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Os elementos objetivo e subjetivo dos diferentes tipos legais

Capítulo II – Os ilícitos penais da atividade de segurança privada

2. Os elementos objetivo e subjetivo dos diferentes tipos legais

Refere o art.º 57.º n.º 1 da Lei n.º 34/2013, “quem prestar serviços de segurança privada sem o

necessário alvará, licença ou autorização é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias (…).” O exercício da atividade de segurança privada carece de um

título: alvará para a prestação de serviços de segurança privada dividido nas classes A, B, C e D, licença para a organização de serviços internos de autoproteção dividida nas classes A, B, C e D e autorização para o exercício da atividade de formação profissional de pessoal de segurança privado e de consultoria de segurança privada. Preenche este tipo legal o agente, pessoa singular ou coletiva, que exerça a atividade ou preste estes serviços sem estar devidamente autorizado, isto é, sem ter o respetivo título.Mas para que o ilícito se verifique é necessário que o agente pratique algum ou alguns dos atos próprios da atividade, ou seja, preste serviços de vigilância de bens móveis ou imóveis, de controlo de entrada, presença e saída de pessoas, fiscalize a entrada de armas, substâncias ou artigos de uso e porte proibidos, fiscalize títulos de transporte, elabore estudos e planos de segurança e de projetos de organização e montagem de serviços de segurança privada, de exploração e gestão de centrais de receção e monitorização de sinais de alarme e de videovigilância, de transporte, guarda, tratamento e distribuição de fundos e de valores e de consultoria de segurança privada, entre outros. Refere o art.º 57.º n.º 2 da Lei n.º 34/2013, “quem exercer funções de segurança privada não 15 C

RISTINA LÍBANO MONTEIRO, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra

Editora, Coimbra, 2001, p. 441.

16 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE eJOSÉ BRANCO (org.), Comentário das Leis Penais Extravagantes (anotação de

Miguel Ângelo Gomes Eugénio Carmo), Volume 1, UCE, 2010, p. 235.

17 Ac. TRP de 24-04-2013, relator Fernando Chaves, disponível em www.dgsi.pt, a propósito do crime de usurpação de funções.

sendo titular de cartão profissional é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias (…).” Conforme já referido, as empresas de segurança privada exercem a

sua atividade através de pessoal de vigilância cuja profissão é designada de segurança privado. Para se poder exercer esta profissão é necessário obter a respetiva carteira profissional sendo para o efeito exigido o preenchimento de um conjunto de requisitos específicos de admissão e de permanência na profissão.18

O cartão profissional é emitido pela Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública e é válido pelo período de cinco anos. Preenche este tipo legal o agente, pessoa singular, que exerça as funções de qualquer das especialidades que um segurança privado pode ter, sem ter qualquer cartão profissional que o habilite a tal, ou já tendo tido, tenha o cartão caducado. Para que este ilícito se verifique é necessário que o agente pratique algum ou alguns atos próprios da função de segurança privado, em qualquer das suas especialidades, atos esses que mais ninguém está legalmente autorizado a praticar, a não ser quem tenha essa carteira profissional. O que releva é o agente não estar habilitado para o efeito e exercer as funções de segurança privado. Será sempre através da análise das diferentes funções descritas na Lei n.º 34/2013, que encontraremos o exato sentido normativo-penal do tipo de crime, isto é, que se verificará se os atos concretos imputados ao agente preenchem, ou não, o tipo objetivo do ilícito. “Assim, alguém que seja contratado como coordenador de segurança, sem estar

legalmente habilitado para tal, e no âmbito das suas funções não execute nenhum acto de segurança privada, não pratica o crime de exercício ilícito de segurança privada, nem o crime de usurpação de funções, p. e p. pelo artigo 358.º, n.º 1 al. b) do Código Penal, pois em ambos os tipos legais é necessário que o agente pratique actos que não podia executar. Inversamente, não é pelo agente ser contratado como “porteiro” ou com outra categoria profissional (empregado de limpeza, por exemplo) que se encontra afastado o preenchimento do tipo legal de crime, (…).” 19 Ainda que a lei diga que o pessoal de segurança privado deva ser contratado por contrato de trabalho escrito, a verificação do ilícito não impõe que se apure o tipo de relação jurídica existente entre o agente prestador do serviço de segurança e a entidade beneficiária dessa atividade, ou seja, é irrelevante se existe ou não um contrato de trabalho, um contrato de prestação de serviço ou outro contrato qualquer ou sequer nenhum contrato. O que releva é a prática de atos próprios da função de segurança privado por quem não está habilitado para o efeito.20 Também não é elemento do tipo legal de crime em apreço o recebimento de qualquer remuneração ou benefício, sendo irrelevante se o agente é ou não remunerado.

