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Currículo e saberes escolares: transposição didática e cultura escolar

CAPÍTULO 1: CURRÍCULO E SABERES ESCOLARES

1.2 SABERES ESCOLARES

1.2.3 Currículo e saberes escolares: transposição didática e cultura escolar

Num sentido genérico, como alertamos anteriormente, poderíamos afirmar que diferentes teorias educacionais possuiriam distintas explicações acerca dos saberes escolares, pois teriam variadas concepções de currículo. No entanto, como vimos, nem sempre essas teorias, mesmo que tratem, clara e explicitamente, de uma compreensão de currículo, são, de fato, uma teoria curricular, pois não têm o currículo como objeto de sua reflexão. Conseqüentemente os saberes escolares também não se configuram como objetos de qualquer teoria educacional.

Sendo assim, uma compreensão genérica apresenta limitações conceituais, o que nos remete à necessidade de compreender os saberes escolares por dentro dos estudos acerca do currículo nos seus diferentes enfoques apresentados anteriormente. Fica evidente que os saberes escolares se apresentam como categoria central nas Teorias Críticas de Currículo (SILVA, 1999) e nas Abordagens Sociológicas Curriculares (FORQUIN, 1996), pois, nos estudos acerca dos Paradigmas Curriculares (DOMINGUES, 1986 e 1988), os saberes escolares seriam um conceito implícito na categoria central currículo.

Tomando como referência o Currículo como Campo de Investigação, percebemos que os saberes escolares nas Teorias Tradicionais de Currículo não aparecem como categoria, pois eles eram compreendidos como os conhecimentos dominantes, universais, legítimos e inquestionáveis. Nas concepções clássicas, eles são focados no professor e destinados ao ensino, advindo da influência, reelaboração e ampliação das artes liberais, do trívium e quadrívium. Nas concepções progressivistas, os conhecimentos passam a ser reorganizados a partir de uma maior preocupação com a aprendizagem do aluno, embora ainda permanecem quase cristalizados. Nas concepções tecnocráticas, os conhecimentos são racionalizados, tratados tecnicamente para que o professor possa potencializar a aprendizagem do aluno. Nessas teorias tradicionais, os elementos que compunham o currículo eram chamados de assuntos, matérias, disciplinas de ensino, enfim conteúdos escolares, e não de saberes escolares. Era algo entendido com um sentido de predição, antecipação de um produto.

Os saberes escolares tornam-se um conceito central na construção das Teorias Críticas de Currículo. Fruto do debate entre historiadores, sociólogos e didaticistas esse conceito marca presença em dois grandes momentos que constituíram essas teorias críticas: a Nova Sociologia da Educação, na Inglaterra, e o Movimento de Reconceptualização do Currículo, nos Estados Unidos.

É nas teorias críticas que se começa a elucidar que os conhecimentos abordados nos currículos são frutos de uma seleção intencional e até mesmo arbitrária. Nelas são questionadas a racionalização e neutralidade do conhecimento, sendo compreendidas mais claramente, ou até mesmo denunciadas e criticadas, suas formas de expressões de relações de poder.

No Currículo, como Historiografia da Educação, os saberes escolares também se fizeram presentes, tornando-se categoria central num movimento de renovação dos objetos, fontes e escritas da história da educação, principalmente no campo chamado História das Disciplinas Escolares, inspirado na Nova História da Escola dos Annales. Os saberes escolares expressam o processo interno da escola, captando o cotidiano escolar. Essa categoria, nos estudos historiográficos, permite reconhecer o tratamento dado aos conteúdos de ensino no interior dos currículos escolares, sendo possível apreender as marcas da trajetória dos processos de escolarização na sociedade.

Com o olhar do Currículo como Política Educacional, os saberes escolares passam a constituir os discursos e práticas no âmbito das políticas públicas, configurando especificamente as políticas curriculares, em especial aquelas que buscam uma descentralização do poder, das ações do Estado, sendo, portanto, entendidos como os conteúdos de aprendizagens selecionados, organizados e avaliados a partir de determinada compreensão e legitimidade de um projeto educacional.

