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CAPÍTULO IV – PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE

4.2. IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL NA DESCONSTRUÇÃO DA

4.2.1. A profissionalização entre discursos e realidades

Segundo Evangelista e Shiroma (2003) nos anos de 1990, a questão da profissionalização docente aparece atrelada ao desenvolvimento profissional, valorização do magistério, profissionalidade, formação pré-profissional, construção da identidade profissional, desprofissionalização, interprofissionalização, semiprofissionalização e, até mesmo, proletarização docente. Ainda segundo as autoras, no Brasil, após a aprovação da LDB em 1996, os professores e pedagogos passaram a ser denominados de “profissionais da educação” e esse termo passou a ser frequente na produção acadêmica da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Educação (ANPEd), para se referir à pessoa do professor, à prática docente, à qualificação da categoria do magistério, às qualidades inerentes

à função, à requalificação profissional, à formação inicial, à formação continuada, ao modelo profissional, à mudança radical do perfil docente.

Faz-se necessário discutir o emprego e uso do vocábulo profissionalização como um conceito cujo conteúdo é dado pelo uso político iniciado na década de 1990 no Brasil e também por se tratar de um termo polissêmico.

Na Europa, a profissionalização docente foi influenciada por dois fatores, a racionalização e a privatização, conforme destaca Nóvoa (1995), sendo estes constituídos no momento de controle externo da profissão docente, e pautado na avaliação rigorosa, no controle do currículo e nos resultados da aprendizagem dos alunos. Estas medidas já podem ser observadas no Brasil, nos estados de Minas Gerais e São Paulo, em que as redes públicas estaduais implantaram uma conexão entre o desempenho da aprendizagem dos alunos e a distribuição de bônus para a equipe escolar, em São Paulo foi feita também uma reforma curricular e o apostilamento das aulas, na tentativa de criar uma sintonia entre a reforma curricular e a avaliação, segundo Freitas (2011).

Pode-se observar a crescente redução da autonomia do professor em sala de aula e que quando são divulgados dados de testes relativos ao desempenho dos alunos que visam medir a aprendizagem, se estes não forem positivos a escola e os professores serão considerados incompetentes pela sociedade e os problemas da educação passam a ser reduzidos a figura do professor e o debate se volta às agências formadoras de professores, as quais acabam sendo cobradas por isso. Não se pode esquecer o papel da mídia nessa discussão, pois como afirma Freitas (2011) ela tem ajudado a formar a ideia de que as reclamações feitas pelos professores, gestores e sindicatos são artimanhas para ocultar incompetências. Dessa forma, sobra “culpa” para quase todos, menos para o Estado. As agências formadoras são responsabilizadas por uma formação muito teórica, distante da prática e o Estado se salva e não se responsabiliza em criar políticas públicas de longo prazo que disponibilize profissionais em quantidade e qualidade necessárias.

Para Tardif e Lessard (2005) o processo de profissionalização docente busca elevar o nível de educação e formação e exercer um controle maior em relação à qualidade profissional dos professores. Assim, neste modelo de profissão, “[...] a Educação é concebida como uma atividade profissional de alto nível”, como destaca Akkari (2011, p. 113). Ainda segundo o autor, a profissionalização está sobre uma base sólida de conhecimentos reagrupados em referenciais de competências, como nas profissões liberais e está centrada sobre uma prática reflexiva que é transmitida pelas agências formadoras e deve estabelecer

uma relação com a prática profissional dos professores nas escolas, sendo este modelo também baseado na ideia de que a formação é continua e que coexistem, ao longo da carreira docente, fases de trabalho e de aperfeiçoamento.

Segundo Tardif e Borges (2009, apud AKKARI, 2011) no mundo anglófono, o movimento de profissionalização é mais desenvolvido do que no mundo francófono, neste vários países tentaram implantar o modelo de profissionalização daquele nas políticas e programas de formação, por meio da criação de institutos especializados ou pela integração da formação de professores às Faculdade de Educação. Os autores afirmam ainda que há uma convergência dos objetivos nestes diferentes contextos, no sentido de buscar uma formação com maior nível intelectual, integrar a pesquisa, articulação entre agências formadoras e as competências profissionais, bem como reforçar a relação entre prática docente e o âmbito escolar. Os programas de formação não deixam claros a retradução do movimento de profissionalização, sendo os objetivos referentes a esse movimento muito gerais, “[...] enquanto que a profissionalização se revela, ela mesma, uma categoria polissêmica, cujo significado é plural, e oscila de acordo com os pontos de vista, interesses e concepções de seus defensores e críticos”, Tardif; Borges (2009, p. 134, apud AKKARI, 2011).

No Brasil, é defendido em grande parte, um discurso sobre profissionalização que o associa a uma concepção de profissão cujas características podem ser encontradas no trabalho dos sociólogos funcionalistas que pregam um tipo ideal de profissão, que se mostra descontextualizada do contexto escolar e dos atores educacionais, como destacam Akkari; Costa e Souza; Silva (2008). Ainda segundo os autores, existem esforços para introduzir a docência como profissão, porém ela está sujeita a um controle burocrático e rigoroso, e também a precárias condições de trabalho; o que permite uma caracterização dela no Brasil como uma semiprofissão ou uma profissãozinha.

A desprofissionalização pode ser influenciada pelas políticas educacionais, já que uma política voltada para a privatização e a descentralização favorece à desprofissionalização, como aponta Akkari (2011). A privatização presente no setor educacional modifica o modo como os professores são preparados, o próprio desenvolvimento profissional e o acesso a ele, os contratos e salários dos professores, acabam influenciando as atividades cotidianas dos professores e a forma como eles vivem suas vidas profissionais, assim a flexibilização do trabalho docente representa um elemento chave da maioria das versões da privatização, o que acaba alterando “[...] a percepção dos professores na sociedade quanto a qualidade das experiências dos alunos nas escolas”, como exposto por Ball e Youdell (2007, p. 9).

As pressões econômicas sobre os professores e escolas refletem diretamente na divisão do trabalho entre os atores da Educação, conforme aponta Akkari (2011). Assiste-se no contexto do financiamento competitivo e contratual, uma individualização e competição entre as instituições educacionais, surgem a cada dia projetos de curto prazo, de trabalhadores freelance, trabalhadores intermediários, contratos temporários, “[...] em suma, esses novos tipos e trabalhadores tendem a trabalhar mais “com” e “para” a organização, que “na” organização” (BALL; YOUDELL, 2007, p. 47).

Dessa forma, observa-se no campo da formação docente, que a profissionalização não vem promovendo o que em princípio a palavra promete, qualidade no exercício da função docente e valorização socioeconômica, pelo contrário vem sendo mais um fator para a promoção da “[...] superficialização da formação; a burocratização do trabalho docente; a competição interpares; a segmentação da categoria”, como apontam Evangelista e Shiroma (2003). As autoras afirmam ainda que com esse projeto político florescem as orientações privatistas e privatizantes que investem na ideia do serviço público educacional como mercado promissor, assim os que acreditam que esta política promoverá os fins que anuncia, surpreende-se com estes paradoxos.