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CAPÍTULO V – EDUCAÇÃO SUPERIOR E POLÍTICAS DE FORMAÇÃO SOB A

5.6. ANCORAGENS DAS DIFERENÇAS

Os resultados da Análise Fatorial de Correspondência das falas dos estudantes de Ciências Biológicas e Letras indicam posicionamentos diferentes frente às RS da expectativa de atuação profissional. É importante questionar o motivo que leva à existência dessa diferença na representação do mesmo objeto. As RS são princípios que geram tomadas de posição e relacionam-se com as inserções sociais dos indivíduos, como aponta Doise (1990). Depreendeu-se que, os estudantes de Ciências Biológicas e Letras não têm posições sociais diferentes pelo menos aparentemente, portanto seria de esperar que tivessem igualmente RS sobre a expectativa de atuação profissional.

O que promoveu a diferença de posicionamento a respeito da expectativa de atuação profissional entre os dois grupos foi o fato de que os estudantes de Ciências Biológicas

ancoram suas Rs na possibilidade de se tornarem bacharéis, embora os participantes da pesquisa estejam cursando licenciatura. O discurso da Classe 3 composta por estudantes de Ciências Biológicas e a mais representativa na pesquisa por representar 32% do total das classes evidenciou o desejo desses estudantes em cursar o bacharelado ou cursar um outro curso como agronomia ou engenharia ambiental, ou ainda fazerem mestrado e doutorado na tentativa de seguirem a carreira de pesquisadores ou professores universitários, já que para esse grupo a docência no ensino superior é carregada de status social e valorização financeira. Já os estudantes de Letras demonstram desejo em se tornarem professores da educação básica, mesmo reconhecendo a precarização da profissão docente. Esse grupo de estudantes ainda aponta a necessidade de os professores se preocuparem com a formação inicial e continuada, já que a docência exige dedicação e formação sólida. Outro fator importante na escolha pela docência é o fato desse grupo apontar a docência como vocação, amor ao próximo, sendo essas características inerentes aos licenciandos.

Fica evidente que o fato dos estudantes de Ciências Biológica não desejarem seguir a carreira docente na educação básica está relacionado ao fato deles terem a opção de cursar o bacharelado, pois como explicita Barreto (2012) há uma expressiva proporção de estudantes que buscam os cursos bacharelado com licenciatura, o conhecido esquema 3 mais1, pois assim terão mais ofertas diversificadas e atraentes de empregos do que no magistério.

A separação entre licenciatura e bacharelado acaba provocando uma defasagem na formação dos profissionais, já que os saberes disseminados no bacharelado e na licenciatura não se separam na profissão do professor/pesquisador, tal oposição vem criando uma hierarquização na qual as licenciaturas vêm ocupando posição inferior aos bacharelados, como apontam Pires Junior e Queiroz (2012) e acaba acentuando a ideia de que o professor da educação básica não pode ser um pesquisador, assim serão pesquisadores apenas os estudantes que se dedicarem ao bacharelado ou os que finalizarem a licenciatura e cursarem o mestrado e o doutorado. Há uma intensa valorização da pesquisa em detrimento a prática pedagógica que na visão de alguns estudantes não pode ser acompanhada da pesquisa.

Diante deste cenário de não valorização da licenciatura, a universidade tem sido questionada sobre seu compromisso com a formação dos professores da educação básica, como aponta Cunha (2012). O autor destaca que esse questionamento gira em torno principalmente da não valorização do preparo para o magistério e da baixa prioridade curricular destinada à prática do ensino.

Assim, cada vez mais os cursos de licenciatura destinados à formação de professores têm desfrutado de menor prestígio social, ficando sua importância apenas presente nos discursos de autoridades que há tempos ressaltam a importância do magistério, mas sem a realização de ações que revertam a histórica desvalorização (CUNHA, 2012).

Dessa forma, cria-se um ciclo vicioso em que a carreira docente na educação básica é cada vez mais desvalorizada e o interesse do jovem brasileiro em se tornar professor é cada vez menor. A docência passa a ser uma forma de “seguro desemprego” (GATTI, 2010) para alguns estudantes de licenciatura, já que estes não têm condições financeiras de cursarem outro curso, ou não conseguiram ser aprovados no vestibular para outro curso, como visto no discurso de alguns estudantes no decorrer desta pesquisa. Assim, o interesse de alguns estudantes de Ciências Biológicas em seguir a carreira de biólogo pesquisador se justifica perante o atual status social que a docência tem recebido na sociedade brasileira.