Partindo da compreensão do Currículo como Prática Pedagógica, os saberes escolares vêm se dando numa relação dinâmica e contraditória entre duas áreas de conhecimento que interagem em torno da dialeticidade conteúdo-forma da educação. Na relação entre objetivos, conteúdos e métodos do ensino, a área da Didática focaliza a forma, e a área do Currículo focaliza o conteúdo. Os saberes escolares são compreendidos, portanto como os conhecimentos produzidos na interação entre os sujeitos e objeto da educação escolar, presentes tanto na intencionalidade quanto na conseqüência da prática pedagógica.

Enfim, os saberes escolares vão além do conhecimento universal e naturalizado como legítimo e neutro, vão além dos saberes culturais produzidos pela humanidade, para além dos conteúdos programáticos prescritos aos alunos. Os saberes escolares se dão num processo

dialético de permanência, transmissão, apropriação, mudança, assimilação, produção do conhecimento.

Percebe-se, assim, que os saberes escolares são produtos de uma transformação do conhecimento. Nos estudos sobre o currículo, essa transformação vai ser explicada a partir de duas abordagens, rápida e anteriormente apresentadas: Transposição Didática e Cultura Escolar51.

A primeira abordagem aparece, recentemente, na França, a partir de estudos de didaticistas que compreendem o saber escolar como transposição didática. Por transposição didática entende-se

o conjunto de transformações que sofre o saber científico, antes de ser ensinado. Da escolha do saber a ensinar à sua adaptação ao sistema didático, existe todo um processo gerador de deformações, de estabelecimento de coerência e até de criação de novos conhecimentos, que culmina com o que se chama de saber escolar, enunciado nos programas e, particularmente, observáveis nos livros-texto (CHEVALLARD apud HENRY, 1992, p. 4).

Apesar de recente, tendo grandes representantes, como Yves Chevallard, esta abordagem encontra o entendimento de transposição didática em 1975, com o sociólogo Michel Verret. Usando essa noção, os pesquisadores passam a investigar o percurso do saber escolar, ou seja, a transformação do conhecimento científico exterior à escola em saber escolar.

Influenciada por pesquisas de diversos estudiosos, principalmente aqueles vinculados ao IREM52, esta abordagem dá origem à Teoria das Situações Didáticas, com fundamentos num campo de conhecimento denominado Engenharia Didática53. Numa espécie de “cooperativa teórica”, a Teoria das Situações Didáticas assume referências dos estudos de Jean Piaget, Gérard Vergnaud, Guy Brousseau, Regine Douady, Aline Robert e do próprio Yves Chevellard, entre outros.

A segunda abordagem, fazendo uma crítica rigorosa à primeira, encontra fundamentos nos estudos históricos e sociológicos afirmando que a escola não se contenta em transpor os conteúdos preexistentes e exteriores a ela. Nesses estudos, investiga-se a escola como local de

51 Para aprofundar o debate acerca dessas duas abordagens sugerimos consultar os artigos de Chervel e Compere (1999), Chervel e Compere (1999), Lopes (1997) e Gabriel (2006), assim como a dissertação de mestrado de Nascimento (2005) e a tese de doutorado de Menezes (2006) ambas defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE.

52 Institute de Recherches en Education Mathématique - um tipo de instituição voltada para o desenvolvimento de investigações acerca da educação matemática.

53 Estudos que buscam a criação e a exploração de situações de aprendizagem sobre temas específicos de ensino e que visam à validação de certas construções empíricas extraídas de inovações pedagógicas (HENRY, 1992).

produção do conhecimento com características originais, ou seja, a compreensão de saber escolar como cultura escolar.

Faria Filho (2004), analisando a apropriação do conceito de cultura escolar no âmbito da historiografia da educação no Brasil, analisa quatro54 teóricos estrangeiros que desenvolvem reflexões acerca desse conceito e que influenciaram, diretamente, os estudos brasileiros. Para esse autor, a cultura escolar aparece como categoria de análise e campo de investigação de diversas áreas da educação, tendo como suporte várias teorias educacionais (psicologia da educação, sociologia da educação, filosofia da educação, história da educação etc.) e várias teorias pedagógicas (didática, currículo etc.). No entanto, são os estudos de André Chervel e Jean-Claude Forquin que aparecem com mais freqüência nos trabalhos preocupados com o currículo.

