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Escolas e tendências do século XX

a

escola clássica e a Escola Positiva foram provavelmente as mais bem estruturadas

e com princípios mais claros e homogêneos. De certo modo, o reflexo da “luta” entre aquelas ecoou não apenas no final do século XIX, mas por boa parte do século XX. Os próprios integrantes das Escolas superaram “vaidades” e “antigos rancores”. Positivistas debutaram “Tratados de Direito Penal”, e Clássicos admitiram a adoção de “medidas especiais” para menores ou portadores de doenças mentais.

Sob o signo do ecletismo, outras correntes surgiram, sobretudo no continente euro- peu. A primeira delas foi a chamada Terza Scuola, da qual fizeram parte Carnevale, Alimena e Impallomeni. Acolheu o princípio da responsabilidade moral, distinguindo imputáveis e inimputáveis. O crime é fato social e individual e o fim da pena é a defesa social e é distinta da medida de segurança.61

Outra corrente de pensamento importante foi a chamada Escola Moderna Alemã, fundada por Franz von Liszt. Preocupado com o pensamento dos “substitutivos penais” de Ferri, von Liszt tratou de sistematizar o Direito Penal, admitiu a fusão com outras ciências, como a criminologia e a política criminal, além de dar especial atenção ao fim a que se orienta.62 Em outros termos, mais que fundar uma nova escola, von Liszt

59. Jiménez de Asúa, Luís. El nuevo Derecho Penal..., cit.

60. Cid Moliné, José; Larrauri Pijoan, Elena. Teorias criminológicas. Barcelona: Bosch, 2001, p. 57-58. 61. Fragoso, Heleno Cláudio. Op. cit., p. 91.

62. Embora autor de inúmeras obras, o pensamento de Franz von Liszt foi condensado no seu influente Tratado de Direito Penal, em dois volumes, pioneiramente traduzido, para uma lingua diversa do alemão (português), pelo brasileiro José Hygino Duarte Pereira, antes mesmo das conhecidas versões francesa e espanhola.

pretendeu reunir membros da Escola Clássica e da Escola Positiva a partir dos pontos de convergência entre eles.63

Cumpre registrar que além da indiscutível contribuição dogmática, Franz von Liszt teve o mérito de ter fundado, em 1889, a Associação Internacional de Direito Penal (AIDP), juntamente com o holandês Gerard van Hamel e o belga Adolphe Prins. Àquele tempo, denominava-se União Internacional de Direito Penal. No entanto, com a deflagração da Primeira Guerra Mundial, a União foi dissolvida, reiniciando-se os seus trabalhos em 1924, agora sob a denominação AIDP, sediada, até os dias de hoje, em Paris. Pode-se, assim, afirmar que a AIDP é, seguramente, a maior e a mais antiga associação científica destinada aos estudos das Ciências Penais em todo o mundo. Ela é órgão consultivo das Nações Unidas em matéria penal. Dentre as suas atividades científicas está a publicação da Révue Internationale de Droit Penal (International Review

of Penal Law), cujo primeiro número surgiu, justamente, no ano da sua fundação (1924),

bem assim pela organização e realização de congressos internacionais de Direito Penal, que, após 1964, passou a ter um intervalo de cinco anos.64

As quatro áreas de atuação da AIDP são as seguintes: (1) Política Criminal e Codificação do Direito Penal; (2) Justiça Penal Comparada; (3) Direito Penal Internacional; e (4) Direitos Humanos e Administração da Justiça Penal. Por sua vez, os Congressos da AIDP se dividem em quatro seções, que tratam, respectivamente, de Direito Penal – Parte Geral, Direito Penal – Parte Especial, Direito Processual Penal e Direito Penal Internacional.