Os estudantes participantes desta pesquisa evidenciaram que não buscam em uma profissão apenas bons salários, eles procuram também reconhecimento social, pois se dedicam e estudam muito para não ter o merecido reconhecimento social e financeiro que uma profissão deve proporcioná-los. E evidenciam também a importância da carreira docente ao participar da formação de todos os outros profissionais, mas muitos não querem se arriscar a viver uma história de decepção com o ofício escolhido. Tajfel (1974, 1981) afirma que os sujeitos para garantir uma identidade positiva, tendem a avaliar e valorizar o grupo no qual estão inseridos de forma positiva, assim como alguns estudantes de Ciências Biológicas não avaliam de forma positiva a docência preferem se retirar do grupo da licenciatura e seguir a carreira de pesquisador que tem maior reconhecimento social.

O trabalho docente não pode ser visto apenas como uma ocupação secundária, como defendem Tardif e Lessard (2005). E Gatti (2011, p. 321) corrobora com estes autores, afirmando que o magistério é “[...] um setor nevrálgico nas sociedades contemporâneas, uma das peças chaves para entender as suas transformações”. Assim, torna-se importante considerar os dados da presente pesquisa. Um número significativo de estudantes participantes desta pesquisa apesar de cursarem uma licenciatura não pretendem seguir a profissão docente, mas se por acaso esses estudantes tiverem que atuar como professores, como serão como docentes? Serão comprometidos com o magistério?

Definitivamente, a docência não pode ficar a mercê de profissionais que não desejam segui-la. É preciso decisão política, investir na carreira e salários dos professores, além do que “[...] uma verdadeira revolução nas estruturas institucionais formativas e nos currículos da

formação é necessária” (GATTI, 2011, p. 321), pois só assim a carreira docente será atrativa aos jovens brasileiros que passarão a assumi-la como profissão.

Ao buscar uma via de ancoragem para explicar as diferenciações entre os dois grupos, identificou-se que os estudantes de Ciências Biológicas e Letras não possuem a mesma representação no que se refere à expectativa de atuação profissional. Os estudantes de Letras mostraram-se mais interessados em seguir a docência, em oposição a esse grupo, os estudantes de Ciências Biológicas demonstraram desejo em se tornarem pesquisadores, professores universitários ou analistas de serviço público, já que essas profissões atualmente têm maior status social e proporcionam maior rendimento financeiro e realização pessoal a esses futuros profissionais.

Entre os grupos existe ainda a partilha de um campo comum no que diz respeito à maneira dos estudantes entenderem o atual status social destinado ao magistério, ambos os grupos o entende como uma profissão não valorizada e que é destinada a ele baixos salários, precárias condições de trabalho, ou seja, a docência não é uma profissão interessante para os jovens brasileiros se dedicarem.

ANCORAR PARA CONCLUIR: AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ESTUDANTES DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E LETRAS

O objetivo principal dessa pesquisa foi identificar as Representações Sociais que os estudantes de Ciências Biológicas e Letras elaboram sobre a educação superior e as políticas de formação docente. Para tanto, utilizou-se da abordagem teórica proposta Doise (2001, 2002). Assim, buscou-se evidenciar o campo comum e a estrutura da educação superior e das políticas de formação docente para ambos os grupos de participantes, o que foi possível por meio da Análise de Evocação e da Análise Conteúdo.

Procurou-se identificar também possíveis variações intragrupais e intergrupais das RS de educação superior e das políticas de formação docente. Tais variações foram evidenciadas pela análise dos dados obtidos pelos softwares EVOC e Alceste. Nestas variações foram explicitadas algumas relações entre as RS de educação superior e das políticas de formação docente sustentadas pelos estudantes. Estas análises foram importantes para explicitar os elementos sócio históricos de ancoragem constituintes das RS investigadas.

A TRS se mostrou bastante pertinente para a construção dos objetivos, já que por meio dela foi possível perceber os mais complexos espaços das representações, nos consensos que o cotidiano das práticas e discursos se permitiu construir. Foi na reconstrução dos significados que a educação superior e as políticas de formação docente assumiram para cada grupo de participantes uma forma circundante na sociedade atual.

As análises realizadas com os estudantes de Ciências Biológicas e Letras revelaram a representação social do ensino superior como meio para se alcançar um emprego, visto que o acesso à educação superior representa um sonho na vida desses estudantes. Observa-se que essa representação está organizada em torno de elementos que remetem a profissionalização, a carreira profissional desses estudantes, já que o perfil socioeconômico dos participantes desta pesquisa remete ao perfil das pessoas interessadas, atualmente, em seguir a carreira docente: maioria mulheres, pardas e oriundas da escola pública e de famílias com baixo capital cultural. Os estudantes também deixaram claro que o acesso ao ensino superior poderá proporcionar um emprego e por consequência um salário aos futuros professores, ressalta-se que os estudantes apontaram o fato de alcançarem um emprego como um sonho. Muitos desses estudantes representam os primeiros membros de suas famílias a terem um curso superior, o que acaba representando também um meio de ascensão social para esse grupo e o

fato de terem acesso ao ensino superior também representa uma forma de “seguro desemprego” (GATTI, 2010), caso não seja possível o exercício de outra profissão.