O primeiro, com um olhar mais historiográfico55, investiga a constituição e uso da gramática escolar, construída por pedagogos para servir de apoio às aprendizagens das regras ortográficas. Analisando o ensino de línguas na França, o autor discorda da abordagem da transposição didática, defendida por Yves Chevallard, contrapondo-se a ela e indaga que os saberes escolares possuem uma autonomia, gerando um conhecimento próprio da escola (CHERVEL, 1990).

Para Chervel (1990), a escola não se define pela mera função de transmissão dos saberes ou ainda de iniciação às ciências de referência, tendo, estas últimas, feito suas comprovações fora da escola. Nesse sentido, pensa-se que o ensino dos saberes, nas disciplinas, no interior da escola, expressam uma transposição de algo que foi produzido exteriormente. Por exemplo, ensina-se a gramática, pois esta, como criação secular dos lingüistas, expressa a verdade da língua; ensina-se a matemática como as descobertas e revoluções da ciência matemática.

Num sentido oposto, o autor advoga que escola ensina um saber que, historicamente, foi produzido pela própria escola, na escola e para a escola.

...os conteúdos de ensino são concebidos como entidades sui generis, próprios da classe escolar, independentes, numa certa medida, de toda realidade cultural exterior à escola, e desfrutando de uma organização, de uma economia interna e de uma eficácia que elas não parecem dever a nada além delas mesmas, quer dizer à sua própria história (CHERVEL, 1990, p. 180).

54 Dominique Julia, André Chervel, Jean-Claude Forquin e António Viñao Frago são analisados pelo autor (FARIA FILHO, 2004, p. 139).

55 Para aprofundar uma leitura acerca do conceito de cultura escolar sob o foco da História da Educação sugerimos consultar o Caderno Cedes n. 52 organizado por Vera Valdemarin Rosa Fátima de Souza em 2000, assim como Julia (2001), Faria Filho (2004) e Souza Júnior e Galvão (2005).

Os conteúdos, os saberes escolares da gramática e da matemática ensinados na escola não são expressões reproduzidas e transpostas das ciências de referência. A literatura usada nas escolas é ilustração de tal negação.

É nessa vasta história da recriação moderna de uma literatura antiga que se inscreve o trabalho específico de edições para o uso escolar. Nos séculos XVI e XVII, os textos colocados pelo professor em seu programa de preleções são publicados sob sua supervisão, a partir de uma edição sábia (CHERVEL e COMPERE, 1999, p. 10).

No entanto, não podemos incorrer no erro de pensar a escola como instituição autônoma diante das determinações e circunstâncias sociais, políticas e econômicas da sociedade em geral. Também não podemos entendê-la como reprodução absoluta da sociedade. A escola é, ao mesmo tempo, a sociedade em geral e uma sociedade em particular. Num movimento dialético de determinações, ela é influenciada pela sociedade, mas também influencia a mesma.

É esse movimento que leva Chervel (1990, p. 184) a afirmar que

O estudo dessas leva a por em evidência o caráter eminentemente criativo do sistema escolar, e portanto a classificar no estatuto dos acessórios a imagem de uma escola encerrada na passividade, de uma escola receptáculo dos subprodutos culturais da sociedade. [...] E porque o sistema escolar é detentor de um poder criativo insuficientemente valorizado até aqui é que ele desempenha na sociedade um papel o qual não se percebeu que era duplo: de fato ele forma não somente os indivíduos, mas também uma cultura que vem por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global.

Os saberes escolares são constituídos também como cultura escolar56, portanto, num movimento, comentado anteriormente, de reprodução e resistência, numa mediação recíproca entre Escola e Sociedade.

Forquin (1992 e 1993)57, com o olhar sociológico, analisa as relações entre educação e cultura, evidenciando que a segunda é a que dá substância à primeira, mas também, reciprocamente, a primeira perpetua a segunda. Assim educação e cultura são duas faces de

56 No âmbito do currículo como historiografia da educação esse conceito não abrange apenas os saberes escolares. A cultura escolar é entendida “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sóciopolíticas ou simplesmente de socialização)” (JULIA, 2001, p. 10).