Observa-se, assim, que a AIDP está direcionada a cientistas, e em especial aos penalistas, criminólogos e a todos aqueles que se ocupam ou se interessam pelas Ciências Criminais. Ela conta, atualmente, com cerca de 3.000 membros, localizados em 97 países, e com 43 Grupos nacionais que a representam em seus países de origem; dentre eles, merece destaque o Grupo Brasileiro, que teve em seus quadros diretivos juristas como Nélson Hungria, Roberto Lyra, Evandro Lins e Silva, João Marcello de Araujo Junior, René Ariel Dotti e Heleno Cláudio Fragoso (que fundou, em 1974, o Grupo Brasileiro). Hoje, Carlos Eduardo Adriano Japiassú é o Secretário Geral Adjunto e Sérgio Salomão Shecaira é membro do Conselho de Direção.65

Pode-se, portanto, afirmar que a iniciativa de von Liszt, van Hamel e Prins rendeu – e ainda rende – frutos inestimáveis, contribuindo sobremodo para o progresso das Ciências Penais.

Retornando às correntes e tendências do século XX, cumpre registrar que, na Itália, surgiu, com Arturo Rocco, a chamada Escola Técnico-Jurídica, que pretendeu rever a orientação da Escola Positiva. Considerava que havia uma confusão ao reunir

63. Dotti, René Ariel. Op. cit., p. 157.

64. Apenas para ilustrar, os mencionados encontros científicos foram os seguintes: Bruxelas (1926), Bucareste (1929), Palermo (1933), Paris (1937), Genebra (1947), Roma (1953), Atenas (1957), Lisboa (1961), Haia (1964), Roma (1969), Budapeste (1974), Hamburgo (1979), Cairo (1984), Viena (1989), Rio de Janeiro (1994), Budapeste (1999), Pequim (2004) e Istambul (2009). 65. Ademais, como visto anteriormente, no Rio de Janeiro realizou-se o Congresso de 1994, o único ocorrido até hoje no continente americano e reputado como o maior da história da Associação, tendo tido em torno de 1.500 participantes.

aspectos antropológicos e criminológicos na análise do crime, desconsiderando os seus aspectos morais e jurídicos. Numa palavra, mais que uma Escola, esta corrente representou uma renovação no método do Direito Penal (Dogmática), enfatizando-o como fenômeno jurídico.66

A marcha evolutiva dos estudos penais foi novamente afetada com a Segunda Guerra Mundial, assistindo-se, na Europa, à eclosão de regimes totalitários, regimes estes que manipularam a academia e a prática penal com resultados sabidamente deletérios. Antes de prosseguir a análise pós Segunda Guerra, pode-se fazer uma síntese daquilo que Jiménez de Asúa classificou de “trégua de escolas”, com os seguintes caracteres:

A) Tendência unitária

Como visto, as teorias penais abrandaram seus antagonismos. Segundo afirmado por Maggiore, no fundo, não eram muitas as discrepâncias que separavam os repre- sentantes das tendências existentes, em particular a finalidade de “tutela jurídica” e da “defesa social”, dos Clássicos e dos Positivistas, o que pode ser evidenciado com o predomínio da Escola Técnico-Jurídica, que absorveu as conquistas das correntes anteriores. Os ares eram de união de todos os penalistas de todas as escolas para, acima das particularidades, contribuir ao aperfeiçoamento da disciplina penal.

O unitarismo ora apresentado evidenciou-se, em particular, com as codificações penais da primeira metade do século XX, cujos diplomas agregaram as contraditórias concepções de “culpa” como pressuposto da “pena” e de “periculosidade” como pres- suposto das “medidas de segurança”.

B) Recrudescimento dos estudos filosófico-penais

A Escola Positiva tentou varrer do Direito Penal toda a metafísica, estabelecendo o método de indagação experimental. No entanto, com a tendência técnico-jurídica, da qual os tratadistas alemães se destacaram – von Liszt, von Beling, Max Ernest Mayer, Reinhard Frank, Gustav Radbruch, Adolf Merkel, Edmund Mezger, Hans Welzel, dentre tantos outros –, retornaram, com força, os estudos filosófico-penais, a rigor jamais abandonados em solo germânico, influenciando a Ciência Penal de muitos povos, inclusive o Brasil.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, diante do quadro de violações estatais, surgiu um movimento denominado Defesa Social, sob a liderança de Filippo Gramática. Tal corrente foi revista e ampliada em 1954, por Marc Ancel, passando a chamar-se Nova Defesa Social. Houve, ainda, uma terceira tendência, em 1985, denominada Novíssima Defesa Social.67

