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A relação do Direito Penal com outros ramos do Direito

o

Direito penal é ramo do direito público interno, pois o Estado detém o monopólio

do direito de punir (jus puniendi), mesmo quando a acusação é promovida pelo ofendido (ação penal privada). O direito de punir estatal é o poder-dever que o Estado tem de aplicar as normas estatais e, no âmbito penal, impor pena como consequência jurídica decorrente do fato de que o indivíduo violou regra de convívio social, pois praticou um crime.

Frise-se que a tutela jurídica que o Direito Penal exerce refere-se sempre a interes- ses da coletividade, mesmo quando se trata de bens individuais, tais como a vida, o patrimônio e a honra.

1.6.1. Direito Penal e Direito Constitucional

Pela importância da Constituição, todo o ordenamento infraconstitucional, inclu- sive as normas de Direito Penal, deve ser interpretado a partir dela. Mais que isso, os próprios bens jurídicos penalmente tutelados estão nela consagrados.

Ademais, diversos princípios de Direito Penal são ou foram constitucionalizados justamente no escopo de proteger o cidadão frente ao possível arbítrio do Estado: prin- cípio da legalidade ou da reserva penal (art. 5o, XXXIX), da personalidade da pena

(art. 5o, XLV), da individualização da pena (art. 5o, XLVI), da proscrição de determinadas

penas (art. 5o, XLVII), do direito de defesa, do devido processo legal e das garantias da

execução penal (art. 5o, LIII a LXVIII e XLVII a L), da não extradição de nacionais ou

por crime político ou de opinião (art. 5o, LI e LII), todos da CF/1988.

Sob outro aspecto, por competir à Constituição a organização fundamental do Estado, sua estrutura político-administrativa, e diante da constatação de o Direito Penal ser exercitado pelo Estado, é óbvio que o modelo de Estado adotado (totalitário, inter- ventor, democrático de direito etc.) irá influenciar na criação, interpretação e aplicação das normas punitivas.

1.6.2. Direito Penal e Direito Administrativo

A imposição de pena criminal é um monopólio estatal. Há, portanto, íntima relação entre Direito Penal e Direito Administrativo. Por outra vertente, as normas jurídicas relativas à administração pública influenciam a aplicação das normas penais, tanto na prevenção como na repressão do delito.

Não se deve confundir, entretanto, ilícitos administrativos com ilícitos penais. Apesar de ontologicamente não se distinguirem, há diferenças com relação às fontes de criação, bem como à gravidade das consequências, não se podendo, assim, igualar as sanções disciplinares (advertência, demissão etc.) com as sanções penais (pena em sentido estrito e medida de segurança).

Todavia, um dos problemas contemporâneos mais relevantes decorre justamente da possibilidade de imposição, para um mesmo fato, de sanções penais e administrativas. Em relação a esta possibilidade, ela tem sido discutida no âmbito do chamado princípio do ne bis in idem, também conhecido como proibição da dupla punição ou

double jeopardy. De forma tradicional, se faz uma distinção entre nemo debet bis vexari pro

una et eadem causa (ninguém pode ser submetido a mais de um processo pelo mesmo

delito) e nemo debet bis puniri pro uno delicto (ninguém pode ser castigado duas vezes pelo mesmo delito).28

O princípio do ne bis in idem gera muitas questões, sendo que a maior parte delas se refere à definição do idem e do bis. Uma delas diz respeito a ser possível ou não um pro- cesso ou uma sanção adicional, além da primeira imposta, seja penal ou administrativa. Em um mundo globalizado e em que tem havido um aumento da severidade das san- ções administrativas, parece que as relações entre Direito Penal e Direito Administrativo tendem a ser cada vez mais relevantes.

1.6.3. Direito Penal e Direito Processual Penal

Também conhecido como Direito Penal adjetivo ou formal, o Direito Processual Penal tem estreita conexão com o Direito Penal. Afinal, é por meio do processo que o Estado exerce o jus puniendi.

O Direito Processual Penal pode, assim, ser definido como sendo o complexo de normas destinadas a regular a atuação da jurisdição penal, na constatação da existência de um fato punível e na aplicação das penas e medidas de segurança previstas na lei penal. 29

A relação entre as duas disciplinas é tão estreita que o próprio CP dispõe sobre matérias de forte conteúdo processual, tais como a ação penal e a prescrição penal. Isso gera intensos debates, tanto doutrinários como jurisprudenciais, até porque a contagem dos prazos de Direito Penal é diversa do Direito Processual (cf. art. 10, do CP, e art. 798, § 1o, do CPP).

Assevere-se, ainda, que a tramitação do processo penal é igualmente objeto de proteção jurídico-penal, que incrimina infrações como o falso testemunho ou a falsa perícia, a coação no curso do processo, a fraude processual (arts. 342, 344, 347, do CP), dentre outros.

1.6.4. Direito Penal e Direito Civil

Embora não tão estreito, pode-se registrar a existência de relações entre esses dois setores do Direito, tendo em vista que ambos protegem bens jurídicos. Há, de certa

28. Sobre o tema, vide Vervaele, John A. E.El derecho penal europeo: del derecho penal económico y financiero a un derecho penal federal. Lima: Ara, México: Ubijus, 2006, p. 501-509; Japiassú, Carlos Eduardo Adriano. O princípio do ne bis in idem no direito penal internacional. In: Revista da Faculdade de Direito de Campos. Ano IV – n. 4, ano V – n. 5, Campos dos Goitacases: FDC, 2003-2004, p. 91-122.

forma, uma complementariedade das normas penais às normas de Direito Privado (Civil e Empresarial). Não por outro motivo que algumas normas penais incriminado- ras dependem, para sua compreensão, de definições emanadas do Direito Civil, como, por exemplo, nos crimes de bigamia e induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (arts. 235 e 236, do CP).

Frise, todavia, que se é certo que tanto o Direito Penal como o direito privado tutelam bens e interesses jurídicos, o fazem de forma peculiar e autônoma. Isto não significa que deixem de interessar ao Direto Penal muitos conceitos estabelecidos pelo Direito Civil.30

Aduz-se que a previsão da obrigação de reparar o dano como um dos efeitos da condenação penal (art. 91, I, do CP) reforça essa relação de interdependência e de auto- nomia, vis a vis o art. 935, do Código Civil.

c a p í t u l o

i

t ít u l o

Q U ES TÕ ES

F U N DA M E N TA I S

D O D I R E I TO P E N A L

ii

A CIÊNCIA

CONJUNTA DO

DIREITO PENAL

2.1. CoNSiDErAÇõES GErAiS

V

árias são as disciplinas que se relacionam com o Direito Penal,

com o crime e com o criminoso. Ao conjunto dessas disciplinas tem-se chamado de “ciências criminais” ou – como prefere Luís Jiménez de Asúa – “enciclopédia de ciências penais”.1

Aqui se optou por tratar de algumas delas: a dogmática jurídico- -penal ou ciência do Direito Penal, que tem por objeto o estudo da norma penal; a criminologia, que estuda o crime em sua realidade fenomênica; e a política criminal, atividade do Estado no controle da criminalidade. Ciências ou disciplinas auxiliares seriam a medicina legal, a psico- logia judiciária e a criminalística.

2.2. A CiÊNCiA Do DirEiTo PENAL ou