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CAPÍTULO III – POLÍTICAS PARA FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL: AVANÇOS,

3.4. DESCAMINHOS NA CONDUÇÃO DA POLÍTICA EDUCACIONAL EM MINAS

Os participantes desta pesquisa representam os futuros professores da educação básica do Estado de Minas Gerais, Estado este que como os demais do Brasil sofrem com a presença das políticas educacionais de cunho neoliberal. Cabe ressaltar que as políticas de formação docente assim como as reformas educacionais que vêm ocorrendo em todos os estados brasileiros seguem a tendência encontrada nas reformas educativas neoliberais presentes em todo o mundo desde o início da década de 1990. A precarização da formação e profissão docente representa um exemplo do impacto da adoção de políticas neoliberais globais e projetos político-econômicos que influenciam os rumos da política e da governança educacional nos diferentes níveis e modalidades de ensino e em contextos geográficos diferenciados.

Neste aspecto, os autores Linhares e França Jr. (2013) fazem uma crítica à gestão do governo mineiro, principalmente no que se refere ao período de 2003 até o momento atual, período em que o Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) tem permanecido no governo, tem-se aí dois governos do Senador Aécio Neves (2003 a 2006 e 2007 a 2010)13 e parte da gestão de Antônio Augusto Junho Anastasia, à frente do mandato desde 2010.

Segundo Linhares e França Jr. (2013, p. 193) esse período representa “[...] um processo de flagrante declínio da educação pública em Minas Gerais, desde a implantação do tão acelerado ‘Choque de Gestão’, indo na contramão das propagandas que o governo faz de si mesmo para a população do Estado”. Os autores ainda afirmam que esse declínio tem sido observado pela comunidade escolar de Minas Gerais e vem paulatinamente provocando a perda da qualidade da educação, e comprometendo significativamente as condições de trabalho dos docentes da rede estadual, bem como ameaça o sentido da educação como um direito constitucionalmente assegurado.

A respeito desse período e da atual situação da educação básica em Minas Gerais o Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de Minas Gerais (SindUTE), em 2009, por meio da publicação intitulada Radiografia da Educação Mineira, expressou:

De norte a sul, o que se vê são escolas públicas estaduais em situação lastimável, enfrentando dificuldades de toda sorte, em condições degradantes. Por outro lado, aos olhos da mídia, sob vultosas contas publicitárias, o governo alardeia ‘verdades duvidosas’. [...] Violência, falta de infraestrutura e de investimentos nos profissionais da educação, inexistência de políticas públicas, desvalorização do serviço público, exclusão, esquecimento e descaso são cenas que o leitor confere [...]. Assim, comprovará que, de fato, Minas não respira liberdade (SindUTE, 2009, contracapa).

Percebe-se que o movimento sindical tem conferido duras críticas ao governo estadual, bem como à ausência de políticas educacionais que busquem a valorização da profissão docente, e por consequência melhores condições de trabalho para os professores. Oliveira (2013, p. 52) aponta três elementos necessários para se reverter parte desse quadro, pelo menos no que diz respeito a atuação docente: “[...] 1) a remuneração; 2) a carreira e condições de trabalho e 3) a formação inicial e continuada.” Estes elementos citados pela autora correspondem aos que o movimento sindical citam como pouco pressentes na profissão docente.

13 O segundo governo de Aécio Neves não foi completado pelo mesmo, tendo em vista sua renúncia em março

em 2010, para concorrer ao Senado da República. Em seu lugar, assumiu seu vice, Antônio Augusto Junho Anastasia.

As reformas educacionais em curso no Brasil evidenciam que as mudanças locais e nacionais fazem parte de um projeto de mudança global - baseado em princípios neoliberais - que acaba chegando com maior ou menor impacto em todas as partes do mundo, como apontam Ball et al. (2013). Aspectos que envolvem a precarização e intensificação do trabalho docente, bem como a flexibilização do mesmo e a liberação cada vez mais crescente de oferta de serviços na escola pública são algumas das características neoliberais presentes nas reformas educacionais.

