corretamente e pronunciar de forma não menos correta o que está escrito), dialética (saber demonstrar) e retórica (ornar as palavras e as sentenças). O quadrívio almejando uma introdução à filosofia, buscava uma formação intelectual, sendo composto pela aritmética, música, geometria e astronomia (SOUZA JÚNIOR, 1999).

CAPÍTULO 3: POLÍTICA CURRICULAR: CONTEXTO HISTÓRICO E