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Aspectos etimológicos e filosóficos dos saberes escolares

CAPÍTULO 1: CURRÍCULO E SABERES ESCOLARES

1.2 SABERES ESCOLARES

1.2.1 Aspectos etimológicos e filosóficos dos saberes escolares

Do ponto de vista etimológico, Ferreira (1986) afirma que conhecimento é o ato ou efeito de conhecer; idéia, noção; informação, notícia, ciência; experiência; discernimento, apreciação; apropriação do objeto pelo pensamento – percepção, apreensão, definição, análise. Saber é definido tanto como verbo, quanto como substantivo. Enquanto verbo, ele vem como sinônimo de conhecer, ter conhecimento, ter ciência, estar ciente de, ter informação, ter noticia sobre algo, ter conhecimentos técnicos especiais relativos a alguma coisa, ou próprio para alguma coisa. Enquanto substantivo, “saber” é colocado como tino, sensatez, ou ainda no sentido de sabor, ter o sabor de, por exemplo, essa torta sabe a ameixa, tem sabor de ameixa. Conteúdo significa aquilo que se contém em alguma coisa; contido.

Do ponto de vista filosófico, encontramos em Abbagnano (2003) conhecimento em duas diferentes formas de interpretações dadas ao longo da história da filosofia. Na primeira forma, o conhecimento se dá num processo de identificação e semelhança com o objeto. Essa semelhança é compreendida como uma identidade fraca ou parcial, ou seja, uma reprodução dele. O autor afirma que essa primeira forma de interpretação possui duas fases. Numa, o conhecimento é a imagem ou retrato do objeto, tendo, mesmo com nuanças entre si, diferentes representantes, tais como os Pré-socráticos, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Leonardo, Copérnico, Kepler, Galileu, Hegel; na outra fase, o conhecimento é uma representação aproximada do objeto, assim como um mapa representa uma paisagem, tendo, também com variações entre si, alguns representantes, tais como Descartes, Spinoza, Locke, Leibniz.

Segundo Abbagnano (2003), a segunda forma de interpretação do conhecimento afirma que este se dá num processo de apresentação e transcendência. Conhecer significa vir à presença do objeto, apontá-lo ou, com o termo preferido pela filosofia contemporânea, transcender em sua direção. Nesta alguns representantes podem ser listados, tais como os Estóicos, Durand de St.-Pourçains, Pedro Auréolo, Ockham, Hobbes, Berkeley, Kant, Heidegger, Bacon, Comte.

O autor, ainda contribuindo para nossa reflexão acerca do entendimento de conhecimento, leva-nos a dois termos afins: epistemologia e gnosiologia, remetendo-nos ao verbete “teoria do conhecimento”. Após deixar claro o uso do termo Teoria do Conhecimento com distintos significados em diferentes línguas, o autor evidencia um sentido único para a

expressão, afirmando que não é uma disciplina filosófica geral, conforme, muitas vezes, ingenuamente, se crê, ou como a lógica, ou a ética ou a estética, mas, preferencialmente, como o tratamento de um problema que nasce de um pressuposto filosófico específico, isto é, no âmbito de uma determinada diretriz filosófica. Conhecimento, portanto, seria o objeto de estudo de uma corrente da filosofia.

Segundo Abbagnano (2003), o idealismo deu origem e formulação aos primeiros sentidos do termo, partindo de seu entendimento de Conhecimento, sendo, segundo Descartes, uma idéia, uma representação do objeto existente dentro da consciência do homem. Mais adiante, na Época Moderna, após influência do Realismo, iniciou-se a duvidar de que o dado primitivo do Conhecimento fosse interior à consciência, portanto a consciência deveria sair fora de si, transcender, para apreender o objeto, até a chegar a um significado em que o procedimento efetivo ou a linguagem científica indaga-o, cedendo espaço para a Metodologia. Para Abbagnano (2003), o conhecimento, em síntese, é um procedimento de descrição, ou de cálculo, ou de previsão controlável de um objeto qualquer, não se presumindo que seja exaustiva e infalível, podendo este ser entidade, fato, coisa, realidade ou propriedade, ou mesmo uma disponibilidade ou posse de um procedimento semelhante.

O saber, filosoficamente, é colocado como verbo substantivado usado em dois significados. Num sentido de conhecimento em geral e num sentido de ciência. Como conhecimento em geral, o saber é um procedimento capaz de fornecer informações sobre um objeto. Nesse caso, cabe uma distinção entre conhecer e saber, presente em vários pensadores e doutrinas e válida ainda hoje como pressuposto de algumas concepções filosóficas. Muito difundida por Russell, essa distinção afirma que conhecer pressupõe ter familiaridade com o objeto, estando esse imediatamente presente e que saber implica ter do objeto conhecimento, talvez limitado, mas exato, de natureza intelectual ou científica, alcançado apenas por linguagens denotativas. Como ciência, o saber seria o conhecimento que vem com alguma garantia quanto à validade, a verdade e, no caso do conhecimento comprovável, explicável, descritível e também corrigível (ABBAGNANO, 2003).