57 O texto aqui datado de 1993, antecede o de 1992, pois é fruto da Tese de Doutorado do autor, defendida em 1987, na Universidade de Ciências Humanas de Estrasburgo – França. O texto, aqui datado de 1992, também foi publicado anteriormente, na revista francesa Sociologia e Sociedade, em 1991, mas, ainda assim, é posterior à tese.

uma mesma realidade. Para o autor toda educação, e mais ainda, a tipicamente escolar, supõe uma seleção no interior da cultura, fazendo com que se transmita algo da cultura e não a cultura propriamente dita (FORQUIN, 1993).

Forquin (1992 e 1993), fazendo uma alusão aspeada ao conceito defendido por Yves Chevallard, afirma que esta seleção não se limita a realizar uma escolha entre os saberes culturais disponíveis na sociedade, ela se insere num trabalho de reorganização, de reestruturação, de “transposição didática” desses saberes, de forma a torná-los assimiláveis. É como se a cultura escolar se tornasse uma segunda cultura diante da cultura de origem, derivada e subordinada a imperativos didáticos.

Como imperativos de transposição, aparece a necessidade de se apropriar da cultura, na qual o aluno reinventa, descobre o “já sabido”, ou seja, a produção acumulada originalmente (transmissão didática); assim como os diferentes estados para a exposição dos saberes: do conhecimento, do aluno, do professor (exposição didática). Nos imperativos de interiorização, surge a necessidade de fazer com que o aluno incorpore os saberes sob forma de esquemas operatórios ou habitus58. E como imperativos de instituição, aqueles que decorrem da natureza do contexto da escola (tratamento do tempo, organização anual dos estudos, repartição das atividades no ano, duração das seqüências do curso, ritmo de exercícios e de controles) (FORQUIN, 1992).

Entretanto, fazendo uma crítica à transposição didática o autor afirma que

...este processo de transposição acadêmica dos conteúdos de cultura não constitui absolutamente um fenômeno constante e uniforme, mas varia em suas formas, em sua intensidade, em seus resultados, segundo as

58 O conceito de habitus, aqui usado por Forquin (1992), é nitidamente inspirado em Pierre Bourdieu. Apesar de, nesse momento, Forquin não fazer referência ao autor, em toda sua obra, os estudos deste, vão influenciar suas elaborações. Em função disso buscamos, no próprio Forquin (1992, p. 36), uma passagem que demonstra essa inspiração: “‘Numa sociedade onde a transmissão cultural é monopolizada por uma escola’, escreve Bourdieu, ‘as afinidades subterrâneas que unem as obras humanas (e, ao mesmo tempo, as condutas e os pensamentos) encontram seus princípios numa instituição escolar, investida da função de transmitir conscientemente (e também, por um lado, inconscientemente) o inconsciente, ou, mais exatamente, de produzir indivíduos dotados deste sistema de esquemas inconscientes (ou profundamente escondidos) que constitui sua cultura”. O conceito de habitus é algo antigo, pois, desde a antiguidade, vários estudiosos vêm se dedicando a explicá-lo, mas é em Bourdieu que se encontra uma renovação conceitual, construída, inclusive na trajetória de elaboração de sua própria obra. Para o autor habitus é uma noção mediadora que contribui para o rompimento da dualidade, presente no senso comum, entre indivíduo e sociedade, sendo compreendida como a interiorização da exterioridade e a exterioridade da interiorização (WACQUANT, 2006). Segundo Wacquant (2006), Bourdieu define habitus como aquilo que confere às práticas uma relativa autonomia em relação às determinações externas do presente imediato. Esta autonomia advém do passado, que é ordenado e atuante no presente, o qual funciona como capital acumulado, produzindo história na base da história e assegurando que a permanência no interior da mudança faça do indivíduo um mundo no interior do mundo. Para o próprio Bourdieu (1990, p. 26), o habitus é uma subjetividade socializada, sendo entendido como um “[...] sistema de esquemas adquiridos que funciona no nível prático como categorias de percepção e apreciação, ou como princípios de classificação e simultaneamente como princípios de organização da ação”.

sociedades, os públicos escolares e os níveis de ensino, as matérias ensinadas, as ideologias e as práticas pedagógicas... (FORQUIN, 1992, p. 34).