Em linhas gerais, esse conjunto de pensamento sustentava que não se pode, de fato, prescindir do princípio da legalidade penal, bem assim da responsabilidade individual e da independência da magistratura. Ademais, defendia a proteção da vítima, dos grupos

66. Cf. Bruno, Aníbal. Direito Penal..., cit., p. 118.

67. Araujo Jr., João Marcello de. Os grandes movimentos da política criminal do nosso tempo – aspectos. In: Araujo Jr., João Marcello de (org.). Sistema penal para o terceiro milênio: atos do Colóquio Marc Ancel. Rio: Revan, 1990, p. 85.

marginalizados e dos indivíduos em perigo. Quanto aos crimes, considerava necessária a descriminalização de infrações de pequena monta, concentrando-se o magistério punitivo para a persecução das graves infrações contra a economia, os direitos coleti- vos e os interesses difusos. Preocupou-se, ainda, com a criminalidade praticada pelo Estado. Em qualquer caso, defendia-se que não seria possível a utilização de “regras de emergência”. Essa corrente rejeitava a pena de morte, o uso indiscriminado da prisão processual e das penas privativas da liberdade. Rejeitava, na execução penal, a ideia de tratamento do preso (reeducação forçada), garantindo-se o direito de ser diferente.68

Em síntese, a Novíssima Defesa Social, portanto, significou uma proposta não radi- cal de modificação do Direito Penal.

Paralelamente, outra corrente de pensamento que surgiu em meados do século XX e que influenciou o Direito Penal foi o que se convencionou chamar de Movimento de Lei e Ordem. Esta tendência fez-se presente, em particular, após a Guerra do Vietnam, como reação ao incremento da criminalidade nos grandes centros urbanos. Com efeito, o pano de fundo da doutrina da Lei e Ordem foi o aumento aparente da violência urbana, o incremento de atentados terroristas nos “anos de chumbo”, o aparecimento de grandes “organizações criminosas”, gerando-se, dessa maneira, um apelo para o recrudescimento penal. A tudo isso se somou a crise da ideologia da ressocialização.

Basicamente, os Movimentos de Lei e Ordem tiveram como características: (1) a pena se justifica como castigo e retribuição; (2) os crimes de especial gravidade devem ser punidos com penas severas e longas, não se descartando o uso das penas capital e perpétua; (3) para crimes violentos, as penas privativas da liberdade deveriam ser cumpridas em estabelecimentos penais de segurança máxima, com regime excepcio- nalmente severo, distintos daquele destinado aos demais condenados; (4) deveria haver a ampliação das prisões cautelares; (5) deveria, ainda, ser restringidos os poderes de individualização da pena e do controle judicial da execução penal, passando-se, este último, a ser feito pelas autoridades penitenciárias.69

Dos demais movimentos político-criminais relevantes do século XX, merece desta- que a chamada Política Criminal Alternativa. Cuidou-se, em realidade, de uma expres- são genérica para um conjunto de correntes de pensamento que se contrapunham aos chamados Movimentos de Lei e Ordem. Dentre as tendências que compuseram a Política Criminal Alternativa, podem ser mencionadas (1) a Criminologia Crítica; (2) a Criminologia Radical; e (3) a Criminologia da Reação Social.70

Embora também partilhasse a crítica da ideologia do tratamento, a Política Alternativa defendeu solução diametralmente oposta àquela defendida pelos Movimentos de Lei e Ordem. Dentre suas proposições podem ser destacadas: (1) a abolição das penas privativas da liberdade; (2) a política criminal deve levar em conta a classe social de onde provém; (3) a adoção de um grande movimento de descriminalização (abolição

68. Araujo Jr., João Marcello de. Op. cit., p. 86. 69. Idem, p. 72.

de crimes), despenalização (penas alternativas a prisão) e desjudicialização (diversion), na medida em que não for possível a abolição do sistema penal; (4) a criminalização de condutas que atentem contra os interesses de grupos então desprotegidos (mulheres, consumidores, operários etc.), bem como meio ambiente.71