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o Direito Penal da Primeira república

n

a segunDa metaDe do século XIX, a série de mudanças decorrentes da Revolução

Industrial inglesa e suas consequências no mundo, inclusive a paulatina modifi- cação econômica decorrente do fim da escravidão, que culminou com a Lei Áurea de 13/05/1888, foi retirando a base de sustentação do Império Brasileiro.

Estas modificações tiveram repercussão penal imediata, tanto assim que, já em 4 de outubro daquele ano, o Deputado Joaquim Nabuco apresentou um projeto pretendendo adaptar as leis penais à nova realidade o que, no entanto, não chegou a ser discutido. Então, o Deputado e Professor João Vieira de Araújo apresentou ao Ministro da Justiça um anteprojeto, com o qual pretendia uma nova edição do Código Criminal então vigente. Em consequência, foi designada uma comissão com este escopo.

Em 10/10/1889, a Comissão opinou no sentido de que se fizesse uma reforma com- pleta da legislação penal vigente. Por isto, o Ministro dos Negócios da Justiça, Cândido de Oliveira, encarregou João Batista Pereira de organizar a reforma.

Com a Proclamação da República, o trabalho é interrompido. Todavia, o Decreto no

774, de 1890, anterior ao novo Código Penal, já abole a pena de galés, além de reduzir para 30 anos o cumprimento da prisão perpétua, instituir a prescrição das penas e estabelecer o desconto, na pena privativa de liberdade, do tempo de prisão preventiva.29

O novo Ministro da Justiça, Campos Sales, nomeou o mesmo Batista Pereira para a

27. Lyra, Roberto. Op. cit., p. 110. 28. Britto, Lemos. Op. cit., p. 11.

tarefa de elaborar o novo Código Penal, que acabou por ser transformado em lei pelo Decreto no 847, de 11/10/1890, que criou o Código Penal Brasileiro.30

Este Código dividia-se em quatro livros, com 412 artigos. O 1o Livro denominava-

-se “Dos crimes e das penas”; o 2o foi o que tratou “Dos crimes em espécie”, enquanto

o 3o Livro foi o “Das contravenções em espécie”. Por fim, o derradeiro dos Livros foi

constituído “Das disposições gerais”.

O trabalho de 1890 recebeu severas críticas, que questionaram a qualidade daquela legislação, pois era de orientação clássica e não satisfazia completamente as aspirações e necessidades do país àquele tempo.31 O maior defeito do Código de 1890 consistiu no

fato de ele ter ignorado os avanços doutrinários decorrentes da Escola Positiva, avanços esses refletidos em códigos a ele contemporâneos, em especial o Código Zanardelli. Em suma, o diploma de 1890 não teria passado de uma atualização da legislação penal do Império, sendo, portanto, “objeto de críticas demolidoras, que muito contribuíram para abalar o seu prestígio e dificultar sua aplicação”.32

Releva salientar que o Código de 1890 previu as seguintes penas: prisão celular – considerada, por Oscar de Macedo Soares, como a pena fundamental do diploma; reclusão – somente para delitos políticos; prisão com trabalhos – que seria cumprida em penitenciárias agrícolas ou presídios militares – tida, pelo mesmo autor, como des- necessária ou redundante, pois a prisão celular também impunha o trabalho; e prisão disciplinar – onde seriam recolhidos, em estabelecimentos industriais especiais, os menores até a idade de 21 anos.33

A base do sistema de penas era, portanto, a prisão celular, aplicada à generalidade dos crimes. Não se tratava, porém, da célula nos moldes pensilvânico ou auburniano, mas, sim, por intermédio do modelo progressivo de cumprimento de pena, uma novi- dade introduzida pelo Código ao Direito Penal brasileiro. Segundo as palavras do próprio João Batista Pereira:

Abolida a pena de morte e suprimindo as penas perpétuas e infamantes, substituiu todas as penalidades do provido arsenal do Código de 1830 pela prisão celular, segundo o sistema progressivo irlandês de Walter Crofton. A grande novidade da revisão de 1890 é a unicidade de pena, cujo tipo é a prisão celular, ao mesmo tempo intimida- tiva, repressiva e penitenciária, da qual se fez a chave da abóbada de todo o sistema

repressivo.34

Sob outro aspecto, com relação às edificações que seriam destinadas ao cumpri- mento da prisão celular e das demais espécies punitivas, é certo que, a despeito da

30. Fragoso, Heleno Cláudio. Op. cit., p. 73.

31. Siqueira, Galdino. Tratado de direito penal: Parte Geral. Tomo I, Rio de Janeiro: José Konfino, 1950, p. 74. 32. Fragoso, Heleno Cláudio. Op. cit., p. 73.

