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Diferentemente da orientação clássica, a Escola Positiva possuía um caráter unitário e universal. Ela surgiu em um contexto de predomínio, nas ciências naturais, da ideolo- gia evolucionista de Darwin e, nas ciências sociais, do Positismo de Comte. Chamou-se

Scuola Positiva por se pautar pelo método da observação dos fatos para a apresentação

das causas gerais da criminalidade, método este chamado de “galileiano” por Ferri. Atribui-se, em geral, ao advento do livro O homem delinquente, do médico italiano Cesare Lombroso, em 1876, como o marco fundador da Escola. Lombroso examinava cadá- veres de criminosos mortos e, em um deles, Vilella, encontrou a famosa “fosseta occipital média”, que indicaria ser ele um ser menos evoluído entre seres humanos.54 Sustentou,

assim, a tese do “criminoso nato”, que seria regressão ao homem primitivo (atavismo). Em que pese a tese de Lombroso em pouco tempo ter sido objeto de críticas demo- lidoras de pensadores como Gabriel Tarde e Paul Topinard, ela teve o mérito de afirmar que a delinquência não decorria exclusivamente do livre arbítrio, mas tinha outras causas possíveis, como, por exemplo, fatores biológicos, psicológicos ou sociológicos. Além de Lombroso, outros dois grandes autores da “nova orientação” foram Rafaelle Garofalo e Enrico Ferri.

A obra fundamental do Barão Rafaelle Garofalo foi o livro Criminologia (1885), onde pretendeu desenvolver o conceito de “delito natural”, isto é, o comportamento nocivo

per se em qualquer sociedade e em qualquer momento. Segundo ele, delito natural seria

a ofensa aos sentimentos altruístas primordiais de piedade e de probidade, segundo o padrão médio das raças superiores. Outra contribuição de Garofalo foi a noção teórica de “temibilidade”, depois substituída por uma expressão mais incisiva: “periculosidade”.55

Já Enrico Ferri – talvez o grande revolucionário de toda a Escola – representou a diretriz sociológica do positivismo, classificando o livre arbítrio, de seu antigo mestre Carrara, como “mera ficção”. Segundo ele, o delito seria o resultado da ação de fatores diversos: individuais, físicos e sociais, predominando, contudo, os sociais (densidade da população, família, moral, religião, educação, alcoolismo etc.). Não menos célebre foi

54. Dotti, René Ariel. Curso de direito penal. Parte Geral. 2. ed. Rio: Forense, 2004, p. 154. 55. Garofalo, Rafaelle. La Criminologie. 4ème éd. Paris: Félix Alcan, 1895, p. 47.

a teoria dos “substitutivos penais”, por intermédio da qual pretendia “sepultar” de vez toda a disciplina do Direito Penal, colocando, em seu lugar, um ambicioso programa político-criminal de luta e prevenção do delito (medidas de segurança). No ocaso da vida, Ferri manchou sua biografia acadêmica transigindo com o Facismo em troca de um duvidoso apoio ao seu Anteprojeto de Código Penal (1921).

Em linhas gerais, Jiménez de Asúa discrimina os principais caracteres da Escola Positiva:56

A) Método experimental

Partindo da distinção entre Direito Penal e Criminologia, os positivistas condenaram o sistema dogmático e aplicaram à nossa ciência o método experimental, ampliando-se sensivelmente o estreito enfoque abstrato-especulativo então existente. Conforme dito por Ferri: “Esta ciência positiva consente em abandonar, às vezes, a atmosfera grave das salas acadêmicas, para ir renovar-se e fortificar-se ao ar livre, em contato com todas as formas real ou idealmente vivas de personalidade humana”.57

B) Responsabilidade social derivada do determinismo e temibilidade do delinquente

Desde os seus primeiros passos, polemizaram os positivistas contra a doutrina do livre arbítrio: o primeiro trabalho de Ferri, como dito, objetivou demoli-la por completo. Em seu lugar, edificou-se a tese da responsabilidade social e elevou à condição de “certeza absoluta” a fórmula da temibilidade. Fundamentalmente, o homem é respon- sável pelas ações delitivas por ele externadas tão somente porque vive em sociedade e enquanto viver em sociedade. A sociedade, a seu turno, tem o direito e, ao mesmo tempo, a missão de prover a própria defesa. Sendo assim, não se prescinde do direito de apenar, mas, apenas, substitui o seu fundamento: não mais a escolha entre o lícito e o ilícito; se o homem está “determinado” a cometer um crime, a sociedade está igual- mente “determinada” a defender as condições de sua existência contra aqueles que a ameaçam. Sendo assim, para a defesa social, o único critério “científico” possível é o estado de periculosidade do agente.

C) Delito como fenômeno natural e social produzido pelo homem

Frente à fórmula do delito como “ente jurídico”, que proclamaram os Clássicos, os positivistas comprovaram que a ação punível é um “fato natural e social”, um ato do homem que surge em sociedade e que produz um dano em virtude de três ordens de fatores: antropológicos, físicos e sociais. Portanto, o delito é ao mesmo tempo um fenô- meno individual e social, razão pela qual é necessário estudar o homem que cometeu o fato apenado pelas leis e o ambiente em cujo seio se engendra e no qual se produz o crime. Como dito por Ferri: “Não é criminoso quem quer”.58

56. Jiménez de Asúa, Luís. El nuevo Derecho Penal..., cit., passim. 57. Ferri, Enrico. Princípios..., cit., p. 84.

D) A pena como meio de defesa social

Apesar de parte da doutrina proclamar a aplicação “serena” e “imparcial” da pena, observa Jiménez de Asúa o caráter severo de alguns castigos, como os propostos por Garofalo: pena capital, o isolamento em uma ilha ou colônia penal por largo tempo ou perpetuamente, a deportação com abandono etc. Todavia, o objetivo que guia essas for- mas graves de punição – em parte semelhantes àquelas propostas por alguns Clássicos – nada mais consistia do que um meio de “defesa social”.59

Conforme diagnosticado por José Cid Moliné e Elena Larrauri Pijoan, tem-se que a Escola Positiva se enquadrou no movimento cultural do positivismo filosófico e, por isso, tratou de aplicar os métodos das ciências naturais para explicar a delinquência. Em síntese, o que talvez deva ser destacado é que defenderam a ideia de que a delinquência está determinada biologicamente. Os autores da Escola Positiva não sustentavam que a criminalidade se devia unicamente a fatores biológicos – seriam até mais relevantes fatores de caráter ambiental –, mas, sim, postulavam que quando uma determinada pes- soa carecesse de predisposição biológica, em nenhum caso delinquiria. É por essa razão que uma ideia chave da Escola Positiva foi a defesa da anormalidade do delinquente.60