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O questionamento neoliberal dos princípios da Previdência Social inscritos na Constituição de

4. A SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA E A QUESTÃO PREVIDENCIÁRIA 1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL

4.5 O DIAGNÓSTICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA NA PERSPECTIVA NEOLIBERAL

4.5.1 O questionamento neoliberal dos princípios da Previdência Social inscritos na Constituição de

Como já apontado anteriormente, nos anos 1990, o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, a crescente crise fiscal-financeira do Estado, o fraco desempenho da economia e o crescimento da taxa de desemprego e do trabalho informal fortaleceram o discurso a respeito da necessidade de uma ampla reforma da Previdência Social. Nessa época, ganhou espaço o discurso de que a Constituição de 1988 provocou fortes desequilíbrios no sistema

41 Isso se forem considerados apenas os recursos oriundos das contribuições para o INSS e desconsiderando a

base constitucional, que insere a Previdência Social como parte integrante da Seguridade Social, portanto sujeita a receber recursos de outras contribuições e, em último caso, aportes de recursos da União.

previdenciário, apoiado em argumentos como a persistência de tratamento desigual entre diferentes categorias de trabalhadores, os impactos provocados pelas alterações no perfil demográfico e as transformações da relação entre capital e trabalho, em função da adoção das novas tecnologias, das formas de gestão no sistema produtivo brasileiro e pela concorrência entre os trabalhadores em âmbito mundial. Na verdade, “a previdência social é um dos campos férteis no qual se manifesta um traço tradicional e reacionário das elites brasileiras: a capacidade de manter, a qualquer preço, o status quo social que comandam secularmente” (FAGNANI, 2007a, p. 1).

Segundo Fagnani, o que se verifica desde a promulgação da Constituição de 1988 é uma disputa entre dois paradigmas antagônicos. De um lado, o Estado de Bem-Estar Social e as suas concepções de Seguridade Social, universalização, prestação estatal de serviços e direitos trabalhistas; do outro, o estado mínimo no qual prevalecem as ideias de seguro social, focalização, privatização, desregulamentação e flexibilização do trabalho.

Para os críticos do sistema de repartição solidária, a não-correspondência entre as contribuições e o benefício justifica sua substituição por qualquer outra forma de poupança privada ou de seguro, condizente às leis de mercado. “Eles não compreendem, ou não consideram relevante, que a aposentadoria pública, em regime de repartição, é um mecanismo de solidariedade baseado no princípio da distribuição de renda” (MARQUES e EUZÉBY, 2005). Outra crítica ao sistema de repartição instituído pelas autoridades públicas decorre do fato dele ser compulsório aos indivíduos e às famílias.

Marques e Euzéby apontam diversos inconvenientes relacionados a ideia de substituição do regime de repartição solidária pela poupança privada para fins previdenciários, realizada livremente pelo indivíduo: 1) é baseada na responsabilidade do indivíduo, que assume todos os riscos de suas aplicações; 2) normalmente, somente os indivíduos e as famílias com suficiente renda disponível conseguem realizar a sua poupança; e 3) a natureza humana diferenciada promove, mais em uns do que em outros, a forte preferência para viver o presente e não se precaver com relação ao futuro. Para esses autores, essa compreensão levou a construção de uma Proteção Social obrigatória e solidária. “É interessante lembrar, (...) que o direito à renda, em caso de perda de capacidade laboral (...) está inscrito na Declaração dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas” (MARQUES e EUZÉBY, 2005).

É essa forma de pensar a proteção aos riscos que explica por que, no interior de um sistema solidário, é possível o pagamento de um piso

acordado na sociedade mesmo àqueles que, através de seu esforço contributivo, não teriam "direito" a ele, se fosse levada em consideração a lógica do mercado e o cálculo atuarial, tal como é o caso do piso de um salário mínimo no Brasil. Seria desnecessário dizer, mas é sempre importante reafirmar que, em políticas públicas, um regime solidário é, por principio, um regime de repartição. A solidariedade ocorre entre as gerações e os integrantes de uma mesma geração (MARQUES e EUZÉBY, 2005).