A análise da política educacional no estado de Minas Gerais tem sido um trabalho árduo, pois há “[...] ausência e transparência de dados estatísticos, por parte da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG)”, como afirmam Linhares e França Jr. (2013, p. 194) além de existir um descompasso entre a realidade vivida pela comunidade escolar e àquela apresentada nas propagandas publicitárias veiculadas pelo governo estadual.

Diante do contexto político em que a educação mineira está inserida, fica evidente que o governo de Minas Gerais tem optado pela construção de uma gestão pública pautada em princípios empresariais,

[...] com a figura do Estado-empresa, gerador de eficiência, eficácia e consecução de resultados a qualquer custo, acabou por afastar o principio democrático da gestão e a expansão do acesso à educação de qualidade, na medida em que se diminui o papel governamental, priorizam-se as parcerias público-privadas e se mantém distância do diálogo com a sociedade civil. Nesse sentido, a política de educação mineira, assim como as demais políticas que visam ao acesso a direitos sociais, vem sofrendo fragmentações, atrelamento ao setor privado, buscando apenas configurar-se bem, de forma quantitativa, nos rankings nacionais e internacionais da Educação (LINHARES; FRANÇA JR., 2013, p. 200)

Ora, qualquer governo deve primar por eficiência e eficácia construindo políticas universalistas, e a gestão do estado de Minas Gerais tem privilegiado a focalização, pois como ressaltam Linhares e França Jr. (2013, p. 203) ao invés das ações políticas e sociais serem tomadas de modo abrangente, o que se tem visto é a seleção “[...] de alguns casos para que se tornem modelos, referência de determinada política, deixando à deriva aqueles que não foram selecionados. Opção clara de um governo que se pretende meramente enquanto vitrine eleitoral”. Os autores ainda apontam as duas frentes que representam a focalização na área de educação proposta pelo governo mineiro: a) Atuação contundente apenas sobre escolas de regiões vulneráveis (risco, violência e dificuldades de aprendizagem); b) Implantação das Escolas-referência (escolas modelo).

O Movimento Educação que Queremos, em 2009, a partir de dados oficiais demonstrou os desníveis da implantação do modelo de focalização, em que a prioridade adotada a partir do governo Aécio Neves passa a ser a adoção das políticas chamadas escolas- referência. Esse modelo político educacional é perverso, pois acaba aprofundando as desigualdades regionais, há uma inversão de prioridades, na medida em que uma minoria de escolas é privilegiada em detrimento à maioria, cria-se, portanto, as chamadas ilhas de excelência, e em meio a esse contexto cerca de 3.000 escolas da rede estadual acabam não sendo contempladas pelas mesmas ações, como aponta o Movimento Educação que Queremos (2009).

Observa-se, então, que nesse contexto político educacional o professor não é visto como agentes na promoção de uma educação de qualidade, pelo contrário, eles são responsabilizados quando o estado não atinge os níveis esperados de desempenho e aprendizagem, para tanto o governo estadual vem criando medidas para solucionar os baixos índices de desempenho, como por exemplo, a premiação para professores por desempenho de suas turmas, como afirmam Linhares e França Jr. (2013).

Os autores supracitados ainda afirmam que é importante observar que em Minas Gerais ainda tem professores sem formação em licenciatura atuando na rede pública, além do que existem professores que ministram aulas de disciplinas que eles não receberam formação, e não existe um projeto de formação inicial e/ou continuada para esses docentes.

