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Teorias, Paradigmas e Abordagens Curriculares: o currículo como campo de

CAPÍTULO 1: CURRÍCULO E SABERES ESCOLARES

1.1 CURRÍCULO

1.1.1 Teorias, Paradigmas e Abordagens Curriculares: o currículo como campo de

A segunda década do século XX é citada por diversos autores26 como sendo marcante na Teoria do Currículo, sendo atribuído a esta o momento de emergência do currículo como campo de investigação. A publicação do livro The Curriculum, em 1918, de Franklin Bobbit, nos Estados Unidos, foi determinante para essa atribuição.

Porém não significa afirmar que o currículo não tenha tido presença na produção intelectual antes dessa obra. Pedra (1997) e Silva (1999) chamam a atenção para o livro The child and the curriculum, publicado por John Dewey, em 1902, 16 anos antes do livro de Bobbit. Terigi (1996), tratando acerca da genealogia do currículo, alerta para possibilidades de anacronismos na História da Educação, pois, a depender da compreensão atual sobre currículo, diferentes origens podem ser reconhecidas. A autora lista três diferentes possibilidades de origem do termo: 1- prescrição das matérias, 2- plano de estudos e 3- ferramenta pedagógica.

26 Terigi (1996), Santos (1997), Pedra (1997), Santos e Oliveira (1998), Silva (1999). F FFiiilllooosssooofffiiiaaadddaaa E EEddduuucccaaaçççãããooo P PPsssiiicccoolollooogggiiiaa a dddaaa E EEddduuucccaaçaççããoãoo S SSoooccciiioolollooogggiiaiaa dddaaa E EEddduuucccaaaçççãããooo HHHiisisstttóóórrriiiaaa dddaa a E EEddduuucccaaaçççãããooo L LLeeegggiiisssllalaaçççãããooo dddaa a E EEddduuucccaaçaççãããooo G GGeeessstttãããooodddaaa E EEddduuucccaaaçççãããooo

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Para a autora (Terigi, 1996), caso se compreenda currículo como prescrição das matérias de ensino, este tem uma longa história, pois sua origem remonta à Grécia Antiga, tendo o termo sido usado por Platão e Aristóteles para descrever os temas ensinados.

Contudo, se currículo for entendido como plano estruturado, seqüenciado, ordenado de estudos, a autora, recuperando os estudos de Hamilton27, reconhece sua origem após a segunda metade do século XVII. A fonte mais antiga do termo data de 1663 usada para referir-se a um atestado de graduação outorgado a um mestre da Universidade de Glasgow, na Escócia (GOODSON, 1995, e SAVIANI, N., 1994).

No entanto, é mais comum na literatura reconhecer o currículo como ferramenta pedagógica da sociedade industrial surgida na década de vinte do século passado, nos Estados Unidos, coincidindo com sua emergência como campo de investigação a partir da obra de Bobbit.

Fundamentando-se em Díaz Barriga, a autora afirma que nesse entendimento o “curriculum28 não é qualquer prescrição sobre os conteúdos do ensino; tampouco é suficiente que se acrescente a ordem e a sequenciação.

Curriculum é uma ferramenta pedagógica que substitui a antiga didática; que subordina a educação a uma visão eficientista e utilitarista apresentada como ideologia científica; e que impõe aos processos de prescrição sobre o que se deve ensinar uma lógica de construção – o chamado planejamento curricular (TERIGI, 1996, p. 168).

Mesmo que distintas compreensões sobre currículo remetam sua origem a épocas diferentes, a sua emergência como campo de investigação remonta ao início do século XX, na qual os intelectuais tomam o currículo como objeto de reflexão e não apenas como veículo de recomendação de suas elaborações sobre a educação, como, praticamente, fez Dewey, ou mesmo, como aparecem desde a Antiguidade Grega.

Como objeto de reflexão, o currículo vai configurar uma teoria específica, a Teoria do Currículo, entendida como o estudo das forças sociais e políticas que, explícita ou implicitamente, se relacionam com a constituição do saber escolar. Esse campo mostra que os saberes não representam posições consensuais sobre a utilidade ou o valor de determinados conhecimentos, eles são a expressão de forças e de interesses conflitantes na sociedade (SANTOS e OLIVEIRA, 1998).

27 Hamilton (1992).

28 A autora utiliza o termo original do latim para designar currículo, procurando evitar problemas gramaticais na aplicação do singular e plural.

