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A Escola Clássica do Direito Penal

a

obra De cesare Beccaria e as transformações que se seguiram deram origem à fase

científica do Direito Penal, por meio do que se convencionou chamar de Escola Clássica do Direito Penal. Segundo Jiménez de Asúa, no coração dessa Escola “palpita a variedade”, ou seja, só existe uma “Escola Clássica” em oposição aos Positivistas, pois diversas eram as correntes, tendências e contradições entre os seus integrantes

47. Idem, p. 269.

48. Pradel, Jean. Op. cit., p. 651.

49. Cf. descrito pelo próprio Bentham: “O edifício é circular. Os apartamentos dos prisioneiros ocupam a circunferência. Você pode chamá-los, se quiser, de ‘celas’. Essas celas são separadas entre si e os prisioneiros, dessa forma, impedidos de qualquer comunicação entre eles, por ‘partições’, na forma de raios que saem da circunferência em direção ao centro (...). O apartamento do inspetor ocupa o centro; você pode chamá-lo, se quiser, de ‘alojamento do inspetor’. Será conveniente, na maior dos casos, senão em todos, ter-se uma área ou um espaço vazio em toda volta, entre esse centro e essa circunferência. Você pode chamá-lo, se quiser, de área ‘intermediária’ ou ‘anular’. (...) Cada cela tem, na circunferência que dá para o exterior, uma ‘janela’, suficientemente larga não apenas para iluminar a cela, mas para, por meio dela, permitir luz suficiente para a parte correspondente do alojamento. A circunferência interior da cela é formada por uma grade de ferro suficientemente fina para não subtrair qualquer parte da cela da visão do inspetor. (...) As janelas do alojamento devem ter venezianas tão altas quanto possa alcançar os olhos dos prisioneiros – por quaisquer meios que possam utilizar – em suas celas. Os guardas no centro. Por cortinas e outros dispositivos, os inspetores ficam protegidos (...).” (Bentham, Jeremy. O Panóptico ou casa de inspeção. Trad. Tadeu Tomaz Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 18-19).

(Filangieri, Pellegrino Rossi, Carmignani, Romagnoni, Pessina, Francesco Carrara e Feuerbach, dentre outros).51

A rigor, a adjetivação “Escola Clássica” foi dada por Enrico Ferri, supostamente por “deferência” à geração anterior – algo como “consagrados penalistas”. Contudo, Ferri estava sendo sarcástico, pois, na verdade, “clássicos”, segundo ele, significavam os “velhos”, os “antiquados”, os “ultrapassados” professores de Direito Penal.52

Embora procurassem teorizar sobre problemas dogmáticos de seus respectivos países – os Clássicos não tinham pretensões da universalidade teórica –, é possível aglutinar as seguintes características gerais dessa Escola:

A) Método essencialmente especulativo

Os Clássicos edificavam suas majestosas construções doutrinárias por intermédio do método lógico-abstrato. Em suma, para eles, o Direito Penal consistia em um sistema dogmático baseado sobre conceitos essencialmente especulativos. Prescindia-se, em geral, da realidade concreta subjacente ao texto da lei.

B) Imputabilidade baseada sobre o livre arbítrio e a culpabilidade moral

A Escola Clássica edificou toda a doutrina do Direito Penal sobre os pilares do livre-arbítrio (princípio do indeterminismo), ou seja, a capacidade de todo e qualquer ser humano de optar entre o bem e o mal, entre o lícito e o ilícito. Não se pensava no “homem delinquente”, com todas as suas características pessoais (homem e mulher; adolescente, adulto ou idoso; mentalmente são ou doente etc.), mas o ser humano em sentido abstrato. O rico e o pobre eram igualmente livres para respeitar ou violar a lei penal. Carrara dizia: “Não me ocupo de discussões filosóficas; pressuponho aceita a doutrina do livre-arbítrio e da imputabilidade moral do homem, e sobre essa base edificada a ciência criminal, que sem ela mal se construiria”.53

C) Delito como ente jurídico e violação de direito subjetivo

O delito era considerado como um ente jurídico que violava um direito subjetivo de outrem. Não existia, ainda, a noção de bem jurídico, desenvolvida posteriormente por Birnbaum, discípulo de Mittermayer. Delito era entendido como um ente jurídico, porque na sua essência consistia na violação de um direito dos membros da sociedade civil.

51. Cf. Jiménez de Asúa, Luís. El nuevo Derecho Penal. Escuelas y códigos del presente y del porvenir. Madrid: Paez, 1929, p. 12. 52. Cf.: “No campo científico, o movimento reformador afirmou-se, desenvolveu-se e organizou-se mais pujantemente com a corrente, que eu chamei por reverência a ‘Escola Clássica Criminal’ e que na Itália marcou seu ciclo glorioso com uma plêiade de grandes criminalistas, de Cesare Beccaria a Francesco Carrara e Henrique Pessina. Essa formidável corrente filosófico- -jurídica chegou aos maiores exageros, instaurando quase a magna charta dos delinquentes em face da sociedade.” (Ferri, Enrico. Princípios..., cit., p. 29).

53. Carrara, Francesco. Programa do curso de Direito Criminal. Parte Geral. v. I. Trad. José Franceschini. São Paulo: Saraiva, 1956, p. 37. No entanto, deve-se reconhecer que Feuerbach edificou suas audaciosas construções clássicas fora do livre-arbítrio, bem assim que Merkel baseou suas ideais retribucionistas sobre o princípio do determinismo, ressalvas estas que não infirmam a forte vinculação dos Clássicos para com o dogma livre-arbitrista (cf. Jiménez de Asúa, Luís. El nuevo Derecho Penal..., cit., p. 15).

D) Pena como meio de tutela jurídica

Segundo o grande expoente do pensamento clássico – Francesco Carrara – a pena tinha como finalidade a tutela jurídica. Objetivava-se a defesa do Direito – que não se confundia com “defesa social”. Bentham justificou a punição pela sua utilidade e Feuerbach procurou dotar a ameaça de sanção de uma “coação psicológica”. A pena de prisão era tida como forma mais eficaz de combate à criminalidade, razão pela qual os Clássicos preocuparam-se com a teorização de sistemas penitenciários e paulatino reconhecimento de direitos aos presos, circunstâncias estas que propiciaram a autono- mia científica do Direito de Execução Penal.