Refere o art.º 57.º n.º 3 da Lei n.º 34/2013, “quem exercer funções de segurança privada de

especialidade prevista na presente lei e para a qual não se encontra habilitado é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.” A profissão de segurança privado tem as

especialidades de vigilante, de segurança-porteiro, de vigilante de proteção e

18 Vide supra Capítulo I, ponto 2.3. “o pessoal de segurança privado”, p. 10. 19 Ac. TRP de 24-10-2012, relator José João Teixeira Coelho Vieira, disponível em:

http://www.dgsi.ptwww.dgsi.pt.

20 Vide nesse sentido, Ac. TRC de 17-03-2010, Rel. Esteves Marques e Ac. TRP de 16-11-2011, Rel. Augusto Lourenço, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

acompanhamento pessoal, de assistente de recinto desportivo, de assistente de recinto de espetáculos, de assistente de portos e aeroportos, de vigilante de transporte de valores, de fiscal de exploração de transportes públicos e de operador de central de alarmes. Cada especialidade tem funções específicas, já supra descritas no ponto 2.3.2, que podem apenas ser exercidas por quem se encontrar autorizado e habilitado para o efeito. Neste tipo legal, o segurança privado possui carteira profissional mas exerce funções para as quais não se encontra habilitado. Por exemplo, o agente que possua uma carteira profissional de segurança-porteiro pode vigiar e proteger pessoas e bens em estabelecimentos de restauração e de bebidas com espaço de dança, controlar a entrada, a presença e a saída de pessoas nesses estabelecimentos, prevenir a prática de crimes, orientar e prestar apoio aos utentes em situações de emergência e exercer as funções correspondentes às especialidades de vigilante e de operador de central de alarmes. Mas se for encontrado a exercer a função de proteção pessoal pratica atos que lhe estão vedados e, por isso, comete um crime de exercício ilícito de segurança privado, nos termos do art.º 57.º n.º 3 do diploma legal em referência. Para que este ilícito se verifique é necessário que o agente pratique algum ou alguns dos atos próprios inerentes a qualquer das especialidades, não estando legalmente habilitado para a mesma, mas apenas para outra.

Refere o art.º 57.º n.º 4 da Lei n.º 34/2013, “na mesma pena incorre quem utilizar os serviços

da pessoa referida nos números anteriores, sabendo que a prestação de serviços de segurança se realiza sem o necessário alvará, licença ou autorização, ou que as funções de segurança privada não são exercidas por titular de cartão profissional ou da especialidade.” Neste

número temos a criminalização do beneficiário dos serviços de segurança privada, isto é, daquele que contrata os serviços da empresa de segurança sabendo que não tem o necessário alvará, licença ou autorização, ou beneficia das funções de segurança privado através de pessoa que não possui cartão profissional ou não possui cartão de acordo com a especialidade da função que exerce, sabendo que não possui tais habilitações. Este tipo legal será o mais difícil de preencher dado que o elemento específico do conhecimento da ilegalidade do exercício da atividade ou função será mais difícil de verificar e de comprovar. Se alguém utilizar os serviços de empresa de segurança privada ou de pessoa que exerce as funções de segurança privado, julgando que possui as habilitações legais necessárias para o efeito, sem que este erro lhe seja censurável, agirá sem dolo e, como tal, a sua conduta não será punível. Todos estes tipos legais exigem exclusivamente o dolo, em qualquer das suas modalidades, preenchendo-se com o conhecimento do agente que não possui título que o habilite a exercer a atividade ou a função, com conhecimento da proibição legal de exercer a atividade ou função sem alvará, licença, autorização ou carteira profissional. O dolo é a vontade consciente de praticar um facto que preenche um tipo legal, sabendo que o facto é ilícito, ou seja, o dolo do tipo exige o conhecimento e a vontade dirigida à prática do facto. Nas palavras de FIGUEIREDO DIAS “do que neste elemento verdadeiramente e antes de tudo se trata é da necessidade, para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência (…) das circunstâncias do facto (…) que preenche um tipo de ilícito objectivo.” Com

efeito, é necessário que “ao actuar, o agente conheça «tudo quanto é necessário a uma

correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter de ilícito”, porquanto “só quando todos os elementos do facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá vir a afirmar que ele se

decidiu pela prática do ilícito.”21 Assim, nestes tipos legais, o agente tem de representar e querer todos e cada um dos elementos da factualidade típica: o conhecimento de que não possui título que o habilite a exercer a atividade ou a função, o conhecimento da proibição legal de exercer a atividade ou função sem o título correspondente, o conhecimento de que as pessoas contratadas não possuem os títulos necessários, consoante o tipo legal em causa, e o exercício de atos concretos da atividade de segurança privada.