No que concerne às Teorias do Currículo, Tomaz Tadeu da Silva (1999), traçando um mapa dos estudos sobre currículo, apresenta três grandes grupos teóricos: as teorias tradicionais, as críticas e as pós-críticas, enfatizando esta última, defendendo o currículo como documento que expressa e constrói nossa identidade e diversidade étnica, cultural, de gênero...

O autor afirma que

De certa forma, todas as teorias pedagógicas e educacionais são também teorias sobre o currículo. As diferentes filosofias educacionais e as diferentes pedagogias, em diferentes épocas, bem antes da institucionalização do estudo do currículo como campo especializado, não deixaram de fazer especulações sobre o currículo, mesmo que não utilizassem o termo. Mas as teorias educacionais e pedagógicas não são, estritamente falando, teorias sobre o currículo (SILVA, 1999, p. 21). As teorias pedagógicas e educacionais, como vimos anteriormente, são veículos que expressam determinada concepção de educação, tendo, por dentro dessa, um entendimento do currículo. No entanto não são teorias curriculares, pois esse não é o objeto de suas reflexões, mas apenas componente de outros objetos de reflexão.

Para Silva (1999), as diferentes Teorias do Currículo constituem-se como tal, pois procuram responder a uma pergunta em comum: qual o conhecimento, o que é que deve ser ensinado? Com esse questionamento as Teorias do Currículo querem descobrir que saberes devem ser considerados importantes, válidos ou essenciais para merecerem ser considerados parte do currículo?

Para o autor esse currículo

...é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo. As teorias do currículo, tendo decidido quais conhecimentos devem ser selecionados, buscam justificar por que ‘esses conhecimentos’ e não ‘aqueles’ devem ser selecionados (SILVA, 1999, p. 15).

No entanto, uma pergunta precede ao “o quê”, “o que eles ou elas devem ser?”, ou seja, o saber selecionado está procurando responder ao tipo de sujeito que se deseja formar, estando, portanto, a serviço do tipo ideal. O currículo diz respeito a uma questão de identidade.

As Teorias Tradicionais de Currículo pretendem ser neutras, científicas e desinteressadas, aceitando mais facilmente o status quo, os conhecimentos, e os saberes dominantes. Nestas, o “o quê” estaria respondido, configurando o saber escolar como algo

estabelecido e legitimado, tendo que se preocupar com o “como” e assim operacionalizar as formas de transmiti-lo aos alunos.

Entre as Teorias Tradicionais, encontramos a concepção clássica de currículo, a qual remonta ao saber escolar dado a partir das artes liberais da Idade Média, herdadas da Antiguidade Clássica Greco-Romana: o trívium e o quadrívium. No trívio, a ordem dos saberes era: gramática (escrever corretamente e pronunciar de forma não menos correta o que está escrito), dialética (saber demonstrar) e retórica (ornar as palavras e as sentenças). No quadrívio, a seqüência era: aritmética, música, geometria e astronomia. Encontramos também a concepção progressista29, fundada no pensamento de John Dewey, o qual em 1902, em The child and the curriculum, demonstrava preocupação com o currículo. Encontramos ainda a concepção tecnocrática, fundada a partir do livro de Bobbit e consolidada pelo livro de Ralph Tyler, publicado em 1949, em que o saber escolar sofre um rigoroso processo de racionalização, a ponto de se apresentarem objetivos e procedimentos metodológicos bem especificados que permitam sua precisa mensuração.

É esta racionalização e precisão, contida na cientificidade desinteressada e neutra das Teorias Tradicionais de Currículo, que as Teorias Críticas e Pós-Críticas vão questionar. Segundo estas, o currículo sempre será expressão das relações de poder, portanto estarão sempre presentes intencionalidades sociais, políticas, ideológicas, étnicas, culturais e nunca sendo ingênua. O “o quê” está condicionado ao “porquê”, levando tais teorias a se preocuparem com as conexões entre saber, identidade e poder. “É precisamente a questão do poder que vai separar as teorias tradicionais das teorias críticas e pós-críticas” (SILVA, 1999, p. 16).

