• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III − A investigação dos crimes da atividade de segurança privada

Artigo 57.º Exercício ilícito da actividade de segurança privada

2.2. A investigação criminal

2.2.2. A prova e sua obtenção

Nos termos do artigo 125.º, do C. P. Penal, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.

Formula-se neste artigo a regra geral da admissibilidade de qualquer meio de prova, em moldes que se não afastam do direito anterior. Para que um meio de prova não possa ser usado, terá que a proibição ser estabelecida por disposição legal, como sucede no artigo seguinte.18

18 GONÇALVES, Manuel Lopes Maia in «Código de Processo Penal Anotado – Legislação complementar», 16.ª Edição, Almedina 2007, págs. 318 e 319.

Por sua vez, nos termos do n.º 1 do artigo 126.º do C. P. Penal são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas (estas, concretizadas no n.º 2), mais estabelecendo o n.º 3 do mesmo preceito que, ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

À luz do quadro legal definido pelos preceitos ora referidos, desenha-se a admissibilidade, na investigação de crimes relacionados com o exercício ilícito da actividade de segurança privada, de todos os meios de prova previstos do Código de Processo Penal: prova testemunhal (artigos 128.º a 139.º); prova por declarações do arguido, do assistente e das partes civis (artigos 140.º a 145.º); prova por acareação (artigo 146.º); prova por reconhecimento (artigo 147.º a 149.º); prova por reconstituição do facto (artigo 150.º); prova pericial (artigo 151.º a 163.º); e prova documental (artigo 164.º a 170.º).

No entanto, considerando os elementos objectivos dos tipos legais em questão, alguns dos meios de prova acima referidos, dificilmente, terão aplicação. Desde logo, as declarações de assistente, em princípio, apenas terão lugar se, em concurso real e efectivo com o crime de exercício ilícito de actividade de segurança privada, tiver sido praticado um outro ilícito criminal, v.g. ofensa à integridade física, extorsão, inter alia. Com efeito, conforme melhor se alcança do bem jurídico tutelado pela incriminação - intangibilidade do sistema oficial de

provimento no exercício de profissão de especial interesse público – não se afigura admissível a

constituição de assistente, no âmbito deste tipo de crimes, à luz do disposto no artigo 68.º, n.º 1, al. a) e b), do C. P. Penal. De acordo com tal preceito, podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem as leis especiais conferirem esse direito, os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de dezasseis anos; e as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento. Ora, conforme já referido, tratando- se os ilícitos criminais em sujeito de crimes públicos, a lei não prevê a necessidade de apresentação de queixa ou a dedução de acusação particular. Por outro lado, com a incriminação das condutas previstas no artigo 57.º, números 1 a 4, da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, o legislador visou, em primeira linha, proteger a integridade e domínio do Estado no cumprimento da tarefa de assegurar a segurança dos seus cidadãos, o qual apenas não terá o exclusivo de tal missão nos termos expressamente previstos na Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, não se vislumbrando, assim, a existência de concretos indivíduos afectados pelo cometimento dos crimes, mas sim de um interesse geral do Estado com potenciais reflexos na esfera individual dos seus cidadãos.

No que concerne à prova pericial, prefigura-se a sua relevância na investigação de ilícitos desta natureza, desde logo, no que concerne aos crimes previstos nos ns. 1 e 4 do art. 57.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, quando exista informação, designadamente, em suporte informático, referente à identificação de indivíduos que prestem serviço de segurança privada, de forma ilícita, bem como aos horários por estes praticados, inter alia. De igual modo, quando em concurso real e efectivo com o crime de exercício ilícito da actividade de segurança privada seja praticado um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256.º do Código

Penal – nomeadamente, quando sejam exibidos documentos (alvarás, licenças, autorizações ou cartões profissionais), relativamente aos quais se levantem dúvidas quanto à sua originalidade - a realização de exame pericial assume absoluta pertinência e relevância para o apuramento da verdade.

De forma inequívoca, a prova testemunhal assume especial destaque na investigação dos ilícitos previstos no artigo 57.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio. Prova testemunhal essa que poderá ser produzida com a inquirição: dos agentes que, em sede de fiscalização, hajam detectado a ausência dos títulos legais necessários ao desenvolvimento da actividade de segurança privada, por determinado indivíduo ou sociedade comercial; dos cidadãos que, por frequentarem determinado espaço, reconheçam indivíduos que, sem titularem cartão profissional, exercessem alguma das funções de segurança privado previstas no artigo 18.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio (para esta finalidade, também a prova por reconhecimento poderá assumir especial relevância).

No tocante aos meios de obtenção da prova, cumpre desde já referir que, com a entrada em vigor da Lei n.º 34/2013, de 16 de Maio, e a elevação dos limites máximos das molduras abstractas aplicáveis, passa a ser possível a realização de escutas telefónicas na investigação deste tipo de ilícitos.

Com efeito, nos termos do artigo 187.º, n.º 1, do C. P. Penal, a intercepção e a gravação das conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:

a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.

Uma vez que, à luz do regime actual, as penas de prisão máximas aplicáveis são superiores a três anos (variando entre os quatro e os cinco anos) cessa o obstáculo legal à utilização deste meio de obtenção de prova na investigação de crimes relacionados com o exercício ilícito da actividade de segurança privada. Tal circunstância não prejudica, contudo, a verificação dos demais requisitos – de natureza material – previstos no n.º 1 do artigo 187.º do C. P. Penal. Com efeito, a realização de escutas telefónicas interfere com direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, mormente os previstos no artigo 34.º, ns. 1 e 4, da Lei Fundamental, que estabelecem a inviolabilidade do domicílio e do sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada e a proibição de toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo penal. Considerando a existência destes direitos e do regime de restrições previsto no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, bem se compreende que o legislador não permita o recurso a meios de intromissão e violação dos direitos referidos, salvo quando tal seja indispensável para a descoberta da verdade ou quando, de outra forma, a prova se tornasse impossível ou muito difícil de obter.

Impõe-se ainda o cumprimento dos demais requisitos formais previstos no artigo 187.º, n.º 1, do C. P. Penal - despacho fundamentado do juiz de instrução a requerimento do Ministério Público – bem como o âmbito de pessoas que podem ser sujeitas a escutas – que, nos termos do n.º 4 do sobredito preceito, se reconduzem ao suspeito ou arguido, pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido ou vítima de crime, mediante respectivo consentimento, efectivo ou presumido.

Uma vez que as escutas telefónicas regularmente efectuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental que o tribunal do julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência, a admissibilidade do recurso a este meio de obtenção de prova poderá, agora, empregar à prova documental um papel de maior protagonismo no decurso da investigação destes ilícitos criminais.

Por identidade de raciocínio, a elevação da pena máxima de prisão aplicável permite ainda recorrer aos meios de obtenção de prova previstos no artigo 189.º, do C. P. Penal – intercepção de conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente, correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e intercepção das comunicações entre presentes e obtenção de dados sobre localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações.