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Estratégias de investigação e de recolha de meios de prova

Capítulo III − A investigação dos crimes da atividade de segurança privada

2. Estratégias de investigação e de recolha de meios de prova

“A investigação criminal compreende o conjunto de diligências que, nos termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as provas, no âmbito do processo.” 27 São atribuídas a Raymundo Túlio28, filósofo catalão, a formulação das seis perguntas sacramentais da investigação criminal: o quê? Quem? Onde? Quando? Como? Porquê? O quê para a confirmação da existência de crime. O quem para a determinação dos autores, cúmplices ou outros agentes. O onde para saber o local onde ocorreu o facto. O quando para saber quando ou desde quando ocorreu. O como para perceber e caracterizar como foram cometidos os factos. O porquê para analisar a motivação dos factos. A resposta às referidas questões sacramentais obtém-se através da recolha de meios de prova.

A investigação criminal deste tipo de ilícitos implica a obtenção de prova testemunhal e de prova material, ou seja, havendo suspeitas de que determinada pessoa, singular ou coletiva, exerce a atividade de segurança privada sem ter o necessário alvará, licença ou autorização ou carteira profissional, há que recolher informações junto de pessoas e recolher objetos comprovativos desse exercício ilícito. Muitas vezes, estar-se-á perante dois ilícitos: o exercício da atividade de segurança privada sem alvará e o exercício de funções de segurança privado sem carteira profissional, pelo que a investigação deve estar atenta aos elementos que integram cada um dos ilícitos. Os agentes do órgão de polícia criminal que estiverem a realizar diligências de investigação deverão observar o comportamento daqueles que fazem a vigilância privada, o que deverão fazer durante algum tempo e antes de abordarem os suspeitos. O que devem observar? Se os suspeitos / agentes estão uniformizados, em caso afirmativo que nome e insígnia ostentam no uniforme, averiguar se corresponde a uma 26 A autonomia técnica assenta na utilização de um conjunto de conhecimentos e métodos de agir adequados e a autonomia tática consiste na escolha do tempo, lugar e modo adequados à prática dos atos correspondentes ao exercício das atribuições legais dos órgãos de polícia criminal.

27 Art.º 1.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto – Lei de Organização e Investigação Criminal.

28 JOSÉ BRAZ, Investigação Criminal, a organização, o método e a prova, os desafios da nova criminalidade, 3.ª edição, Edições Almedina, 2013, p. 64.

empresa titular de alvará, licença ou autorização29, se a empresa está regular e legalmente constituída, qual a sua sede, quem são os seus legais representantes30. Por parte do suspeito, pessoa singular, observar que atos específicos executa e que são próprios da função de segurança privado. Esta observação dos atos concretos que o agente realiza é das mais importantes na medida em que constitui um elemento nuclear deste ilícito. Em audiência de julgamento tem de ficar provado que atos concretos o agente realizava e que se integram nas funções de qualquer das categorias de segurança privado para a qual é exigida carteira profissional e que, por isso, não podia exercer. Por exemplo, saber se controla as entradas e as saídas dos clientes do estabelecimento, se entrega e recebe os respetivos cartões de consumo, se condiciona a saída dos clientes ao recebimento do valor do consumo, se controla a entrada de armas, de drogas ou de quaisquer instrumentos perigosos, bem como exerce quaisquer funções de controlo de permanência no interior do estabelecimento. Depois, quando já não restarem dúvidas que as pessoas estão a exercer funções de segurança privado, devem atuar. Desta forma, os agentes de investigação constituirão prova testemunhal relevante. Devem, ainda, identificar-se pessoas que tenham visto ou assistido a atos de prestação de serviços a terceiros de proteção de pessoas e bens, de organização de serviços de autoproteção, de prevenção da prática de crimes e a formação profissional do pessoal de segurança privada, designadamente clientes frequentes dos locais com segurança privada. Havendo testemunhas que sejam capazes de reconhecer os suspeitos/arguidos é conveniente fazer o reconhecimento de pessoas, nos termos do art.º 147.º do Código de Processo Penal. Desta forma acautelar-se-á a falta de memória resultante do decurso do tempo ou da transfiguração que os suspeitos / arguidos possam sofrer até à realização da audiência de julgamento, criando dúvidas nas testemunhas quanto à identificação daqueles. E como as empresas de segurança privada exercem a sua atividade através de pessoal de vigilância, também aqueles que exercem as funções de segurança privado constituem importante prova testemunhal, quando contratados pelas empresas suspeitas. E se estes não tiverem carteira profissional ou não tiverem a carteira adequada aos concretos serviços que estão a prestar, também estarão a cometer um ilícito criminal neste âmbito da segurança privada.

