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CAPÍTULO IV – PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE

4.1. CARACTERÍSTICAS E PARTICULARIDADES DO TRABALHO DOCENTE

Os docentes têm a mesma importância que qualquer outra categoria social, não constituem uma essência que necessite de uma definição particular, como destaca Fanfani (2011). Ainda segundo o autor, a especificidade docente reside no fato desta ser definida a partir de um conjunto de características cuja combinação define sua particularidade em cada sociedade e em cada etapa de trabalho.

Mas afinal, o que é docência? Trata-se de uma pergunta sociológica pertinente. “[...] es un servicio personal, es um trabajo con y sobre los otros y por lo tanto requiere algo más que el domínio y uso de conocimiento técnico racional especializado”, como afirma Fanfani (2011, p. 253). O autor destaca que o professor interfere no seu trabalho por meio da sua personalidade, emoção, sentimentos e deve ter compromisso ético com os educandos, mostrando preocupação com bem-estar e felicidade deles e se preocupando não apenas com o presente, mas com o futuro deles.

Portanto, ao analisar o trabalho docente, identifica-se como este se refere a uma profissão com características específicas, e como ressalta Barbosa (2011) quase sempre, bem distinta da maioria das outras profissões.

O trabalho docente, atualmente, tem sido definido de forma ampla, referindo-se não apenas à sala de aula, mas a todas as atividades relacionadas à educação, como destaca Oliveira (2010). Segundo Barbosa (2011) durante longo tempo, o trabalho do professor era entendido como tarefa destinada ao ensino, mas que esta imagem clássica foi modificada, pois o professor passou a realizar diversas atividades. Oliveira (2004) contribui com essa discussão ao afirmar que hoje a atividade docente não se restringe mais a sala de aula, ela passou a compreender também a gestão da escola, pois o professor participa de planejamentos, elabora

projetos, promove discussões referentes ao currículo e avaliação. Dessa forma, percebe-se o quanto se tem intensificado o trabalho docente e o quanto as análises em relação a ele tem se tornado complexas. Cria-se assim, a ideia de que os docentes são profissionais autônomos e que necessitam assimilar as exigências da performatividade (BALL et al. 2013). Dessa forma, os aspectos neoliberais que têm norteado as políticas de formação e profissionalização docente contribuem para que a docência deixe de ser uma profissão atraente para o jovem brasileiro.

O trabalho docente, pelo menos no discurso tem recebido muita importância, já que ele está vinculado à educação, sendo esta considerada por artigos veiculados pela mídia e pesquisas da área da economia um grande impulso ao desenvolvimento econômico do país, conforme Barbosa (BARBOSA, 2011). A autora ressalta que mesmo que esta seja uma afirmação verdadeira, a educação e o trabalho docente têm relevância não só econômica, mas cultural e política, já que a formação nas sociedades tem sido feita por meio do ensino escolar.

A complexidade da docência a faz em certa medida diferente de outras profissões, visto que o processo de ensino-aprendizagem é “[...] atravessado por influências de múltiplos aspectos – políticos, econômicos, sociais, culturais, psicológicos, éticos, institucionais, técnicos, afetivos, estéticos, entre outros” (MELO, 2008, p. 2). Assim, o professor está sempre em contato com uma diversidade cultural, emocional, pois o seu cotidiano é cercado de sujeitos heterogêneos que apresentam interesses e necessidades diferentes, o que acaba dificultando o trabalho docente, já que surgem situações na sala de aula durante o processo ensino-aprendizagem que vão além do conhecimento técnico do professor, exigindo dele sabedoria emocional para lidar com momentos de tensão, como ressalta Tardif (2012). Percebe-se quanto o trabalho docente exige grande disposição psíquica, visto que se trata de um trabalho que carrega consigo envolvimento emocional intenso, estendendo-se no tempo além das aulas.

Barbosa (2011, p. 19) afirma que a profissão docente apresenta um diferencial em relação às demais, já que o exercício da docência não se esgota com o fim das aulas, pois para uma prática comprometida e de qualidade “[...] são necessárias várias horas de trabalho extraclasse, com vistas a preparar aulas, corrigir atividades e provas dos alunos, realizar estudos que embasem as aulas, atender a pais de alunos, etc”. Assim, o professor para desenvolver um bom trabalho extraclasse irá consumir tempo igual ou superior ao da sala de aula.