Salienta-se, que a identidade do profissional docente em Minas Gerais está fragmentada, já que é possível encontrar quatro tipos de professores atuando na educação básica, são eles:

a) Professor efetivo: aquele que passou por concurso público e adquiriu estabilidade, regido como estatutário;

b) Professor efetivado: aquele que não passou por concurso público, teve adquirido o direito de ocupar o cargo através da lei complementar n 100. Não goza da estabilidade e de vários direitos garantidos ao servidor público; é celetista.

c) Estágio probatório: aquele que passou por concurso público, mas ainda não concluiu os três anos iniciais de sua carreira; é regido como estatutário. Passa por avaliação específica até poder alçar o status de professor efetivo;

d) Designado: aquele que não passou por concurso público; é contratado, regido como celetista; trabalha por contrato com prazo determinado.

(LINHARES; FRANÇA JR., 2013, p. 207)

Portanto, observa-se, como a identidade do profissional docente no Estado é fragmentada e não parece haver preocupação com a construção de políticas educacionais que promovam a formação inicial e/ou continuada desses profissionais, e que realmente criem

uma identidade para o professor da educação básica, pelo contrário, pois como foi apontado no Fórum em Defesa dos Serviços e Servidores Públicos de Minas Gerais (2013) os profissionais da educação têm enfrentado uma situação profissional deficitária, já que,

[...] o tão alardeado “choque de gestão” de Minas retirou direitos históricos dos servidores, tais como: fim dos quinquênios para quem ingressou no serviço público a partir de 2003 e redução dos quinquênios para quem ingressou antes dessa data; fim de políticas salariais conquistadas em governos anteriores; fim do apostilamento; quebra estabilidade do servidor por insuficiência de desempenho, por meio de avaliação com critérios subjetivos e punitivos, conferindo superpoder às chefias, sendo Minas o único ente da Federação onde isso ocorre; redução da presença do Estado em função das privatizações, fechamento de órgãos importantes e terceirização do serviço público.

Além de tudo isso, não se pode esquecer que Minas Gerais não implementou o piso salarial nacional e os planos de carreira dos profissionais das redes estadual e municipais que encontram-se defasados e grande parte dos profissionais em exercício estão sob o regime de contrato temporário, como afirmam Linhares e França Jr. (2013). Este é o contexto profissional em que os docentes estão inseridos, fica evidente que ele não é nem um pouco atrativo aos jovens brasileiros que desejam se formar e ter uma profissão digna, com boa remuneração, reconhecimento social.

A formação de professores para a educação básica deve partir de seu campo de prática e agregar a ele conhecimentos que vão além do pedagógico, que partam do princípio da educação cidadã, que tenham um caráter mais humano, social e político, pois, como ressalta Gatti (2010) o trabalho docente deve ter fundamentos e mediações considerados valorosos, por se tratar de formação voltada ao trabalho educacional com crianças e adolescentes.

Os educadores precisam ter uma formação baseada em uma bagagem cognoscitiva, repleta de conhecimentos, saberes e habilidades, pois como destaca Brzezinski (2007, p. 232) “[...] a polivalência e a especificidade, a participação e a individualização, a liderança e a cooperação, a abstração e as práticas concretas, a detenção do conhecimento e o domínio das tecnologias, a decisão do trabalho em equipe” representam conhecimentos, saberes e habilidades que resultam em uma nova maneira de entender a educação, expressa por Boaventura Santos (1996, p. 17) como “[...] educação para o inconformismo, para um tipo de subjetividade que submete a uma hermenêutica de suspeita a repetição do passado”, o que acaba representando o conhecimento para a emancipação, representada pela pedagogia da autonomia defendida por Freire (2011).

Conhecer o professor, identificar seu perfil social, cultural, econômico é essencial para ajudar na estruturação de políticas que promovam a formação de professores, de forma que tornem a profissão docente mais atrativa e valorizada e que propicie uma educação com qualidade. Como ressalta Silva (2011) o processo de valorização do profissional da educação perpassa por sua formação e pelo processo de profissionalização, daí a necessidade de uma sólida formação teórica, em que os futuros professores passem a conhecer as matrizes do conhecimento e produzi-las. Isso será possível apenas em cursos que assumam a licenciatura como projeto específico de curso.