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Uma primeira introdução ao conceito de segurança privada

Capítulo III − A investigação dos crimes da atividade de segurança privada

III. Considerações finais

1. Uma primeira introdução ao conceito de segurança privada

A segurança é, nos nossos dias, um valor quase absoluto, determinante para o desenvolvimento saudável e harmonioso da sociedade e dos seus cidadãos.

Uma sociedade pacífica, onde o clima de segurança, paz e tranquilidade esteja presente e bem sedimentado, é, sem dúvidas, um elemento decisivo para o crescimento económico, para o desenvolvimento e maturação da sociedade e de todos aqueles que a integram e, bem assim, para a própria estabilidade política1.

Tal sentimento de segurança permitirá, por seu lado, a criação das condições de exercício dos direitos individualmente reconhecidos a todos os cidadãos, de forma livre.

A segurança é, por isso, diríamos, o meio necessário para o usufruto do fim último: a liberdade.

Esta relação umbilical entre o direito à segurança e o direito à liberdade é reconhecida nacional e internacionalmente em vários instrumentos jurídicos de extraordinária importância. Nos termos do artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, “Todo o indivíduo

tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”2.

1 Nelson Lourenço, “Cidades e Sentimentos de Insegurança: Violência Urbana ou Insegurança Urbana?”, disponível em http://www.fd.unl.pt/Anexos/3841.pdf.

2 A Declaração Universal dos Direitos do Homem foi adoptada pela Organização das Nações Unidas a 10 de Dezembro de 1948.

No mesmo sentido, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia estabelece, no seu artigo 6º, que “Toda a pessoa tem direito à liberdade e à segurança.” 3.

Também a Constituição da República Portuguesa prevê a especial conexão entre o direito à segurança e o direito à liberdade, quando estabelece, no seu artigo 27º, nº 1, que “Todos têm

direito à liberdade e à segurança.”.

O direito à segurança, tal como o direito à liberdade, estão constitucionalmente consagrados como direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Ora, tendo em consideração a importância e o significado do direito à segurança, importa perceber, desta forma, sobre quem recai a responsabilidade de reunir as condições adequadas ao livre exercício daquele direito.

A resposta a tal questão é apresentada pela própria Lei Fundamental.

De facto, com a epígrafe “Tarefas fundamentais do Estado”, estabelece a al. b), do artigo 9º, que cabe ao Estado a tarefa fundamental de “Garantir os direitos e liberdades fundamentais

(…)”.

Assim, conjugado o teor das aludidas disposições constitucionais, designadamente constantes da al. b) do artigo 9.º e do nº 1 do artigo 27.º, n.º 1, é ao Estado que incumbe garantir a segurança de todas as pessoas, “o qual significa essencialmente garantia de exercício seguro e

tranquilo dos direitos, liberto de ameaças ou agressões… O sentido do texto actual comporta duas dimensões: a) dimensão negativa, estritamente associada ao direito à liberdade, traduzindo-se num direito subjectivo à segurança (direito de defesa perante agressões dos poderes públicos); b) dimensão positiva, traduzindo-se num direito positivo à protecção através dos poderes públicos contra as agressões ou ameaças de outrem (segurança da pessoa, do domicílio, dos bens).4

É, portanto, ao Estado a esta entidade que compete assegurar o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, entre os quais se inclui, obviamente, o direito à segurança.

O Estado terá, por isso, a incumbência de “garantir a ordem a segurança, e a tranquilidade

públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática.”5.

3 A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, assinada a 7 de Dezembro de 2000, em Nice, enuncia um conjunto de direitos, liberdades e princípios reconhecidos a todos os cidadãos europeus e a todas as pessoas residentes no território da União.

4 J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 1.º Volume, 4.ª Edição Revista, pág. 478 e 479.

5 Artigo 1º, da Lei 53/2008, de 29 de Agosto.

Para tanto, o Estado tem ao seu dispor as diversas forças policiais, cujo objectivo determinante é garantir a segurança da ordem interna, podendo, para esse efeito, recorrer ao uso da força. Porém, vivemos num cada vez mais globalizado, mais autonomizado, menos dependente da actuação estatal, não só porque os cidadãos, individualmente considerados ou em grupo, dispõem de uma maior liberdade de iniciativa, como também porque o próprio Estado vem-se demitindo do exercício de funções antes consideradas fundamentais, restringindo, por isso, o seu raio de acção.

Deste modo, a salvaguarda dos interesses privados de determinados particulares impõe a determinação expressa de meios alternativos à salvaguarda da sua protecção, seja enquanto pessoa individual, seja enquanto negócio ou interesse de cariz económico pertencente a um conjunto de pessoas.

A importância das empresas destinadas ao preenchimento de tais lacunas revela-se no facto de estas terem, de certa forma, limitado os efeitos nocivos que poderiam advir da natural impossibilidade de o Estado apresentar-se como omnipresente na resposta às necessidades individuais de cada cidadão, sendo notório o crescimento deste sector6.

Contudo, importa não negligenciar que, não obstante a importância da sua actividade, estas empresas movem-se, maioritariamente, por interesses meramente lucrativos.

Por outro lado, o Estado não pode eximir-se ao cumprimento das suas funções que têm expresso reconhecimento constitucional, porquanto, estando em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais, estes apenas podem ser restringidos nos termos previstos no artigo 18º, nº 2, da Constituição, isto é, nunca por livre e justificada iniciativa de um particular. Coloca-se, por isso, a questão sobre se, não obstante o supra exposto, designadamente quanto às competências constitucionalmente conferidas ao sector público, a segurança privada assume, desta forma, um ramo autónomo na árvore da segurança dos cidadãos em particular e da sociedade em geral, independente da malha de actuação ou intervenção do Estado, ou se, pelo contrário, este mais não é do que uma mera consequência do regular cumprimento das competências que ao Estado cabe assegurar, no âmbito da própria segurança interna.

6 De acordo com o teor do Relatório anual de Segurança Privada do ano de 2012 (disponível em www.psp.pt/SP_CONSELHO_SEGURANCA/Relatório%20Anual%20de%20Segurança%20Privada%20-

%202012.pdf), entre 2006 e 2010, o emprego no sector da segurança privada cresceu 18,9%, tendo decaído ligeiramente em 2011 (3,7%), empregando, no entanto, perto de 38.000 trabalhadores, sendo que as empresas que laboram neste sector são responsáveis por um volume de negócio de cerca de 762 milhões de euros.

2. Da natureza jurídica do exercício da actividade da Segurança Privada, por oposição à