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Os ciclos de aprendizagem e a compreensão na Rede

CAPÍTULO 3: POLÍTICA CURRICULAR: CONTEXTO HISTÓRICO E

3.2 ORGANIZAÇÃO E FUNDAMENTOS DO CURRÍCULO NA PROPOSTA

3.2.3 Os ciclos de aprendizagem e a compreensão na Rede

Na busca pela superação da seriação, a Rede Municipal de Ensino do Recife propôs a organização curricular por ciclos. Passemos a analisar a compreensão dos ciclos de aprendizagem na política curricular da Rede, retomando as mesmas categorias analíticas que foram usadas para evidenciarmos a apropriação da noção de competência: 1) Projeto Histórico, 2) Projeto Político-Pedagógico, 3) Projeto Curricular.

Nos meios e fins para a implantação dos ciclos de aprendizagem na Rede, fica explícita uma opção por um Projeto Histórico com referências Socialistas. Essa proposição de organização curricular expressa uma intenção pedagógica que reconhece o percurso e o processo de construção das contradições sociais, deixando evidente que essa intencionalidade se materializa em meio a conflitos, disputas e defesas ideológicas distintas, tendo, de um lado, as idéias da economia de livre mercado, voltadas para a manutenção do capitalismo e, de outro, uma organização política e social da propriedade e dos meios de produção a partir da classe trabalhadora, almejando a construção do socialismo.

A intenção é que a formação dos sujeitos insira-se numa educação para a cidadania, entendendo que esta deva sair do sentido de direito individual a um produto, a um bem, a um valor ou mesmo à ocupação das oportunidades pessoais e ir em direção a uma condição de pertencimento coletivo e simbólico diante das lutas pela universalização dos direitos sociais básicos, tais como moradia, saúde, educação, lazer, percebendo a cidadania como um exercício, inclusive de deveres sociais e co-responsabilidade diante de si e dos excluídos da inserção na sociedade mais ampla (RECIFE, 2003a).

Assim, fundamenta-se em princípios éticos de solidariedade, liberdade, participação e justiça social e pauta-se nos eixos da educação sob a ótica do direito; da cultura, identidade e vínculo social e da ciência, tecnologia e qualidade de vida coletiva (RECIFE, 2003a e 2002).

O Projeto Político-Pedagógico presente no currículo organizado por ciclos de aprendizagem deixa explícito o compromisso com a formação do cidadão e da sociedade, configurando-se como processo permanente de reflexão e discussão dos problemas das escolas que compõem a Rede e de busca de alternativas viáveis à materialização de sua intencionalidade sócio-educativa.

A política curricular, como vimos nos documentos e nas falas, não é elaborada nem implementada em gabinetes governamentais ou mesmo em ações de curriculistas. Mesmo que essa política tenha sua intencionalidade governamental e possua assessoria de diversos especialistas, compreende-se que o principal sujeito de sua elaboração e implementação é o professor diante do dia-a-dia da comunidade escolar (gestores, outros professores, funcionários em geral, pais e alunos), conforme exemplificamos nos trechos dos documentos abaixo.

Na versão preliminar da Proposta Pedagógica da Rede fica clara uma trajetória de construção coletiva e uma convocação ao professor para a continuidade de elaboração e materialização da política.

Resultado da discussão compartilhada entre professores, coordenadores, dirigentes, assessores e equipe técnico-pedagógica da Rede Municipal de Ensino sobre a organização do currículo, este documento busca novas alternativas às questões que emergem do cotidiano da prática pedagógica e requer a contínua contribuição de todos para superar as lacunas nele existentes, apresentando-se, portanto, ora em versão preliminar (RECIFE, 2002b, p. 4).

No livro “Tempos de aprendizagem, identidade cidadã e organização da educação escolar em ciclos”, os professores são reconhecidos não só como sujeitos históricos e atores

sociais, possuidores de sonhos e desejos, mas também como criadores e recriadores da implementação do anseios da política curricular.

Aqui, conjugam-se e concretizam-se, portanto, anseios e ações de sujeitos históricos e sociais que sonham com uma proposta de educação com qualidade social para todos e buscam implementá-la a partir da participação dos atores que criam e recriam laços – vínculos – traduzidos em novos modos de aprender e ensinar e valorizem as diferenças (RECIFE, 2003a, p. 12.

Isso faz com que o docente não seja considerado um simples reprodutor de políticas educacionais, mas um sujeito engajado organicamente, tanto na implementação da política curricular, como na sua elaboração, sendo solicitado e viabilizado seu potencial produtor.

Os ciclos de aprendizagem na Rede Municipal de Ensino do Recife procuram materializar esse reconhecimento e consideração por via de um Projeto Curricular Emancipatório, objetivando superar os índices de fracasso escolar e ir, além deles, em busca da qualificação das aprendizagens dos alunos.

O fracasso escolar é comumente expresso pelo alto grau de reprovação e evasão entre os alunos de Redes de ensino, principalmente da educação pública. No caso da Rede Municipal de Ensino do Recife, sem descartar a motivação pelo rompimento com esse círculo vicioso da repetência e evasão, a idéia central do projeto curricular é superar a defasagem idade/aprendizagem, ou seja, não é só encontrar alternativas para que os alunos se mantenham na escola e em sua progressão regular. Os documentos e falas nos levam a afirmar que a Rede instala a progressão por promoção automática e elabora e implementa os Espaços Ampliados de Aprendizagem, mostrando o compromisso com a aprendizagem dos alunos.

Objetiva-se superar, progressivamente, uma lógica formal, padronizada, linear, fragmentada, etapista de lidar com os saberes escolares e preconiza-se que as aprendizagens ocorram em tempos e espaços escolares em situações contextualizadas, diversificadas, interativas e significativas para o aluno (RECIFE, 2004). Como podemos ver

...a construção requer um tempo mais extenso para a maturação e para a compreensão dos processos de articulação, reflexão e assimilação do conhecimento por parte do aluno”. [...] O conhecimento prévio, em função do contexto sócio-cultural do aluno, de sua vida e de sua experiência sócio- cultural, é considerado, e este, por sua vez, influencia as formas e os tempos diferentes de aprendizagem dos conteúdos trabalhados e das competências construídas (RECIFE, 2003a, p. 134 e 138).

A avaliação passa a se configurar como uma importante dimensão do ato educativo, constituindo-se como forma, momento e recurso processual, contínuo, cumulativo e

qualitativo de acompanhamento das aprendizagens dos alunos. Seus registros procuram ir além da notas (números) e conceitos (letras), usando pareceres qualitativos do aluno e da turma, descritos na caderneta escolar, considerando, a análise do professor, e auto-avaliação dos alunos. Esses pareceres passam a servir de orientação, motivação e apreciação dos Conselhos de Ciclos nas escolas.