As Teorias Críticas do Currículo, segundo Silva (1999), surgem, na Inglaterra, com a chamada Nova Sociologia da Educação (NSE)30, e nos EUA, num Movimento de Reconceptualização, ambos originários do início da década de 1970. Michael Young31 é considerado o maior representante da primeira e William Pinar, uma grande liderança no segundo. Na primeira, as bases se davam a partir do marxismo e da teoria crítica da Escola de

29 Silva (1999, p. 26) denomina os estudos de John Dewey como progressistas, talvez por comparar com o modelo tecnocrático de Ralph Tyler. Moreira (1995), fazendo uma aproximação com os estudos de Libâneo (1984), denomina Dewey como um progressivista, fazendo parte, portanto, de uma Pedagogia Liberal e não de uma Pedagogia Progressista.

30 Segundo Forquin (1993), fundamentando-se em Bernstein, a hipótese central da NSE é que a forma como uma sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e avalia os saberes destinados ao ensino reflete sua distribuição do poder e o modo pelo qual se encontra assegurado o controle social dos comportamentos dos indivíduos.

Frankfurt. No segundo, as teorias sociais fenomenológicas e hermenêuticas traziam os fundamentos.

Para Silva (1999), foi procurando superar a concentração inicial, presente nas Teorias Críticas do Currículo, em compreender este como expressão reprodutora das desigualdades de classes na sociedade capitalista, que apareceram as Teorias Pós-Críticas do Currículo. Nas Teorias Pós-Críticas, as relações de poder não se estabelecem apenas como reflexo de uma economia política, mas também nos pequenos espaços e relações de poder. Nestas as análises materialistas marxistas passam a ceder espaços para as análises discursivas e textuais pós- estruturalistas e pós-modernistas. Os estudos da relação de gênero, raça, etnias e os estudos culturais passam a fazer partes das teorias do currículo, reconhecendo este como documento de identidades.

Nos estudos sobre os Paradigmas Curriculares, o trabalho de José Luiz Domingues (1986 e 1988) foi referência para apreendermos alguns conceitos. O autor, a partir do enfoque habermasiano, discute, tomando como ponto de partida os estudos de James Macdonald, a relação entre os interesses humanos e os três paradigmas disponíveis na literatura acerca do currículo: técnico-linear, circular-consensual e dinâmico-dialógico.

No Paradigma Técnico-Linear o pioneiro é John Franklin Bobbit, o qual, inspirado nas idéias de Frederick Taylor, fez uma analogia entre a escola e a indústria, elaborando uma compreensão de currículo fundamentada no interesse técnico de controle das aprendizagens, cujo enfoque foi empírico-analítico. Essas idéias ganharam vulto com os estudos de Ralph Tyler sobre currículo, deixando ainda mais evidente sua perspectiva de controle, quando propõe que o currículo deve ser organizado a partir de quatro questões (DOMINGUES, 1986 e 1988).

Segundo o próprio Tyler essas quatro questões são:

1- que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir? 2- que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos? 3- como organizar eficientemente essas experiências educacionais? 4- como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados? (TYLER, 1975, p. 1).

No Brasil, as idéias de Tyler tiveram grande influência nas primeiras publicações de como elaborar currículos. O primeiro manual de currículo foi elaborado por J. Roberto Moreira (em 1955), o segundo por Dalilla Sperb (em 1966), o terceiro por Marina Couto (em

1966) e o quarto por Lady Lina Traldi (em 1977). Fora do Brasil, Taba (em 1962) e Papham e Baker (em 1970) tiveram Tyler como precursor de suas elaborações sobre o currículo.

No Paradigma Circular-Consensual, segundo Domingues (1986 e 1988), são considerados pioneiros James Macdonald e Dwayne Huebner, que por volta do início da década de 1960, trabalhavam com idéias alternativas ao pensamento de Tyler. Mas só no início dos anos de 1970 esse paradigma passa a ter mais proeminência e, a partir de um enfoque histórico-hermenêutico e com interesses consensuais, passa a pensar o currículo não mais como programas previamente estabelecidos, afirmando que este deveria centram-se nas experiências dos alunos e em suas necessidades latentes ou manifestas.

Para Domingues (1986 e 1988), é possível evidenciar, principalmente a partir de 1975, duas posturas epistemológicas distintas neste paradigma. Uma baseada numa corrente fenomenológico-existencial, tendo como grande expoente William Pinar, cujas idéias vão se fundamentar em Heidegger e Merleau-Ponty; e uma outra baseada na Teoria Crítica de idéias neo-marxistas da Escola de Frankfurt, tendo como expoente Michael Apple32, o qual será considerado também como teórico de destaque no Paradigma Dinâmico-Dialógico.