A representação social da licenciatura para os estudantes de Ciências Biológicas e Letras vem acompanhada do significado de ensinar e de profissão, bem como de dificuldades e precarização. Os estudantes deixam claro que quem escolheu seguir a profissão docente escolheu uma profissão que enfrenta muitas dificuldades como a precarização desta e eles já têm essa concepção antes mesmo de concluírem o curso de licenciatura, o que pode ser explicado pelo fato de muitos deles mesmo ainda não tendo concluído o ensino superior já estão ministrando aulas na educação básica como foi evidenciado no perfil deles e por terem contato com o contexto educacional por meio dos estágios supervisionados e em alguns casos, por meio do PIBID.

Ambos os grupos de estudantes reconhecem que a licenciatura lhes proporcionará acesso à docência, profissão esta, que vem acompanhada de baixos salários e desprestígio social, e que para segui-la é preciso disposição para luta, ou seja, os estudantes reconhecem a precarização e a intensificação do trabalho docente, antes mesmo de terem se tornado professores e ainda apontam que a docência proporciona acesso a conhecimentos (acadêmico, científico, cultural) e exige formação continuada. Assim, como o acesso ao ensino superior, a licenciatura proporciona oportunidade de se obter um emprego e dessa forma, sucesso profissional, acadêmico, social.

Para os dois grupos de estudantes, as representações contextualizadas foram iluminadas por diferentes entendimentos em alguns aspectos, principalmente, no que diz respeito ao exercício da docência, pois no grupo dos estudantes de Letras ficou evidente o desejo de seguir a docência, de ser professor, já que para isso é necessário, segundo estes estudantes, vocação, pois a docência é doação, ato de amor.

Os estudantes de Ciências Biológicas têm uma visão diferente do que seja a docência, eles a enxergam como uma carreira, profissão que se encontra em precárias condições de exercício e que, portanto, não merece ser seguida, assim demonstraram desejo em se tornarem pesquisadores por meio do bacharelado, mestrado e doutorado, e com essa titulação se tornariam também professores universitários, pois segundo os estudantes ser professor da educação superior é sinônimo de bons salários e prestígio social, o que não ocorre na educação básica.

Os estudantes apresentaram dificuldade em demonstrar o que entendem por políticas

representada por diversas palavras, como ensinar, fantasiosas, legislação e necessidade, todas citadas com a mesma frequência. Percebe-se que os estudantes têm consciência de que as políticas de formação docente são importantes para a formação deles, já que elas estão relacionadas ao ato de ensinar, porém representam uma legislação fantasiosa, mas que precisa mudar porque é necessária à educação. Os estudantes ainda relacionaram políticas de formação docente com os seguintes vocábulos: formação, prática, capacitação, mudança, política, desafios, licenciatura e valorização.

Os estudantes entendem as políticas de formação docente como meio de promoção da formação dos licenciados e construção da prática docente, sendo as políticas vistas também como forma de se alcançar capacitação e promover mudanças no contexto educacional. Uma parte dos estudantes ainda veem as políticas de formação como um subgrupo da política e se relacionando assim, diretamente com a sociedade. O grupo as reconhece como importante para a formação dos licenciados. Diante da dificuldade dos estudantes de se posicionarem em relação ao conceito de políticas de formação docente, faz-se necessário chamar a atenção para o fato de que os futuros professores precisam ser políticos, o que representa para Demo (2002) ter a habilidade humana de saber pensar e intervir, buscando atingir níveis cada vez maiores de autonomia individual e coletiva, de modo que o indivíduo conduza a própria história e ao mesmo tempo seja capaz de imaginar inovações no processo natural evolucionário, pois é por meio da política que espaços próprios serão conquistados.

Logo, percebem-se as bases que ancoram as representações sociais de ambos os grupos: para os estudantes de Ciências Biológicas a docência se apresenta como uma profissão carregada de aspectos negativos devido à precarização que a acompanha e assim, não deve ser seguida, já os estudantes de Letras a docência é doação, vocação, sacerdócio, aspectos que dificultam enxergá-la como profissão, ora, pois vocação é algo subjetivo e que não pode ser adquirido em um curso superior, é uma característica inata do sujeito, ou de alguns sujeitos. Dessa forma, a ancoragem da representação social dos estudantes de Letras estaria diretamente relacionada ao aspecto sócio histórico que a considera, entre outros aspectos, como resultado de um processo histórico carregado de elementos de natureza liberal do profissionalismo e elementos do ideário religioso da vocação. Como resultado desse processo, verifica-se que o profissionalismo docente no Brasil foi pouco alcançado, porém ele existe na forma de discurso, como um ideário prometido, sempre renegado ao futuro distante e indeterminado.