Para o entendimento de conteúdo, Abbagnano (2003) nos remete ao verbete “compreensão”, que nos leva a “compreender” e ainda a “conotação” e “denotação”. Assim não se tem uma explicação direta do que vem a significar conteúdo. No entanto, percorrendo as explicações filosóficas do autor, fazemos algumas reflexões. O seu entendimento nos leva à necessidade de compreender as díades essência-aparência, interno-externo, intensão-extensão, sendo tanto intensidade, internalização, denotação como extensividade, externalidade e

conotação. O conteúdo, poderíamos assim dizer, é o atributo do sujeito ou objeto, que deles pode ser percebido, mas não retirado.

Enfim, mesmo numa relação cheia de confluências entre esses três conceitos, arriscamo-nos em algumas tênues diferenciações, o que não significa dizer oposições. Vemos que conhecimento e saber, em certa medida, são conceitos bem aproximados, enquanto que conteúdo é um conceito que preserva certa independência diante dos dois primeiros. O conhecimento e o saber possuem conteúdo, ou seja, algo está contido neles, têm atributos. O conteúdo pode conter (ser composto de) conhecimento e saber. No entanto, o conteúdo pode também ter outra composição. O conteúdo está presente nos dois, mas certamente, também pode fazer parte de outros conceitos e compreensões.

Conhecimento e saber, tanto um quanto outro, podem expressar processo e produto. Enquanto processo, eles significam atos, atitudes, procedimentos de uma realização humana e enquanto produto, eles podem ser o resultado desse processo ou até mesmo o objeto inicial de sua apreciação. Enquanto o conhecimento possui o significado de algo abstrato, amplo, geral e universal, o saber está condicionado a algo, é relativo a algo, possuindo mais concretude.

Tomando como referência estudiosos45 que se fundamentam na abordagem dialética materialista-histórica, uma vez que essa tem sido a Teoria do Conhecimento da qual temos buscado uma aproximação, vemos o conhecimento como uma produção do pensamento, resultado de operações mentais com que representa a realidade objetiva. Essa produção não se dá numa atividade contemplativa do objeto e muito menos numa especulação intelectual, dá- se numa atividade adequada a finalidades e circunstanciada social e historicamente, em que sujeito e objeto mantém uma relação de sucessão, simultaneidade e contradição. Conhecer é agir sobre o objeto, transformando-o, e, simultaneamente, por ele transformado.

Vejamos Kosik (1976, p. 9).

A atitude primordial e imediata do homem, em face da realidade, não de um abstrato sujeito cognoscente, de uma mente pensante que examina a realidade especulativamente, porém a de um ser que age objetiva e praticamente, de um indivíduo histórico que exerce sua atividade prática no trato com a natureza e com os outros homens, tendo em vista a consecução dos próprios fins e interesses, dentro de um determinado conjunto de relações sociais.

45 Tomamos como referência estudiosos tanto da filosofia, quanto da educação para fazermos essas reflexões, porém deixamos claro que nosso objeto de estudo não diz respeito a essa reflexão. Essas são realizadas para chegarmos a uma compreensão acerca do conceito de saberes escolares. Num primeiro grupo encontramos Kopnin (1978), Kosik (1976), Vásquez (1977), Cheptulin (1982) e Prado Júnior (1973) e num segundo grupo Rodrigues (1986), Freitas (1995), Taffarel (1989) e Escobar (2002).

O conhecimento, à priori, não está no objeto, não está no sujeito; ele se dá nas relações de reciprocidade que se travam entre sujeito e objeto, descobrindo, apreendendo e representando mentalmente o objeto. Esta representação não é uma simples reprodução, cópia ou transposição da realidade objetiva no pensamento e sim uma produção, mas não numa mera elaboração das idéias, mas numa apreensão e transformação do mundo material e do sujeito. O conhecimento é um saber, pois está condicionado a um contexto sócio-histórico; ambos se dão na dialeticidade conteúdo-forma, sendo produtos e processos da práxis humana.

O homem age conhecendo, do mesmo modo que se conhece agindo. O conhecimento humano em seu conjunto integra-se na dupla e infinita tarefa do homem de transformar a natureza exterior e sua própria natureza. Mas o conhecimento não serve diretamente a essa atividade prática, transformadora; ele se põe em relação com ela através das finalidades. A relação entre o pensamento e a ação requer a mediação das finalidades a que o homem se propõe. Por outro lado, se as finalidades não ficam limitadas a meros desejos ou fantasias, e são acompanhadas de uma vontade de realização, essa realização - ou conformação de uma determinada matéria para produzir determinado resultado - requer um conhecimento de seu objeto, dos meios e instrumentos para transformá-lo e das condições que abrem ou fecham as possibilidades dessa realização. Por conseguinte, as atividades cognoscitiva e teleológica da consciência se apresentam em indissolúvel unidade” (VÁZQUEZ, 1977, p. 192).

A partir do exposto, mesmo conscientes das interseções entre os três conceitos tratados até o momento, reconhecemos estes conceitos e os adotamos em suas diferenças. Em síntese, o conhecimento está associado às tradições epistemológicas no reconhecimento das ações e relações entre sujeito e objeto; o saber refere-se à transformação dos conhecimentos em diferentes instâncias e, mesmo sem perder sua dinamicidade, associa-se à posse do conhecimento produzido em determinadas circunstâncias, e o conteúdo, ainda que constatemos certo movimento em sua organização e apropriação, diz respeito a um produto do conhecimento, do saber.