33. Cf. Soares, Oscar de Macedo. Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil. 7. ed. Rio de Janeiro: Garnier, 1910, p. 141.

previsão do Código, nada fora implementado – o que, de certa forma, é uma caracte- rística recorrente da história de nossa legislação punitiva. Lamentando tal fato, Oscar de Macedo Soares constatou que as penitenciárias de Pernambuco, Bahia, São Paulo, bem como a Casa de Correção da Capital do País, não se prestavam ao sistema de penas adotado pelo Código Penal. Concluía, assim, que “a reforma penitenciária é uma questão de atualidade que se impõe ao nosso legislador”.35

Verifica-se, dessa forma, o prolongamento da estrutura prisional do tempo do Império, com avanços pontuais, como as Colônias Correcionais da Ilha dos Porcos (Anchieta), em Ubatuba/SP, e de Dois Rios, na Ilha Grande/RJ. As colônias correcionais, embora não previstas, originariamente, no Código de 1890, foram criadas pelo Decreto no 145, de 1893, e pela Lei no 947, de 1902, substituindo a “pena de prisão com trabalhos”,

ficando nelas encarcerados os mendigos, vagabundos, vadios, capoeiras, prostitutas,

cáftens, além de “menores viciosos”. Alcançavam, pois, aquela faixa da criminalidade

onde se inseria a maior parte dos infratores que desafiavam o postulado republicano de “ordem e progresso”. Supostamente separados por categorias, na realidade, homens, mulheres, crianças e adolescentes conviveram, em tais colônias, num terrível estado de promiscuidade, violência física, abuso sexual, dentre outras mazelas do cárcere. Levados para tais prisões para, oficialmente, adquirirem aptidão por trabalho ou ofício, na prática restaram simplesmente segregados do ambiente urbano de onde viviam.

Em 1891, a Câmara dos Deputados nomeou uma comissão para revisão do Código, que veio a ser presidida por João Vieira de Araújo, professor de Direito Criminal na Faculdade de Direito de Recife, que apresentou um projeto em 21/08/1893.

Após pareceres de membros da sociedade civil e jurídica nacional, o próprio João Vieira de Araújo apresentou um substitutivo que, após discussão e apresentação de emendas, foi afinal aprovado em setembro de 1899. Foi então remetido ao Senado Federal onde, no entanto, não teve qualquer andamento.

Em 1911, o então Ministro da Justiça, Esmeraldino Bandeira, demonstrou sua insa- tisfação com o diploma penal vigente e voltou-se a falar abertamente em reformas. No ano seguinte, durante o governo do Marechal Hermes da Fonseca, em que era Ministro da Justiça Rivadávia Corrêa, tentou-se, ainda uma vez, a reforma das leis penais.

Galdino Siqueira, que era, à época, promotor de justiça em São Paulo, apresentou um projeto de reforma do Código de 1890. Tal projeto, também, não foi levado adiante, exatamente como o anterior.

Foi, no entanto, no governo de Arthur Bernardes que se voltou a discutir o assunto. O Presidente nomeou o desembargador do Distrito Federal, Virgílio de Sá Pereira, para que elaborasse um novo projeto. Foi, então, publicado, no Diário Oficial de 23/12/1928, o projeto completo.

Sobreveio o movimento armado de 1930, fazendo com que o Governo Provisório instituísse comissões com o fito de rever a legislação brasileira. A subcomissão penal

foi presidida por Sá Pereira e composta também por Evaristo de Moraes e por Mário Bulhões Pedreira, que apresentou um substitutivo.

Com a restauração do regime constitucional, o projeto foi submetido à Câmara, que o aprovou, reservando-se para posteriores modificações e o enviando ao Senado, tendo lá entrado em 1937.

Enquanto isto, para remediar as dificuldades oriundas da legislação penal, que fora tremendamente modificada ao longo da assim chamada República Velha, o desembar- gador Vicente Piragibe criou uma consolidação das leis penais vigentes. Seu trabalho tornou-se lei pelo Decreto no 22.213, de 14/12/1932, que fez com que a Consolidação das

Leis Penais se tornasse o novo estatuto penal brasileiro.

Dentre os inúmeros diplomas que alteravam ou complementaram o Código de 1890, destacam-se os Decretos nos 16.588 e 16.665, ambos de 1924, que dispuseram sobre

a “condenação condicional” e o “livramento condicional”. Sobre esses dois institutos,

vide os Caps. XXX e XXXI, respectivamente.