Continuando sua crítica, o autor questiona se de fato os saberes escolares são sempre frutos de uma seleção de um corpo cultural dominante e pré-existente, ou se é possível considerar a escola como produtora e criadora de uma cultura particular. Mais ainda, se, realmente, a transposição didática também impusesse uma configuração específica, esta seria dotada da capacidade de sair de seus limites e imprimir sua marca em outras espécies de atividades (lazer, jogo, turismo, política, profissão etc.), já que uma cultura particular, tal como a cultura escolar, consegue assim fazer. A compreensão de transformação do conhecimento e de produção do saber escolar, defendida por Forquin (1992 e 1993) como uma forma típica de conhecimento e de saber, leva-nos à possibilidade de entender a escola para além de um simples veículo ou reflexo de uma cultura posta.

...a escola é também um ‘mundo social’, que tem suas características de vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos. E esta ‘cultura da escola’ [...] não deve ser confundida tampouco com o que se entende por ‘cultura escolar’, que pode se definir como o conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, ‘normalizados’, ‘rotinizados’, sob o efeito dos imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas (FORQUIN, 1993, p. 167). A escola é, portanto, uma instituição social com autonomia relativa diante da sociedade em geral, porém, circunstanciada por essa mesma sociedade, é capaz de ser criadora de configurações particulares, tais como os saberes escolares, a cultura escolar, possuindo força produtora, ou pelo menos, influenciadora de outras instituições sociais.

Essa escola, configurando-se como instituição educacional responsável por socializar o conhecimento acumulado ao longo da história da humanidade, faz com que o conhecimento passe por um processo de “pedagogização” para oferecer aos alunos uma apropriação de dimensões da cultura que, em circunstâncias de acaso e de demandas espontâneas, poderiam não acontecer. Num mesmo instante, sua responsabilidade também é de produzir, em sua particularidade, um conhecimento peculiar. Sendo assim esse conhecimento recebe uma estruturação de forma a constituí-lo como um saber escolar.

Entendendo que os saberes escolares são produto de uma contínua e contraditória mobilização, transformação e produção do conhecimento, ou pelo menos de dimensões deste,

adotamos a compreensão de que se constituem num processo de seleção, organização e sistematização face à função social da escola como um todo.

No âmbito da seleção, são feitas opções acerca do saber, encontrando diferentes origens, gêneses e fontes. Esse processo se dá numa relação de escolhas de dimensões da cultura geral para dentro da escola, podendo a realidade de fora da escola ter sido anteriormente influenciada pela própria escola, ou mesmo transformar-se em função das peculiaridades da escola. Refletir as origens dos saberes escolares – a partir de quê se organizam – permitir-nos-ia investigar como diferentes teorias pedagógicas pensam e propõem a gênese do currículo da escola.

No âmbito da organização, os saberes selecionados assumem um determinado arranjo e disposição diante das condições escolares, principalmente, em virtude das disponibilidades de recursos, instalações e tempo. Percebemos que esse processo se dá na intenção de torná-lo compreensível e assimilável aos alunos e ainda numa relação inicial de delimitação de tipologia e quantidade, passando para uma definição de grau de importância e ordenação. Nessa forma de dispor o conhecimento, é possível compreender a repartição, dosagem, distribuição que assumem os saberes escolares, como também perceber como são hierarquizados, seqüenciados, graduados.

No âmbito da sistematização, os saberes organizados passam a submeter-se ou mesmo criar uma coerência com uma linha de ação. Assim a sistematização diz respeito às maneiras e princípios de tratamento metodológico dos saberes diante dos alunos, sendo, portanto, uma dimensão da ação pedagógica na interação professor-aluno e aluno-aluno no processo de socialização do conhecimento. Essa sistematização dos saberes escolares também se refere às diferentes maneiras de compreender a avaliação das aprendizagens, permitindo-nos indagar sobre o tempo necessário às aprendizagens.

CAPÍTULO 2: ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DOS SABERES ESCOLARES: A