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Currículo como historiografia da educação

CAPÍTULO 1: CURRÍCULO E SABERES ESCOLARES

1.1 CURRÍCULO

1.1.2 O currículo sob o foco de diferentes campos de investigação

1.1.2.1 Currículo como historiografia da educação

A História das Disciplinas Escolares, compondo a Historiografia da Educação inspirada na Nova História, assim como a Nova Sociologia da Educação e, mais especificamente, a Sociologia do Currículo, vêm, nos últimos anos, colocando o currículo e os saberes escolares e suas diferentes formas de configuração como foco de seus objetos de estudos35, conforme podemos perceber na figura 5. Nesse campo o currículo é compreendido como processo e produto da constituição dos saberes escolares, os quais passam por uma seleção, organização e sistematização do conhecimento.

É no debate entre historiadores, didaticistas e sociólogos que o currículo e os saberes escolares passam a se configurar como objeto e temática de pesquisa de diferentes áreas de conhecimento, assim como objeto e temática de estudos e pesquisas interdisciplinares. A

35 Saviani, N. (1994, 1995a, 1995b) chama atenção para a importância dos estudos acerca do currículo numa perspectiva histórica.

Figura 5: O currículo como historiografia da educação

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historiografia da educação, portanto, vai se aproximar das abordagens sociológicas do currículo apontadas por Forquin (1996).

Num olhar disciplinar, mesmo sob influência dos debates entre as diferentes áreas, os didaticistas tem como foco de suas reflexões o ato de ensinar e aprender; os sociólogos focalizam o estudo dos aspectos sócio-políticos na constituição do saber escolar e os historiadores investigam, em diferentes fontes, a aparição e evolução desses saberes.

A História das Disciplinas Escolares tem se configurado, na atualidade, como uma importante temática nos estudos da historiografia da educação, tanto por se aproximar de uma nova forma de escrever a História, quanto por possibilitar uma nova leitura da História da Educação, especialmente da Escola.

Essa temática aproxima-se de movimentos renovadores no campo da historiografia de uma forma geral, tais como a Nova História e permite-nos perceber que a História da Educação e da escola vai além da história dos ideários e discursos pedagógicos, como também da oficialidade e linearidade dos acontecimentos. No que se refere especificamente ao currículo, essa renovação vai além das explicações e compreensões acerca dos sistemas de ensino e planos curriculares. O campo da história das disciplinas escolares procura enfatizar o porquê de a escola ensinar os saberes que ensina, ao invés de tentar responder os saberes que a escola deveria ensinar.

Assim, essa perspectiva renovadora de Historiografia da Educação aproxima-se das Teorias de Currículo propriamente ditas, especialmente das Teorias Críticas e Pós-Críticas destacadas por Silva (1999), pois procura captar as intencionalidades sociais, políticas, ideológicas, de gênero, étnicas e culturais contidas nos saberes escolares. Podemos afirmar também que esse movimento renovador na história da educação apresenta identidade com os Paradigmas Circular-Consensual e Dinâmico-Dialógico presentes em Domingues (1986 e 1988), pois baseado na Nova História possuem em comum as bases epistemológicas da fenomenologia e do neo-marxismo.

Segundo Bittencourt (2003, p. 15), os estudos em História das Disciplinas Escolares aparecem, em diferentes países, quase que simultaneamente, possuindo em comum a preocupação em “identificar a gênese e os diferentes momentos históricos em que se constituem os saberes escolares, visando perceber a sua dinâmica, as continuidades e descontinuidades no processo de escolarização”. Especificamente no Brasil, é por volta dos anos de 1970 e no decorrer da década de 1980 que esses estudos passam a ocupar um espaço importante nas investigações sobre a História da Educação.

