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2. Prática e Gestão Processual

2.6. As diligências de inquérito

O crime de insolvência dolosa é punível com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias – artigo 227.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal.

Quando tais factos sejam praticados por um terceiro, com o conhecimento do devedor ou em benefício deste, a pena é especialmente atenuada – artigo 227.º, n.º 2, do Código Penal –, isto é, prisão até 3 anos e 4 meses, e multa de 10 a 400 dias.

A Diretiva n.º 1/2014, de 15 de janeiro de 2014, da Procuradoria-Geral da República, determinou que, sempre que seja registado um inquérito com suspeito identificado e cujo objeto da investigação integre crime a que seja aplicável a suspensão provisória do processo, deverá ser apurado, de imediato, através da consulta do Registo Criminal e da Base de Dados da Suspensão Provisória do Processo, se aquele tem condenação anterior ou se lhe foi aplicada suspensão provisória por crime da mesma natureza (ponto 1. do Capítulo II da Seção I). Assim, 37 Nestes casos, coloca-se a questão de saber se, ainda não tiver sido declarada judicialmente a insolvência, se deverá ou não iniciar-se o procedimento criminal. Propendemos para entender que o inquérito deverá ser iniciado, realizando-se as diligências de inquérito necessárias até que seja declarada judicialmente a insolvência, solicitando-se ao referido processo que, logo que proferida, seja a mesma remetida aos autos de inquérito.

a requisição de CRC e a consulta da Base de Dados deverão ser das primeiras diligências a levar a cabo no inquérito.

Por outro lado, nos termos do disposto na Circular n.º 11/99, de 03 de novembro, da Procuradoria-Geral da República, deve ser comunicada a instauração do inquérito ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal, mediante preenchimento e envio de uma ficha cujo modelo se encontra anexo à referida Circular.

Uma outra diligência inicial é a inquirição do administrador da insolvência, que deverá fazer- se acompanhar de toda a documentação que tenha em seu poder relativamente ao devedor.38 Sempre que possível, deverá o Magistrado do Ministério Público presidir a essa inquirição, dada a especificidade do crime em causa e a necessidade de selecionar a documentação apresentada pelo administrador da insolvência que deverá ser junta aos autos.

Em face das declarações prestadas pelo administrador de insolvência e dos documentos que, no ato da sua inquirição – ou posteriormente –, foram juntos, o Magistrado deverá ponderar a oportunidade de remessa do inquérito para investigação na Polícia Judiciária. Com efeito, deverá ser ponderada, caso a caso, a decisão sobre se o inquérito há-de ser tramitado nos próprios Serviços do Ministério Público ou na Polícia Judiciária. Apenas deverá ser remetido à Polícia Judiciária em casos mais complexos, que reclamem especiais conhecimentos técnicos (ex. contabilidade), de grande dispersão territorial ou que reclame uma investigação de cariz iminentemente policial. Pelo contrário, em casos mais simples, em que a prova se fará quase exclusivamente por recurso a prova documental e à inquirição do administrador da insolvência, deverão os autos ser tramitados nos próprios serviços do Ministério Público. Ainda que se opte pela transmissão dos autos à Polícia Judiciária, deverá, antes disso, ter-se especial atenção quanto à pertinência da prática de atos da competência exclusiva da autoridade judiciária (ex. pedido de informações bancárias, segredo de justiça, buscas, etc.), evitando-se que o inquérito seja remetido ao OPC e, pouco tempo depois, devolvido para a prática desses atos, despendendo-se tempo, sem que nenhum ato investigatório relevante tenha sido praticado.

Uma outra diligência inicial é, em certos casos, a inquirição do técnico oficial de contas da sociedade que poderá esclarecer vários aspetos contabilísticos, evitando o recurso a perícias, muitas vezes desnecessárias.

Deverá também ser apreciada a necessidade do pedido do próprio processo de insolvência, para consulta e extração de fotocópias de documentos que nele já constem, nomeadamente, dos próprios articulados39. Com efeito, aqueles autos podem conter documentação contabilística que ateste o desenrolar da atividade do devedor e poderá ser benéfico conhecer a posição que este tomou nos articulados que apresentou no processo de insolvência.

Se o inquérito teve origem em certidão enviada pelo tribunal cível, nos termos do artigo 297.º, do CIRE, em princípio, não haverá necessidade de pedido do processo para consulta. Em todo

38 Com efeito, caso a insolvência já tenha sido declarada, na sentença foi determinado que o devedor entregasse, de imediato, ao administrador da insolvência todos os documentos referidos no artigo 24.º, n.º 1, do CIRE – artigo 36.º, alínea f), do CIRE.

39 Petição inicial, oposição, sentença da declaração judicial de insolvência, relatório do administrador da insolvência do artigo 155.º, do CIRE, sentença de qualificação, auto de arrolamento de bens e reclamação de créditos.

o caso, sempre que seja requisitado o referido processo, ter-se-á que ter em conta a natureza urgente daqueles autos e apensos (artigo 9.º, do CIRE).

Por vezes, será útil a inquirição de trabalhadores da insolvente, sobretudo daqueles que tenham intervenção na área contabilística, administrativa e financeira. A sua inquirição permitirá conhecer a evolução do desempenho contabilístico e económico do devedor e, bem assim, a quem estava entregue a gestão diária da sociedade (gestores/administradores de facto, responsáveis nos termos referidos em 1.8). Por outro lado, permitirão a recolha de prova quanto à agravação ditada pelo artigo 229.º-A, do Código Penal.

Em alguns casos, a inquirição de clientes também reveste importância, sobretudo nos casos em que se verificam desvios de pagamentos feitos pelos clientes ao devedor. Assim, por recurso à inquirição dos próprios clientes poderá confirmar-se se os pagamentos foram feitos e, em caso afirmativo, em que termos e a quem.

Poderá ainda haver necessidade de recolha de informação bancária (números e extratos de contas, fichas de clientes, fichas de assinaturas, etc…), as quais deverão ser solicitadas, pelo Ministério Público, ao abrigo do artigo 79.º, n.º 2, alínea d), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 36/2010, de 2 de setembro).

Também poderá ser essencial a realização de buscas, incluindo buscas domiciliárias ou em escritórios de advogados, frequentemente os depositários de documentos sensíveis das sociedades.

As buscas domiciliárias, neste tipo de criminalidade, terão que ser ordenadas por juiz de instrução, nos termos do disposto no artigo 177.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não sendo, pois, tal ato da competência do Ministério Público – artigo 177.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

No que concerne a buscas em escritórios de advogados, há que ter presente que terão de ser presididas, pessoalmente, pelo Juiz de Instrução, com a presença de um representante da Ordem dos Advogados – artigo 177.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

Por fim, a prova pericial pode ser efetuada pela Unidade de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária ou pelo Núcleo de Apoio Técnico da Procuradoria-Geral da República40. O despacho que determinar a realização de perícia deverá respeitar o disposto no artigo 154.º, do Código de Processo Penal, indicando o objeto da perícia e os quesitos a que os peritos deverão responder, remetendo-se toda a informação e documentação relevantes.