No Brasil, afirma Domingues (1986), nada foi publicado em termos de manuais de currículo com bases nesse paradigma. No entanto, Moreira (1995) critica esta não menção, pois para ele esse paradigma apresenta pontos em comum com o movimento escolanovista brasileiro, tendo teóricos que mereceriam destaque tal como Anísio Teixeira.

No Paradigma Dinâmico-Dialógico, o currículo, compreendido a partir de um enfoque praxiológico e de um interesse emancipador, não pode ser pensado separadamente da totalidade da realidade social, devendo ser historicamente situado e reconhecido em suas determinações culturais. Duas tendências aparecem neste paradigma: uma reconhece o currículo como elemento-chave para que as camadas populares se apropriem do saber dominante; a outra nega tal possibilidade, acreditando que o próprio currículo expressa os interesses da classe dominante na sociedade capitalista. A primeira fundamenta-se em teorias neo-marxistas e a segunda, na filosofia marxista (DOMINGUES, 1986 e 1988).

Nesse paradigma, são considerados como autores proeminentes Michael Apple e Henry Giroux, e, no Brasil, os teóricos que expressam fundamentos nesse são José Carlos Libâneo, Dermeval Saviani e Guiomar Namo de Melo. Encontram-se aproximações desse paradigma também com o pensamento freireano, mas vale acrescentar que Freire também

32 Sugerimos consultar obras do autor publicadas no Brasil: Apple (1982, 1989, 1995a, 1995b, 1997a, 1997b, 2006).

influenciou o Paradigma Circular-Consensual, sendo isso um dos pontos de convergências que Domingues (1986) aponta entre esses paradigmas.

No que se refere às Abordagens Curriculares, os estudos de Jean-Claude Forquin (1996) acerca da Sociologia do Currículo são aqui tomados como fonte para nossa reflexão33. As diferentes Abordagens Sociológicas do Currículo, apontadas por Forquin (1996) têm em comum a reflexão acerca do currículo como artefato social e não mais como instrumental tecnocrático. Nestas se questionam natureza, forma, seleção, origem e organização dos saberes escolares.

Num primeiro grupo, Forquin (1996) evidencia três abordagens, oriundas de estudos ingleses, que procuravam refletir criticamente a relação entre sociedade, educação e cultura. Numa primeira, o autor cita, como pioneiro, os estudos de Raymond Williams, existentes nos anos de 1960, o qual reconhecia a cultura como uma seleção da tradição, originária de uma decantação e reinterpretação da herança de gerações passadas. Numa segunda, no final dos anos de 1960 e início dos de 1970, o autor reconhece em Frank Musgrove uma representação, o qual estuda a natureza social dos saberes escolares, investigando como as disciplinas do currículo conferem identidade a seus membros. E numa última abordagem deste grupo, ele identifica, em meados de 1970, os estudos de Michael Young, maior representante da NSE, o qual estudou como se dava o processo de legitimação dos saberes escolares e de sua estratificação.

Em um outro grupo de abordagens, Forquin (1996) inclui os estudos acerca da relação entre as diferentes formas de expressão do currículo: formal, real e oculto. Numa primeira abordagem, o currículo se configura como uma organização de saberes escolares considerados naturais, fruto de uma tradição enciclopédica e sem merecer questionamento. Em outra fazem-se distinções entre o currículo formal e o real, em que este último é o resultado do que realmente é ensinado pelo professor e aprendido pelo aluno. E numa terceira, localiza os estudos em torno daquilo que está implícito no currículo e saberes escolares, o que é invisível na organização curricular formal e real, ou seja, o que está oculto.

Num último grupo, Forquin (1996) identifica estudos que procuram reconhecer a origem e transformação do saber em saber escolar, advindos da discussão entre historiadores, didaticistas e sociólogos. Uma das abordagens, tendo como grande representante Yves Chevallard, usa a noção de transposição didática, justificando que o saber escolar é fruto de uma transformação do conhecimento científico externo à escola. Outra abordagem, em

contraposição a essa primeira, elabora o conceito de cultura escolar e argumenta em favor deste, afirmando que a escola não se contenta em transpor os conteúdos preexistentes e exteriores a ela. Nesta, em que André Chervel é um grande representante, a escola é também local de produção de saberes originais peculiares às suas características.

Como vimos, diferentes são as formas de compreender e explicar histórica e conceitualmente o currículo. Na figura 4 vemos que as Teorias do Currículo, os Paradigmas Curriculares e as Abordagens Sociológicas do Currículo são uma demonstração do seu reconhecimento como um Campo de Investigação.