Por muito tempo, a História da Educação Brasileira ocupou-se da organização dos sistemas de ensino e, pela aproximação com a Filosofia da Educação, assim como pelo uso de suas fontes e objetos, sua história foi escrita em torno de um ideário e de um discurso pedagógico, principalmente por via dos estudos das leis, regulamentos, reformas educacionais e obras de grandes pensadores, ou seja, um estudo das recomendações, associando-se dessa forma às Teorias Curriculares Tradicionais destacadas por Silva (1999). A História da Educação tratou pouquíssimo das práticas escolares, tratou muito pouco do cotidiano escolar, pois procurou reconhecer em tais fontes e objetos como o passado educacional se expressava, assim configurando uma história do que deveria ser a realidade e não do que a realidade efetivamente foi (LOPES e GALVÃO, 2001).

Pautando-se numa concepção de História Tradicional Positivista, a História da Educação deixou mais evidente a história política, a história das intenções dos sujeitos civis (pensadores) e políticos (Estado)36. A Historiografia da Educação brasileira assumiu uma linearidade na descrição dos fatos, escrevendo suas ocorrências de maneira cronológica e sucessiva, além de ordenada por uma lógica formal, valorizando os dados oficiais, os fatos notáveis, a ação dos sujeitos quase que como personagens heróicos. O currículo geralmente era investigado e entendido como as diretrizes, guias e listas de matérias escolares estabelecidas diante das obrigatoriedades e facultatividades contidas na legislação educacional, em especial nas diversas reformas realizadas no sistema educacional brasileiro.

No entanto, nos últimos tempos, a História da Educação passou por um verdadeiro processo de renovação. No Brasil, especificamente nos últimos vinte anos, a História da Educação aproximou-se de uma nova forma de escrever a História, possibilitando uma nova leitura, principalmente da Escola. Segundo Lopes e Galvão (2001) os estudos passaram a ser mais localizados e contextualizados, lidando com períodos de tempo mais curtos. Ainda segundo as autoras, a História da Educação passou a se preocupar com a organização e funcionamento interno das escolas, com a expressão e/ou construção cultural no cotidiano escolar, com o estabelecimento do saber, do currículo, das disciplinas escolares. Além das fontes oficiais, recebendo estas um novo olhar, outras fontes surgiram, tais como a fotografia, a literatura, os manuais escolares, os jornais e revistas, a história oral etc.

Esse movimento de renovação e ampliação na historiografia da Educação vai encontrar inspiração na Escola dos Annales, uma nova forma de entender e escrever a história que posteriormente se convencionou chamar de Nova História. Segundo Burke (1997), as

idéias diretrizes dos Annales, sumaria e brevemente, buscam substituir a narrativa tradicional de acontecimentos por uma história-problema, descrever/reconhecer a história para além dos fatos políticos, buscando os elementos de todas as atividades humanas e a integração com outras disciplinas das Ciências Sociais.

Sob influência da Nova História e conseqüentemente de uma nova forma de escrever a história da educação surge a História das Disciplinas Escolares. Para Goodson (1995), esta, compondo a área da História do Currículo, propõe-se a penetrar num campo que os historiadores se mostraram inclinados a ignorar: os saberes escolares, os métodos de ensino e os cursos de estudo, buscando nos processos internos da escola (caixa-preta) pistas para analisar as complexas relações entre escola e sociedade, inclusive enfatizando como as escolas tanto refletem como refratam as definições da sociedade acerca dos conhecimentos culturalmente válidos. Essa área de estudo (História do currículo e das Matérias Escolares) passa a estabelecer um novo paradigma para os estudos sobre a história da educação, trazendo uma agenda que aproxima os estudos educacionais dos estudos da história do conhecimento. “Todavia, o seu valor principal reside em sua capacidade de investigar a realidade interna e a autonomia relativa da escolarização. A história curricular considera a escola algo mais do que um simples instrumento de cultura da classe dominante” (GOODSON, 1995, p. 120).

Enfim, os estudos da história do currículo por via do reconhecimento da constituição dos saberes escolares configuram um dos elementos de renovação e ampliação da História da Educação e têm se apresentado como importante temática na sua historiografia, principalmente, e, em síntese, quando objetiva investigar a aparição e o desenvolvimento do que hoje chamamos disciplina, procurando evidenciar o tratamento dado aos conteúdos de ensino no interior das escolas, sendo possível apreender sua natureza e evolução.