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omanDo como referência a queda do Império Romano e as invasões bárbaras no

continente europeu, pode-se dizer que se iniciou, em meados do século V, a Idade Média.14

Pode-se dizer também que, em larga medida, preponderou, na Idade Média, a influência do Direito Germânico, sendo a principal manifestação do Direito Penal o retorno da aplicação da pena da perda da paz, modalidade punitiva que “retirava a proteção social do condenado, possibilitando que qualquer pessoa o agredisse ou matasse impunemente”.15

No mesmo sentido, Nilo Batista salienta que a perda da paz (Friedlosigkeit) signi- ficava que o culpado não merecia mais integrar o seu ou qualquer outro grupo asso- ciado ao Bund, e poderia (deveria) ser morto impunemente. A perda da paz poderia atingir também qualquer parente próximo do autor consabido da ofensa. O homem sem paz (Friedlos) se convertia num estranho, e só lhe restava uma sobrevivência solitária e errante.16

É certo que aquele que conseguia escapar, retornava, furtivamente, à aldeia, em busca de alimento e proteção ante os perigos da floresta, para lá retornando antes do raiar do dia. Se, com a punição, o condenado perdia o status de homem, adotando como “pátria” a floresta – transformando-se numa espécie de lobo, isto é, no “homem-lobo” ou “lobisomem” –, fato é que ele retornava, na calada da noite, furtivamente, conquanto as pessoas somente percebessem a sua assustadora presença nas noites claras de lua cheia.17

13. Peña Mateos, Jaime. Antecedentes de la prisíon como pena privativa de libertad en Europa hasta el siglo XVII. In: Historia de la Prisión. Madrid: Edisofer, 1997, p. 64.

14. Sobre o tema, vide Pimentel, Manoel Pedro. Ensaio sobre a pena (1a Parte). Revista dos Tribunais. São Paulo, out. /1996, p. 774. 15. Shecaira, Sérgio Salomão; Corrêa Jr., Alceu. Op. cit., p. 30.

16. Batista, Nilo. Matrizes Ibéricas do sistema penal brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000, p. 36.

17. Nesse sentido: “O proscrito é eliminado da comunhão da paz e do direito. A ordem jurídica não existe para ele. É o ex lex, o utlah do direito saxônio, o exul et profugus da lei sálica. Se a faida (fehde) é a inimizade da parentela autorizada a exercer a vindita, a privação da paz é a inimizade de todo o povo. Cada um não só pode como deve persegui-lo. Se o matam, o matador fica a salvo de multa. Quem o mata, obra em nome e no interesse da coletividade, cuja vontade executa. Ninguém pode abrigá-lo, alimentá-lo, socorrê-lo. Este preceito prevalecia também em relação à mulher e aos parentes. A privação da paz dissolvia tanto o parentesco como o vínculo conjugal. A mulher tornava-se viúva, os filhos eram considerados como órfãos. A pena não afetava somente a pessoa, mas também o patrimônio. Os bens do proscrito eram confiscados em proveito do rei ou da coletividade, ou repartidos entre ambos. O proscrito não podia ‘habitare inter homines’. Para escapar à morte devia fugir, se lhe era dado fugir. Tinha por pátria a floresta; é o waldgänger, o ‘homo qui per silvas vadit’. A expressão comum com que o designavam era vare, warg, wargus, o que significava würger, o lobo. O proscrito ‘gerit caput lupinum’. Com isso queria-se significar que, como o lobo, ele era o inimigo de todos e podia ser impunemente morto por qualquer. Nos forais portugueses dos séculos XII e XIII encontram-se vestígios da pena de proscrição. A crendice do lobis-homem, vulgarizada no baixo povo, lembra o wargus, comparado ao lobo noturno.” (Pereira, José Hygino Duarte. Op. cit., p. 6) (grifos do original).

Além do Direito Germânico, deve-se enfatizar a enorme influência, naquela época, proporcionada pelo Direito Canônico, diante do poder cada vez maior da Igreja, cujos veredictos eclesiásticos eram executados por tribunais civis. Para a Igreja, a pena possuía caráter sagrado e marcadamente retributiva, porém com preocupações de correção do infrator. O Direito Penal Canônico, portanto, consolidou a pena pública, em oposição à vingança privada, característica do Direito germânico.18

A partir do século XII, surgiu a era dos glosadores, onde se procedeu a um profundo trabalho de reinterpretação dos velhos textos imperiais da Antiguidade, que acarretou a renovação do prestígio do Direito Romano. Daquele trabalho de compilação decorreu uma corrente doutrinária que viria a se constituir num dos pilares do chamado Direito Penal Comum, corrente esta integrada pelos práticos, pós-glosadores e comentaristas. Estes, embora tomassem por base o Direito Romano e o Corpus Juris, foram influenciados pelo Direito Germânico, pelo Direito eclesiástico e pelos costumes vigentes na prática judiciária.19

Percebe-se, dessa forma, que o Direito Penal Comum, vigente ao longo da Idade Média, foi forjado por um conjunto de fontes inter-relacionadas: Direito Germânico, Direito Canônico e Direito Romano. Não obstante, é forçoso reconhecer que se tratou de uma época bastante confusa na história do Direito Penal, devido ao declínio ou o progresso do poder público.20

O período do chamado Direito Penal Comum caracterizou-se por um arbítrio judi- cial praticamente sem limites, não só na determinação da pena como ainda, muitas vezes, na definição dos crimes. Ademais, havia clara desigualdade de punição para nobres e plebeus e a pena de morte era aplicada frequentemente e executada por meios brutais e atrozes, tais como a forca, a fogueira, a roda, o afogamento, o estrangulamento, o arrastamento, o arrancamento das vísceras, o enterramento em vida, o esquarteja- mento, as torturas, as mutilações, as penas infamantes e a pena privativa da liberdade.21

Deve-se ressaltar que o regime da penitência desenvolvido pela Igreja na Idade Média, serviu de inspiração para as modificações que se seguiram nas práticas punitivas das sociedades ocidentais. Com efeito, a penitência no claustro (na cela ou célula) foi uma punição mais branda que o regime atroz que se praticava no Direito Penal Comum. Existiam, ainda, os chamados cárceres subterrâneos que se tornaram célebres com a expressão vade in pace – denominação decorrente do fato de que, com tais palavras, se despediam dos condenados que nele entravam e não mais saíam. Eram, enfim, masmorras subterrâneas onde os réus eram baixados por meio de escadas ou cordas e impedidos de retornar à superfície.22

18. Shecaira, Sérgio Salomão; Corrêa Jr., Alceu. Op. cit., p. 31.

19. Bruno, Aníbal. Direito Penal. Parte Geral. Tomo I. 4. ed. Rio: Forense, 1984, p. 87. 20. Liszt, Franz von. Op. cit., p. 29.

21. Bruno, Aníbal. Direito Penal. Op. cit., p. 88-89. 22. Cf. Peña Mateos, Jaime. Op. cit., p. 70.