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A segurança – evolução no texto constitucional e na lei ordinária

Capítulo III − A investigação dos crimes da atividade de segurança privada

IV. Hiperligações e referências bibliográficas Hiperligações

2. O regime jurídico-criminal da segurança privada hodierno; 1 Os tipos legais da Lei n.º 34/2013, de

1.1. A segurança – evolução no texto constitucional e na lei ordinária

Liberdade, medo e segurança.

Estes três conceitos constituem as premissas necessárias à compreensão das opções legislativas que infra cuidaremos de analisar, não apenas na consagração constitucional do direito à segurança, como também, na introdução, no ordenamento jurídico português, de diplomas que, na sua génese, tiveram subjacentes preocupações do Estado com a segurança dos seus cidadãos, enquanto indivíduos singulares, mas também na qualidade de agentes económicos, cujas diversas áreas de actuação profissional devem beneficiar das necessárias condições de protecção do Estado, designadamente, condições de segurança.

1.1.1. A evolução do direito fundamental à segurança no texto constitucional

O direito à segurança mereceu distinto tratamento por parte dos diversos textos constitucionais que vigoraram no ordenamento jurídico português, sendo certo que, conforme salienta Rui Pereira, «os textos mais marcantes em matéria de segurança, na nossa história

constitucional foram os de 1822 e 1826. O primeiro consagra-a como direito fundamental e define-o em termos muito actuais, como garantia do exercício de outros direitos. O segundo assume-a já como atribuição essencial do Estado. São, afinal, as constituições de pendor mais liberal e democrático que assumem a necessidade de prever e regular a segurança. As Constituições de orientação contrária tendem a ignorá-la no discurso sobre os direitos dos cidadãos»1.

Absolutamente omissa em matéria de segurança, a Constituição de 1838 teve o mérito de recolocar os direitos fundamentais em lugar de destaque. De igual modo, na Constituição republicana de 1911, a matéria da segurança não mereceu especial atenção. Na Constituição de 1933, «a segurança não era concebida como direito fundamental nem como função do

Estado».

Conforme conclui o autor supra citado, no que concerne à Constituição de 1976, importa referir que foram as revisões constitucionais de 1997 e de 2001 que, com maior ensejo, 1 PEREIRA, Rui, «A Segurança na Constituição» in «Estudos de Direito e Segurança», Volume II, Coordenação: Jorge Bacelar Gouveia, Almedina, 2012, págs. 409 a 421.

cuidaram da matéria da segurança, assumindo uma «linha “securitária”, ditada pelas

necessidades de prevenção, repressão e investigação de uma criminalidade cada vez mais prolífera, grave, violenta e complexa».2 Assim, no tocante à RC de 1997, vejam-se as alterações efectuadas nos arts. 27.º, n.º 3, al. g), 32.º, n.º 6, 33.º, ns. 3 e 4 e 164.º, als. q) e u). No que concerne à RC de 2001 destacam-se as alterações as arts. 7.º, n.º 6, 33.º, n.º 5 e 34.º, n.º 3.

1.1.2. Espécies de Segurança

Da evolução dos textos constitucionais resultou a actual redacção do n.º 1 do art. 27.º: «Todos

têm direito à liberdade e à segurança».

A interconexão entre liberdade e segurança, reveladas pela norma que antecede, está ainda presente no Direito Internacional. Assim, no seu art. 3.º, a Declaração Universal dos Direitos do Homem3 prevê: «todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal». Também a Carta dos Direitos Fundamentais4, no artigo 6.º, prevê: «toda a pessoa tem direito à liberdade e à segurança». Tradicionalmente, os direitos de liberdade e segurança reconduziam-se, instintivamente, à liberdade pessoal de cada cidadão e ao seu direito a ser protegido contra violações de uma tal liberdade. A compreensão prática de ambos os direitos (e conceitos) encontra-se na origem da segurança interna.

«A segurança interna é a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, reprimir e prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e garantir o respeito pela legalidade democrática».5

Tal conceito resulta do n.º 1 do art. 1.º da Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto, que aprovou a Lei da Segurança Interna. Nos termos do n.º 3, do art. 1.º do diploma ora em sujeito, as medidas aí previstas «destinam-se, em especial, a proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz

pública e a ordem democrática, designadamente contra o terrorismo, a criminalidade violenta ou altamente organizada, a sabotagem e a espionagem, a prevenir e reagir a acidentes graves ou catástrofes, a defender o ambiente e a preservar a saúde pública».

Para a prossecução de tais objectivos concorrem as forças de segurança interna, elencadas no art. 25.º: Guarda Nacional Republicana; Polícia de Segurança Pública; Polícia Judiciária; Serviço

2 PEREIRA, Rui, ob. cit.

3 Aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, aos 10.12.1948.

4 Elaborada por uma Convenção que associou representantes dos parlamentos nacionais, juristas, universitários e representantes da sociedade civil às instituições europeias, a Carta dos Direitos Fundamentais foi adoptada enquanto recomendação e texto de referência pelo Conselho Europeu de Nice em Dezembro de 2000. Trata-se de um texto complementar à Convenção Europeia dos Direitos do Homem lançada pelo Conselho da Europa –

http://www.europarl.europa.eu/aboutparliament/pt/0003fbe4e5/Carta-dos-Direitos-Fundamentais-da- UE.html .

5 Art. 1.º, da Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto.

de Estrangeiros e Fronteiras; Serviço de Informações de Segurança; Órgãos da Autoridade Marítima Nacional; e órgãos do Sistema da Autoridade Aeronáutica.

Com o desenvolvimento da actividade económica no âmbito do sector privado – manifestamente impulsionado pela consagração constitucional do exercício livre da iniciativa económica privada (cfr. art. 61.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) – o Estado deparou-se com o surgimento de diversas actividades e serviços cujo regular funcionamento carecia de medidas aptas a garantir condições de segurança, não apenas a quem os prestava, como ainda aos demais cidadãos que deles beneficiavam. Todavia, em razão da proliferação de tais actividades e do elevado número de pessoas envolvidas, tornava-se inviável ao Estado acautelar as já referidas necessidades de segurança através das forças de segurança pública, sob pena do comprometimento das finalidades a estas forças acometidas.

«(…) atualmente, temos assistido à passagem do Estado-providência ao Estado-parceiro, sendo que esta transformação se reflectiu na função policial. A função policial deixou de ser uma função exclusiva de polícia pública. Mas, considerando a inexistência de polícia privada em Portugal e que a indústria da segurança privada não detém prerrogativas de autoridade pública, certas valências da função policial podem ser exercidas por algumas entidades singulares ou colectivas»6

O reconhecimento da necessidade de privatização de algumas funções policiais fez nascer uma nova actividade económica que, de forma acrescida, impunha uma clara e rigorosa regulamentação dada a sua potencialidade de afectar, directamente, o direito fundamental à liberdade que, conforme já referido, é permanentemente afectado, no seu exercício, pelo direito à segurança.