Identificados os suspeitos e uma vez constituídos arguidos devem os mesmos ser interrogados e confrontados com os factos. Decidindo prestar declarações, devem as mesmas ser efetuadas perante o magistrado do Ministério Público, com a assistência do defensor do arguido, de modo a que as declarações possam, eventualmente, ser lidas em audiência de julgamento, caso se venha a revelar útil e/ou necessário. O magistrado do Ministério Público deve informar o arguido do seu direito ao silêncio e das consequências da decisão de prestar declarações, isto é, deve informar o arguido de que se decidir prestar declarações, as que prestar, poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação do tribunal (cfr. art.ºs 143.º, 144.º n.º 1, ex vi art.º 141.º n.º 4 al. b), todos do Código de Processo Penal). O mesmo acontecerá relativamente às declarações prestadas pelo arguido, caso seja detido e sujeito a primeiro

29 Estas informações podem ser obtidas online através do portal da PSPS/SIGESP - https://sigesponline.psp.pt – que contém informações e funcionalidades destinadas aos cidadãos e às empresas no âmbito do exercício da atividade de segurança privada.

30 O que se pode verificar através do site http://publicacoes.mj.pt.

interrogatório judicial perante juiz de instrução criminal (cfr. art.º 141.º n.º 4 al. b) do Código de Processo Penal).

Quanto à prova material poderá ser a mais diversa consoante a natureza do espaço onde a atividade de segurança privada é prestada. Se pensarmos em recintos desportivos ou de diversão noturna, teremos bilhetes e títulos ou cartões de acesso ao seu interior que são recebidos e/ou entregues por aqueles que realizam a segurança desses espaços. Estes são exemplos de objetos de natureza material que poderão ser recolhidos e servir de meio de prova da prática do crime, permitindo identificar quem estava a exercer tais funções e que atos concretos realizava. Existindo objetos relacionados com a prática destes ilícitos devem os mesmos ser apreendidos e efetuados autos de exame direto e avaliação. Tais objetos podem ser submetidos a reconhecimento por parte de testemunhas o que deve ser registado em auto. Desta forma, tal como com o reconhecimento de pessoas, acautelar-se-á a falta de memória das testemunhas resultante do decurso do tempo até à realização da audiência de julgamento, onde poderão ter dificuldades em identificar os objetos apreendidos e associá-los à prática dos factos ilícitos. Na maioria dos casos, não será de realizar a reconstituição do facto dado que estamos perante um ilícito que, em princípio, será executado de forma contínua e não como ato isolado. Assim, no final do inquérito, teremos, pelo menos:

(i) Prova testemunhal com conhecimento direto dos factos: agentes policiais que realizaram a investigação, outras pessoas identificadas nos locais dos factos e que a eles assistiram (clientes, trabalhadores e prestadores de serviços dos espaços onde se verificou a prestação da atividade e outros transeuntes);

(ii) Reconhecimento de pessoas;

(iii) Declarações do(s) arguido(s) se decidirem fazê-lo na fase de inquérito; e (iv) Reconhecimento de objetos.

Recebido o relatório final das diligências realizadas pelo órgão de polícia criminal o magistrado do Ministério Público deve ponderar da necessidade de realizar diligências adicionais.