Vale ressaltar que Gatti e Barretto (2009) apontam que a jornada de trabalho dos brasileiros é de 30 horas em média, porém deve-se considerar que se tratando dos professores essa jornada costuma ultrapassar o número de horas informadas, visto que o professor se divide entre o tempo de ensino e o tempo de trabalho, contribuindo com essa discussão Souza (2008, p. 2) ressalta a diferença entre uma e outra:

O tempo de ensino refere-se à aula propriamente dita, à atividade perante a classe. O tempo de trabalho refere-se ao processo de trabalho, à mobilização física e intelectual para o exercício da docência, na escola, no domicílio ou em lugares determinados para a preparação de aulas, correções, estudos, reuniões, etc.

Dessa forma, fica evidente que é muito difícil ter a real dimensão do tempo de trabalho do professor, pois as horas direcionadas ao trabalho extraclasse podem variar de acordo com o professor e o nível de ensino em que ele atua, extrapolando em várias horas o tempo dedicado ao ensino, ou mesmo ao tempo contratual, ficando o tempo destinado a ocupações pessoais como descanso, lazer e família comprometido. “Há também a presença marcante do trabalho doméstico entre as professoras, que representa uma carga de trabalho agregada”, como destacam Duarte et al. (2008, p. 226-227). Portanto, a análise do tempo de trabalho docente se torna mais complexa, visto que a presença feminina no magistério é muito acentuada e que frequentemente as mulheres são as responsáveis pela realização das tarefas domésticas e do cuidado dos filhos, o que acaba caracterizando o trabalho das mulheres como extenso e intenso.

A Lei nº 11.738 de 2008 (BRASIL, 2008), que estabeleceu o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN) para o magistério, determina que 1/3 da jornada de trabalho do professor seja destinada ao trabalho extraclasse. Porém, esse ponto da lei do Piso está suspenso, e de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) existem estados que não cumprem essa diretriz (CONSED, 2005). Já que não são todos os estados que pagam o piso salarial aos professores, bem como não existe consenso em relação à jornada de trabalho, mesmo esses itens sendo postulados pela legislação, conclui-se que há múltiplas formas da política nacional de educação ser concebida pelos entes federados.

Assim, é importante observar que as reformas nas políticas educacionais brasileiras não representam apenas acordos nacionais e internacionais, elas vêm sendo colocadas num contexto de embates políticos onde forças sociais, como associações docentes, sindicatos e sociedade civil, “[...] lutam para conquistar direitos sociais mais plenos e democráticos”, como destaca Voss (2011, p.45).

As diretrizes para os planos de carreira foram fixadas pela Resolução nº 2 da Câmara da Educação Básica (CEB), do Conselho Nacional de Educação (CNE), em 28 de maio de 2009 (BRASIL, 2009) e nela existe a recomendação de se aumentar o tempo destinado às atividades extraclasse realizadas pelo professor (CNE/CEB, 2009). Segundo a resolução os planos de carreiras deveriam ser elaborados, respeitando os seguintes critérios:

VII – jornada de trabalho preferencialmente integral de, no máximo 40 (quarenta) horas semanais, tendo sempre presente a ampliação paulatina da parte destinada às atividades de preparação de aulas, avaliação da produção dos alunos, reuniões escolares, contatos com a comunidade e formação continuada, assegurando-se, no mínimo, os percentuais da jornada que já vêm sendo destinados para estas finalidades pelos diferentes sistemas de ensino, de acordo com os respectivos projetos político-pedagógicos (CNE/CEB, 2009b).

A orientação do Plano Nacional de Educação dispõe que sejam assegurados no mínimo 20 a 25% da carga horária da jornada de trabalho às chamadas horas-atividades, sendo esta orientação mantida pelo inciso VII da resolução. No entanto, as atividades extraclasse realizadas pelo professor extrapolam esse percentual e por isso muitos sindicatos da categoria, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) defendem que 1/3 da jornada de trabalho do professor seja voltada a atividades de trabalho, como foi determinado pela lei do Piso (BARBOSA, 2011).

O trabalho docente é complexo, e se considerada a heterogeneidade de ser professor em um país de dimensões continentais como o Brasil, a análise se torna mais complexa, como ressalta Barbosa (2011). A autora destaca ainda que os professores brasileiros trabalham em diferentes níveis de ensino e em diferentes esferas administrativas, o que faz com que se componha um quadro bastante heterogêneo da docência brasileira.

Nesse contexto, Campos (1999) evidencia a existência de três diferentes corpos hierárquicos de profissionais do ensino na Educação Básica, sendo eles: o dos professores da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, que têm sua formação feita em Curso Normal de nível médio e em cursos de Pedagogia, os professores atuantes nesse nível de ensino são na maioria mulheres e atuam em uma única turma por período, tendo geralmente remunerações mais baixas; o corpo dos professores que atuam nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio é formado em cursos de licenciaturas para ministrar aulas em disciplinas específicas do currículo, esses costumam ter uma remuneração maior do que o do primeiro grupo, porém ministram aulas para muitas turmas para completar a carga

horária, para tanto atuam em diversas instituições, existe ainda uma terceira categoria de professores, os chamados docentes leigos, pois não possuem formação adequada para o exercício da docência.