A punibilidade a título de negligência está afastada.

O art.º 58.º da Lei n.º 34/2013 prevê a responsabilidade das pessoas coletivas e entidades pelos mesmos crimes nos termos gerais. Prevê-se, assim, a punição, direta e expressa, das pessoas coletivas, apesar de, naturalmente, estar dependente da ação de pessoas físicas. Nos termos gerais, podem ser responsabilizadas as pessoas coletivas em geral, como sociedades comerciais, fundações e associações, e entidades equiparadas, como as sociedades civis e as associações de facto. O Estado, outras pessoas coletivas públicas22 e organizações internacionais de direito público não podem ser responsabilizadas.

A imputação de um crime a uma pessoa coletiva pode ocorrer em duas situações:

(1) Quando alguém que ocupa uma posição de liderança praticou um facto ilícito típico em seu nome e no interesse coletivo;

(2) Quando alguém que ocupa uma posição subordinada cometeu um facto ilícito típico em resultado de uma violação dos deveres de vigilância da pessoa que ocupa uma posição de liderança sobre esse subordinado.

A responsabilidade da pessoa coletiva é excluída quando o agente tiver atuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. “Por um lado, é requisito formal da

responsabilidade penal das pessoas colectivas que a infracção seja praticada por pessoas físicas que ocupem, dentro da organização e estrutura das sociedades, uma posição de liderança ou que a infracção seja praticada por pessoas físicas que actuem sob a autoridade das pessoas com poderes de liderança. Por outro lado, é requisito material da punição criminal das pessoas colectivas, que os actos sejam praticados em seu nome e no interesse colectivo ou, ainda, que o crime tenho sido cometido em virtude da violação dos deveres de vigilância ou controlo. 23

Exige-se que o crime seja praticado por pessoas físicas que ocupam uma posição de liderança e que atuam em nome da pessoa coletiva, isto é, a pessoa atua no exercício e no âmbito das

21 Em, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime, Coimbra, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Janeiro 2011 (reimpressão), p. 351.

22 Nos termos do art.º 11.º n.º 3 do Código Penal, a expressão abrange entidades públicas empresariais, entidades concessionárias de serviços públicos, independentemente da sua titularidade e as demais pessoas coletivas que exerçam prerrogativas de poder público.

23 F

ILIPA VASCONCELOS DE ASSUNÇÃO, A Responsabilidade Penal das Pessoas Colectivas – Em Especial a

Problemática da Culpa, Dissertação de Mestrado orientado para a investigação, Universidade Católica Portuguesa, disponível em www.fd.lisboa.ucp.pt/research.

suas funções, agindo em nome da pessoa coletiva e não em nome próprio. Se a pessoa atua para além das suas funções e para além dos poderes conferidos os factos não podem ser imputados à pessoa coletiva. A atuação no interesse da pessoa coletiva é outra das condições de imputação do crime, devendo a pessoa física que ocupa a posição de liderança atuar de acordo com o objeto social da pessoa coletiva. Dando como exemplo o caso de um bar, pertencente a uma pessoa coletiva, se existir controlo de entrada e de saída de pessoas do interior do edifício efetuado por pessoa não titular de cartão profissional, a pessoa coletiva, titular do estabelecimento de acesso condicionado, é responsável criminalmente, para além da pessoa que exerce essas funções. Mesmo que se trate de um espaço em que não seja obrigatório ter um serviço de segurança, não se afasta a punibilidade dos arguidos, “porquanto

não constitui elemento do crime, que o estabelecimento, para o qual prestou serviços o arguido pessoa singular, estivesse obrigado a ter tal serviço de segurança ou de vigilância”.24

Às pessoas coletivas devem ser aplicadas a título principal as penas de multa previstas para cada um dos ilícitos, consoante o caso, dado que não lhes podem ser aplicadas penas privativas da liberdade.