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uitas são as designações atribuídas à nossa disciplina: Direito Repressivo, Direito

Protetor dos Criminosos, Direito de Luta contra o Crime, Direito Restaurador, Direito Sancionador, Direito Transgressional, Direito de Defesa Social etc. No entanto, as duas principais denominações foram e continuam a ser Direito Criminal e Direito Penal.4

A primeira – Direito Criminal – é mais antiga e estaria relacionada à etapa histórica de forte vinculação do Direito com a Religião. De toda sorte, cuida-se de terminologia que prevaleceu, quase que isoladamente, até meados do século XIX. Por exemplo, no Brasil, a codificação elaborada ao tempo do Império chamava-se Código Criminal. Ainda hoje, Direito Criminal é a denominação utilizada nos países que seguem a tra- dição da common law, como Reino Unido e Estados Unidos.

Por sua vez, a expressão Direito Penal vincula-se ao longo processo de secularização da disciplina e, em razão disso, foi ganhando, paulatinamente, a preferência lexicológica dos estudiosos e do público em geral, deslocando para um plano secundário a anterior denominação. Contribuiu para a sua prevalência o fato de que Direito Penal representa, imediatamente, a característica principal desse ramo do Direito (a pena).

No entanto, com o surgimento, nas diversas legislações, das medidas de segurança, o termo Direito Penal foi posto em causa, pois vários doutrinadores passaram a exigir um mínimo de coerência terminológica no tocante ao seu novo e mais amplo conteúdo (pena e medidas de segurança).5 Em que pesem as críticas, tem-se que a expressão Direito

Penal continua a ser majoritariamente adotada não somente no Brasil, como também na maioria dos países de tradição romano-germânica – à exceção de Portugal –, como, por exemplo, Alemanha, Espanha, França, Itália e todos os Estados latino-americanos.6

A palavra pena origina-se do latim poena que, por sua vez, deriva da expressão grega poiné. Na Grécia antiga, o termo poiné era usado para nomear uma forma de indenização feita pelo matador em favor dos parentes da sua vítima. Esse mesmo termo era utilizado na mitologia grega, na qual a expressão nomeava a deusa responsável por dar castigos. Ao ser transposto para a língua latina, passou a ser tratado como poena (plural: poenae), que possuía o sentido de multa, punição ou castigo. Posteriormente, a

3. García-Pablos de Molina, Antonio. Introducción al Derecho Penal. 4. ed. Madrid: Ramón Areces, 2006, p. 43. 4. Cf. Jiménez de Asúa, Luís. Tratado de Derecho Penal. Tomo I. 5. ed. Buenos Aires: Losada, 1964, p. 30-31. 5. García-Pablos de Molina, Antonio. Op. cit., p. 49.

6. Cf. Pradel, Jean. Droit pénal comparé. 3èno. éd. Paris: Dalloz, 2008, passim. Sobre Portugal, sustenta Eduardo Correa, que a

designação “Direito Criminal”, além de ser mais exata, teria a seu favor a tradição dos velhos juristas estrangeiros e portugueses. Ademais, o crime “é o elemento central da nossa disciplina e daí a conveniência de ser ele raiz da sua designação.” (Correa, Eduardo. Direito Criminal. Vol. I. Coimbra: Almedina, 1993, p. 2).

palavra se expandiu e foi adotada por diversos outros idiomas. Cite-se, como exemplo, o termo inglês penalty, que expressa também uma espécie de punição. No Brasil, adota-se o vocábulo pena, cujo uso na língua portuguesa comporta diversos sentidos, derivados de diferentes fontes latinas. Assim, além do significado jurídico de punição, tem-se pena como sinônimo de pluma (do latim penna) ou de rochedo (pinna).7

A expressão crime provém das línguas grega e latina. No latim medieval, ele vem de

cernere, verbo da base indo-europeia krei que significava peneirar, separar, discriminar.

Foi, contudo, o idioma grego que deu ao termo o sentido jurídico, derivado do verbo

krimein, verbo este frequente na linguagem bíblica, onde significava o ato de julgar. Com

o passar do tempo, surgiu a fórmula latina crimen, que tinha o sentido pejorativo de calúnia ou falsa acusação. Mais tarde, passou a ter também o sentido de acusação. Isso quer dizer que, sob o aspecto etimológico, a palavra crime não designava exatamente uma ação, um ato ou um comportamento humano, mas sobretudo o ato de julgar alguém no âmbito de um procedimento institucional de tipo judiciário.8

Outro vocábulo fundamental da disciplina – delito – provém do latim delictum, supino de delinquere. O verbo delinquere pode ser compreendido a partir da divisão das partes que o compõem, ou seja, de, que significa completamente, adicionado de linquere, que indica sair, deixar ou abandonar. A junção de tais segmentos formava o sentido, no latim, de ofender, fazer o errado ou praticar uma falta, sentido jurídico este veiculado, posteriormente, pela generalidade das línguas, inclusive a nossa.9

Anote-se, ainda, que no modelo brasileiro instaurado a partir do Código Criminal do Império, crime e delito são expressões equivalentes (art. 1o, do CC/1830), ambos se

diferenciando, pela maior gravidade, da infração penal denominada contravenção (do latim contraventione; verbo contraveniere, que significa ir contra, transgredir, violar ou infringir). Nesse sentido, o art. 1o, da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-lei

no 3.914/1941), considera crime ou delito a infração penal a que a lei comina pena de

reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; e contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Em suma, o Brasil adota, historicamente, o sistema bipartido ou dicotômico para as infrações penais (crime ou delito, de um lado, e contravenção penal, de outro).10

7. Cf. Ernout, A; Meillet, A. Dictionnaire etymologique de la langue lantine. Histoires des mots. 3èno. éd. Paris: Klincksieck,

1951, p. 917.

8. Cf. Pires, Álvaro P. La criminologie d’hier et d’aujourd’hui. In: Histoire des savoirs sur le crime et la peine. Vol. 1. Debuyst, Christian; Digneffe, Françoise; Pires, Álvaro. Bruxelles: De Boeck, 2008, p. 19.

9. Cf. Ernout, A; Meillet, A. Op. cit., p. 301.

10. O Direito Penal brasileiro (dicotômico) diferencia-se dos demais que adotam o sistema tripartido ou tricotômico, como na França, onde “crimes” são infrações penais mais graves; “delitos”, infrações penais intermediárias; e “contravenções de simples polícia”, infrações penais de natureza leve (cf. Souza, Artur de Brito Gueiros. Espécies de sanções penais: uma análise comparativa entre os sistemas penais da França e do Brasil. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 49, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 10).