O autor ressalta ainda que essas categorias de professores sobrevivem a diversas mudanças pelas quais o sistema educacional passa ao longo dos tempos, sendo incorporado ao seu perfil aspectos como perda de prestígio social e condições de trabalho mais difíceis, no entanto “[...] sem perder seus lugares na estratificação interna da profissão” (CAMPOS, 1999, p. 135).

A docência vem assumindo diferentes facetas dependendo do nível de ensino, da formação dos professores, bem como da esfera administrativa em que se realiza como destaca Barbosa (2011). A autora afirma ainda que a predominante presença das mulheres faz parte de mais uma das especificidades da docência, e que esta pode ser relacionada à etapa de ensino na qual se atua e ao nível de valorização da profissão, pois como Campos (1999) aponta em seus estudos quanto menor a idade do aluno, maior o número de mulheres atuando como professoras e menor a remuneração recebida pelo trabalho realizado.

Dessa forma, o trabalho do professor deve ser caracterizado como complexo e multifacetado como expõe Barbosa (2011), pois os professores não fazem parte de um grupo profissional bem definido, devido à heterogeneidade das condições em que se constitui o trabalho docente (ARANHA, 2007).

Barbosa (2011) é pontual ao afirmar que tem-se “[...] ao invés de “o professor”, “os professores”, ao invés de “a escola”, “as escolas”, ao invés de “a rede de ensino”, “as redes de ensino”“. Assim, essa complexidade que acompanha a docência e o ser professor não pode ser esquecida, sob a tentação de se construir reduções simplistas e irreais a respeito deste assunto. Deve-se reconhecer a diversidade de fatores que interferem no trabalho docente, para como ressalta Barbosa (2011) não criar um discurso de culpabilização dos professores, sendo que este discurso pode desconsiderar a complexidade do trabalho docente e afirmar que basta ter boa vontade e/ ou boa formação para garantir o sucesso escolar.

4.1.1 A carreira docente é atrativa?

O título dado a este tópico remete a alguns questionamentos: O quão atrativa é a carreira docente para os jovens brasileiros? Quais os aspectos que tornam a docência uma carreira atrativa? E quais os aspectos que a fazem não ser atrativa?

Segundo Louzano et al. (2010) organismos internacionais como o World Bank e a OCDE apontam que a atratividade da carreira docente pode estar ligada a diversos fatores, entre eles destacam-se: a) Flexibilidade: os professores têm a opção de trabalhar em tempo parcial, unindo outro trabalho à docência, de acordo com as necessidades pessoais e financeiras; b) Férias: os professores têm férias mais longas e frequentes do que outros profissionais; c) Taxas de desemprego baixas: é raro professores ficarem desempregados por longos períodos; d) Altruísmo: os professores carregam consigo a ideia de que podem contribuir para o desenvolvimento social.

No Brasil, no entanto, esses fatores não têm sido suficientes para despertar no jovem brasileiro o desejo de se tornar professor da educação básica, já que a precarização da carreira docente tem se intensificado com o passar do tempo, assim, esses fatores acabam não compensando as condições negativas de trabalho como o baixo status social que acompanha a profissão docente, as más condições de trabalho, exaustiva jornada de trabalho para compensar os baixos salários, sem falar que os professores pouco influenciam na construção de políticas públicas voltadas à educação, principalmente no que diz respeito ao trabalho do professor em sala de aula como apontam Moreira (1999); Lapo; Bueno (2002), Gatti; Barretto (2009); Barbosa (2011), Nascimento, Silva, Silva (2014) entre outros.

Pensar em atratividade profissional é pensar também em atratividade salarial, pois os jovens não querem escolher uma profissão que não lhes proporcionarão boas condições financeiras. Podem-se citar alguns estudos brasileiros que apontam a relação entre incentivos financeiros e escolha pela carreira docente: Afonso, Barbosa Filho, Pessôa (2007); Moriconi (2008); Barbosa, (2011).

Segundo Moriconi (2008) dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 1995-2006) mostram que as ocupações no setor privado representam o maior grupo de trabalhadores no Brasil 75%, enquanto o setor público fica responsável por 20% das ocupações. Os professores das escolas públicas e privadas representam 4,4% e 1,1% da população ativa, respectivamente.

