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s vestígios e fragmentos das legislações da Antiguidade, como, por exemplo, na

China, no Egito e nos povos fenício e hebreu, demonstram o desaparecimento daquelas formas primitivas de manifestação do Direito Penal, passando o magistério punitivo a ser efetivado com a pena de morte monopolizada pelo Estado. A pena de morte representou, paradoxalmente, uma evolução do Direito Penal, pois era uma modalidade de sanção penal mais branda que as anteriores, na medida em que se encontrava submetida a critérios e limites formais, não atingindo, assim, os demais membros da família ou clã do condenado. Na Antiguidade, a execução do condenado se dava na forca, cruz, serra, fogo, apedrejamento, espada, afogamento, roda, esquar- tejamento, animais ferozes, flecha, martírio com espinhos, pisoteio de quadrúpedes, quedas em precipícios e outras.8

Talvez a primeira grande inovação em matéria penal surgida na Antiguidade tenha sido a “lei do talião”, encontrada no Código de Hammurabi, na Babilônia, no Código de Manu indiano, na Lei das XII Tábuas romana, na legislação mosaica, entre outros.

5. Em sentido inverso, Rudolf von Ihering identifica no gesto humano da vingança a origem da pena criminal: “No início do direito, a noção da pena reina soberanamente; manifesta-se em cada parte do direito, penetrando mais ou menos profundamente em todas as relações jurídicas. Mais tarde, o campo da ação da pena se restringe e a noção se apura; é o que denota o progresso do direito (...). Esta conclusão nos revela um dos fatos mais interessantes que a história do direito pôde apresentar para a educação dos povos: o progresso realizado pelo homem que, tendo partido da paixão selvagem, da vingança cega, acaba por chegar à moderação, ao império sobre si mesmo, à justiça.” (Apud Pereira, José Hygino Duarte. Prefácio do tradutor ao Tratado de direito penal alemão. Liszt, Franz von. Op. cit., p. 6).

6. Souza, Artur de Brito Gueiros. Presos estrangeiros... cit., p. 107. 7. Liszt, Franz von. Op. cit., p. 7.

8. Cf. Shecaira, Sérgio Salomão; Corrêa Jr., Alceu. Teoria da Pena. Finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 27-28.

A lei do talião, que previa o famoso “olho por olho, dente por dente”, estabeleceu, pela primeira vez, a ideia de proporcionalidade entre crime e pena, limitando, desta maneira, a vingança privada.

Na Grécia Antiga, nos muitos séculos em que vicejou a civilização helênica, prepon- derou a cominação e a aplicação da pena de morte. Existia – é certo – uma variedade de outras sanções que poderiam ser aplicadas conforme a natureza do crime bem como o

status do condenado (cidadão livre, escravo ou estrangeiro).

O célebre julgamento de Sócrates retratou bem aquele rol de opções. Acusado de corromper a juventude e de crer em deuses novos e não nos deuses reconhecidos pela Pólis, Sócrates foi levado a um júri formado por 500 cidadãos de Atenas, num julga- mento que, segundo as leis da época, transcorria num único dia. Em seu discurso de defesa – reproduzido por Platão – ele pediu aos juízes tolerância com sua linguagem e justiça para com suas palavras.9 Entretanto, ele foi considerado culpado, apesar da

estreita margem de trinta votos a seu desfavor. Foi-lhe, então, dada a prerrogativa de escolher a própria punição. Seus acusadores propuseram a pena de morte e Sócrates discutiu a possibilidade de sofrer as penas de prisão, multa ou exílio, rejeitando-as ao final. Provavelmente porque ele próprio rejeitou as alternativas existentes na legisla- ção de Atenas, o júri o condenou à morte por ingestão de veneno, ou seja, ao suicídio compulsório.10

Na Roma Antiga, no longo período em que se estendeu o poder da Urbe, o crime era concebido como um atentado contra a ordem jurídica estabelecida e guardada pelo Estado, sendo a pena de morte a principal reação punitiva. Previa-se a pena contudo, para crimes públicos e delitos privados, cuja diferença era fundamentalmente por conta do processo, com acusação pública no primeiro caso e privada no segundo. De todo modo, era composto de variadas sanções, como penas capitais e corporais, de penas privativas da liberdade com ou sem trabalho forçado, de penas infamantes e de penas sobre os bens. O que era claro em qualquer das hipóteses era a tendência ao excessivo rigor nas reprimendas penais.11

As Leis das Doze Tábuas, editadas em 451 a.C., contemplavam formas severas de punição. Por outro lado, a única previsão de privação da liberdade naquele documento histórico ocorria com relação à dívida.12 A tônica, contudo, era a pena de morte, exe-

cutada de forma atroz e precedida de inúmeros suplícios. Por todos, o exemplo maior da Paixão de Cristo.

Conforme se pode observar, considerando os vestígios jurídicos disponíveis, o Direito Penal da Antiguidade ficou marcado pela aplicação em larga escala da pena capital. Observa-se, ainda, que não se utilizava, em regra, a pena de privação da

9. Cf. Platão. Defesa de Sócrates. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 5.

10. Peters, Edward M. Prison before the Prison. The Ancient and Medieval Worlds. In: The Oxford History of the prison. The Practice of Punishment in Western Society. Morris, Norval; Rothman, David J. (Org.). N. York: Oxford University Press, 1998, p. 6. 11. Liszt, Franz von. Op. cit., p. 17.

liberdade, na medida em que a prisão era tida como simples local de custódia do réu, convertendo-se numa antecâmara de suplícios, onde os acusados esperavam, geral- mente em condições subumanas, a imposição da sanção a que fossem condenados. 13