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A repetição das etapas das crises financeiras

3. A MUNDIALIZAÇÃO FINANCEIRA E A PREVIDÊNCIA SOCIAL

3.1 A MUNDIALIZAÇÃO FINANCEIRA NA PERSPECTIVA DA ECONOMIA POLÍTICA

3.1.3 A repetição das etapas das crises financeiras

Uma análise histórica das crises financeiras vivenciadas pelo capitalismo nas últimas décadas e a comparação de seus elementos com a atual crise sistêmica decorrente do estouro da bolha do subprime nos Estados Unidos permite concluir que essas crises costumam seguir um mesmo padrão de desenvolvimento.

O capital – notadamente o financeiro – também parece condenado à perseverança no erro, à aberração recorrente e ao eterno retorno da crise financeira. Apesar de envolver novos “produtos”, a atual crise dos mercados de crédito permite entrever, uma vez mais, os ingredientes quimicamente puros do desastre. Também oferece, a quem quiser enxergar, uma oportunidade a mais para refletir sobre as “vantagens” da liberalização dos mercados de capitais (LORDON, 2007).

Ainda segundo Lordon, invariavelmente, o solavanco dos mercados atinge os bancos e, portanto, o crédito. Em seguida, a crise promove a redução dos investimentos, a desaceleração do crescimento e o desemprego.

A crise dos mercados de crédito que castiga a economia norte-americana oferece uma visão quase ideal das relações fatais da especulação desenfreada. Como em uma parada, desfilam novamente as toxinas gerais do mundo financeiro, sempre as mesmas e numa ordem absolutamente idêntica: 1. as tendências “Ponzi” da especulação; 2. a lassidão das avaliações de riscos na fase de alta do ciclo financeiro; 3. a vulnerabilidade estrutural a uma pequena mudança de ambiente e o efeito catalizador de um enfraquecimento pontual do sistema, que precipita a reviravolta; 4. a revisão instantânea das estimativas; 5. o contágio de outros setores do mercado; 6. o choque dos bancos excessivamente expostos; 7. a ameaça de um acidente

sistêmico, ou seja, de um colapso global, seguido de uma recessão generalizada por estrangulamento do crédito e um pedido de socorro aos bancos centrais feito por todos os fanáticos da livre iniciativa privada (LORDON, 2007).

Na análise de Lordon, tudo começa com às tendências “Ponzi”21 dos mercados, pois as bolhas especulativas apoiam-se numa hipótese de que novos investidores sempre entrarão na ciranda, para sustentar os ganhos dos que chegaram antes. Entretanto, existe um limite para esse processo. Quando esse limite é atingido, a bolha estoura e as consequências são sempre dramáticas.

Em seguida, com a lassidão nas avaliações de riscos, ocorre o “fantástico milagre da securitização em que empréstimos são fatiados em infinitos pedaços, para que os riscos de inadimplência sejam pulverizados até se tornarem irrisórios” (LORDON, 2007). Dessa forma, ocorre a fusão de certo número de créditos para se emitir títulos negociáveis. Essa operação, a securitização, possibilita que os títulos assim “fabricados” possam ser vendidos nos mercados em pequenos lotes. Dessa forma, os créditos duvidosos saem do balanço dos bancos. A linha de títulos derivada do grupo inicial de créditos é recortada em diferentes fatias de risco homogêneas, com mais ou menos riscos. As fatias de alto risco tornam-se atraentes, pois oferecerem maior retorno, ao menos pelo tempo em que o mercado “navega” em mar tranquilo. Como são inúmeros os portadores dos títulos, que além de tudo mudam de mãos a todo instante, ocorre uma extraordinária dispersão do risco global.

O passo seguinte da crise financeira ocorre com a transição da vulnerabilidade estrutural para a insolvência. As operações de securitização em cadeia provocam a ilusão de que não existem riscos, pois eles acabam se dispersando. Essa sensação leva a mais comportamentos de riscos, com a compra de títulos mais lucrativos, porém mais arriscados. Apesar dos riscos estarem diluídos, ocorre um crescimento totalmente descontrolado de seu volume global, levando a situação às zonas críticas. “A construção cresce como um enorme castelo de cartas. Em certo ponto, qualquer pequeno incidente é capaz de ameaçar todo o edifício” (LORDON, 2007).

No momento em que a “engenharia financeira” começa a apresentar aspectos de deterioração, ocorre uma corrida para a revisão imediata das avaliações de risco. É o indício do início da crise financeira. A verdade é que as agências de classificação de riscos são

21 Charles Ponzi foi um especulador dos anos 1920 que iludiu pessoas com promessas de rendimentos

extraordinários. Na falta de qualquer ativo real capaz de cobrir os rendimentos anunciados, Ponzi oferecia a seus primeiros clientes o capital aportado pelos que vinham depois. A sustentabilidade do conjunto supunha, portanto, a manutenção infinita do fluxo de novos clientes.

impotentes, pois seu faturamento provém das instituições financeiras que emitiram incessantemente títulos a serem avaliados22.

As agências de rating nunca souberam ser independentes dos entusiasmos do mercado que deveriam moderar. Na maior parte do tempo, lhe serviram de coro. Quem está próximo ao meio financeiro e vive às suas custas, tem dificuldade de se mostrar independente, num momento em que todo mundo está enchendo os bolsos. Catastroficamente pró-cíclicas quando deveriam ser contra-cíclicas, as agências mantêm-se alheias durante a alta. Quando a reviravolta acontece, lançam-se, apavoradas, a fazer a revisão das avaliações anteriores, contribuindo para transformar o sobressalto em colapso (LORDON, 2007).

A etapa seguinte ocorre quando são levantadas suspeitas de contágio no setor financeiro. A descoberta de riscos num setor da economia desperta dúvidas sobre outros. Dessa maneira, ninguém mais confia na solidez de atividades contaminadas pela especulação. A partir daí, acontece um efeito em cadeia nos mercados mundializados.

O frágil equilíbrio dos produtos derivados resistia enquanto ninguém o provocava – ou seja, enquanto todos fingiam acreditar que o mercado tinha liquidez. Mas assim que um dos atores sofre perdas exageradas e considera a hipótese de sair do sistema, (...) o medo latente se cristaliza e todos os compradores desaparecem. Com a liquidez evaporada, os papéis, formalmente negociáveis, praticamente deixam de sê-lo. Torna-se quase impossível avaliá-los, já que seu preço pode virtualmente cair a zero (LORDON, 2007).

Com a crise instalada, os choques nos bancos são inevitáveis. “Expulso pela porta, o risco implícito nos empréstimos retornou pela janela. Para reequilibrar as contas, será preciso fechar as torneiras do crédito, atingindo trabalhadores e empresas não-financeirizadas” (LORDON, 2007). Ou seja, mais uma vez serão os agentes da economia real (assalariados e empresas não-financeirizadas), distantes da especulação, que pagarão a conta das estripulias financeiras.

O último capítulo desta história, muitas vezes repetida nos últimos tempos, ocorre quando o mercado financeiro pede socorro aos bancos centrais. “Quando a crise bate à porta, as finanças engolem o discurso privatista e aconchegam-se nas tetas do Estado. O prejuízo imposto às sociedades é idêntico ao resgate que se cobra de um sequestrado” (LORDON, 2007). Nessa etapa, os bancos centrais começam uma política de corte das taxas de juros para

22 Segundo Lordon (2008), 40% do rendimento de 2006 da Moody’s foi conseguido com avaliações de produtos

restaurar a liquidez geral. Nesse momento, não há outra escolha para os bancos centrais a não ser intervir, e maciçamente.

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