Louzano et al. (2010) chamam a atenção para o fato de que trabalhadores com nível de escolaridade mais elevado que deveriam ser atraídos para a docência, acabam encontrando melhores oportunidades de emprego e remuneração no setor privado. Dessa forma, fica evidente que a precarização da profissão docente representa um empecilho no recrutamento de jovens com rico capital cultural e gosto pelo meio acadêmico. O estudo de Moriconi (2008) aponta que o professor da escola pública ganha, em média, 36% menos do que os

trabalhadores qualificados no setor privado e 19% menos que os professores das escolas privadas. E quando comparadas as diferenças salarias entre professores das escolas públicas e profissionais que ocupam outras funções também no setor público as diferenças são ainda mais gritantes, os salários dos professores passam a ser 52% menores do que o de outros funcionários públicos. A Tabela 7 mostra as diferenças salariais entre esses grupos profissionais.

Tabela 7. Diferenças salariais entre professores de escolas públicas e grupos de comparação (médias para 1995 a 2006)

Escolaridade do Outras ocupações Outras ocupações Professores do no setor privado no setor público setor privado trabalhador

% % %

Educação superior -36,0 -52,1 -19,3

Educação secundária 33,5 0,9 -1,5

Fonte: PNAD/IBGE, 1995 a 2006 In Moriconi (2008).

Fato positivo também ocorreu no mesmo período. O salário dos professores da escola pública teve um aumento em relação a outras ocupações. Em 1995, esses professores ganhavam 62% menos que outros profissionais do setor privado, já em 2006 essa diferença caiu para 17%, como pode ser observado na Tabela 8.

Tabela 8. Diferenças salariais entre professores de escolas públicas e grupos de comparação (para trabalhadores com educação superior)

Fonte: PNAD/IBGE, 1995 e 2006 In Moriconi (2008).

Outro aspecto do salário dos professores que contribui para que o jovem brasileiro não escolha a docência como profissão é o fato de não apenas o salário inicial ser atrativo, mas também as diferenças salariais por anos de experiência são desestimuladoras, pois como aponta Moriconi (2008) professores com dois anos de experiência ganhavam menos que outros profissionais com o mesmo tempo de serviço tanto no setor privado como público, a diferença era de 4,4% e 32,6% respectivamente. Além do que essa diferença salarial só faz aumentar com o passar dos anos, portanto “[...] a carreira docente não parece promissora no longo prazo, pois para indivíduos com mais experiência de trabalho, outras ocupações que não

Outras ocupações Outras ocupações Professores do

Ano no setor privado no setor público setor privado

% % %

1995 -61,9 -60,4 -30,1

o ensino são mais vantajosas financeiramente”, como ressaltam Louzano et al. (2010, p. 550) e como pode ser observado na Tabela 9.

Tabela 9. Diferenças salariais entre professores de escolas públicas e grupos de comparação de acordo com anos de experiência (para trabalhadores com educação superior)

Anos de experiência Outras ocupações no setor privado % Outras ocupações no setor público % Professores do setor privado Até 2 anos -4,4 -32,6 3,6 20 anos ou mais -34,9 -46,2 -6,4

Fonte: PNAD/IBGE, 2006 In Moriconi (2008).

Fica evidente que os baixos salários acabam representando uma das principais causas para a baixa atratividade da profissão docente. Para que essa situação mude é preciso pensar em políticas de valorização da profissão docente e como aponta Pinto (2009, p. 60) “[...] não existe valorização de uma profissão sem salários atraentes, que estimulem os melhores alunos do Ensino Médio a optar pela carreira.” Sem falar que um dos grandes indicadores de prestígio de uma profissão é o oferecimento de bons salários a quem opta por segui-la.

A pesquisa de Guimaraes-Iosif (2009) realizada com docentes da educação básica em uma escola da rede pública do Distrito Federal localizada em uma região periférica aponta que além das precárias condições de trabalho os baixos salários não lhes têm proporcionado exercer de forma plena a cidadania. “Os professores têm se tornado cada vez mais pobres, tanto no aspecto material como no aspecto político” (GUIMARAES-IOSIF, 2009, p. 150), já que os baixos salários acabam comprometendo a promoção da cidadania docente. Ainda segundo a autora os participantes da pesquisa afirmaram ser insatisfeitos com os salários que recebiam e acreditam que com menos de 11 salários mínimos não é possível manter condições básicas de sobrevivência em qualquer capital do País.

O professor depende de uma remuneração justa, já que é um profissional que necessita de capital cultural rico, é importante que ele viaje, leia muito, frequente teatros, cinemas, museus, participe de eventos na sua área e tenha condições de atender as necessidades básicas pessoais e de sua família.

4.2 IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL NA DESCONSTRUÇÃO DA