No entanto, para os defensores do Estado mínimo, o gasto social aplicado em políticas universais provoca instabilidade da moeda e é mal distribuído, pois destina recursos aos mais “ricos”. Assim sendo, a solução para “erradicar” a pobreza seria eliminar as conquistas constitucionais e transferir recursos para os programas focalizados nas famílias que estão “abaixo da linha de pobreza”.

Como definir quem está abaixo da linha de pobreza? Seriam aqueles que ganham menos que o salário mínimo necessário (...) calculado pelo Dieese? Seriam aqueles que recebem menos da metade da renda média do país, como faz a OCDE? Seriam aqueles que recebem menos de hum salário mínimo (R$ 380,00)? Não. Seguem os parâmetros determinados pelo Banco Mundial. Aqui a tecnocracia arbitrou que a linha que divide os miseráveis dos afortunados é a renda de R$ 120,00. Quando se diz que a pobreza no Brasil foi reduzida, significa que alguns indivíduos passaram a ganhar mais de R$ 120. Quem passou a ganhar R$ 150, por exemplo, “deixou de ser pobre” e teria adentrado o admirável mundo da prosperidade. Tornou-se rico. Parcela da pobreza no país foi “erradicada”. Um único exemplo: somente com passagens de transporte público, um trabalhador gasta mais de R$ 200 por dia em metrópoles como São Paulo (FAGNANI, 2007a, p.5)

Nesse sentido, segundo Fagnani, os apoiadores do estado mínimo não são defensores dos pobres. Defendem sim instrumentos de um modelo macroeconômico excludente embasado na ideia de ajuste fiscal por meio da subtração de gastos sociais universais. Por trás da defesa na focalização dos recursos sociais aos supostamente mais pobres, mediante políticas de transferência de renda, está uma mentalidade meramente contábil, pois estas são mais baratas que políticas universais que asseguram padrões mínimos e dignos de cidadania.

Observe-se que o gasto anual com o Programa Bolsa Família é de cerca de R$ 10 bilhões, enquanto os gastos previdenciários (INSS e Previdência Rural) atingem mais de R$ 160 bilhões. Esta é a verdadeira razão que move a suposta opção preferencial pelos mais pobres, que há mais de duas décadas tem sido defendida com tenacidade pelo Banco Mundial, FMI, demais instituições que pregam a cartilha neoliberal seguida à risca pela ortodoxia econômica brasileira. Dirigem-se ao senso comum e sua maior competência é passar para a opinião pública e para a mídia os seus propósitos visando à “justiça social” (FAGNANI, 2007a, p.5).

Fagnani aponta ainda outras duas impropriedades cometidas pelos defensores do estado mínimo, que culpam o modelo previdenciário vigente por uma suposta apropriação do gasto social por uma casta de “velhos”, “marajás” e “vagabundos” e a indução ao ócio dos jovens em famílias que obtêm aumento na renda domiciliar proveniente de aposentadorias e pensões, reduzindo a participação dos jovens na força de trabalho. No caso dos idosos, a verdade é que a massa dos benefícios das aposentadorias é de baixo valor, conforme será mostrado a seguir. Em relação aos jovens, segundo Fagnani, a redução da participação na força de trabalho está intimamente associada a um aumento na proporção de jovens estudando.

De acordo com Silva (2003), em meio ao debate sobre a posição do Estado em relação à Seguridade Social, principalmente no que diz respeito à Previdência, surgiram, em meados dos anos 1990, dezenas de propostas de mudanças da Previdência Social. Algumas apontavam que o sistema previdenciário deveria ser uma obrigação do Estado, outras indicavam que a Previdência compreendia uma responsabilidade individual do cidadão.

Silva acredita ser incontestável o viés neoliberal das propostas que seguem a ideia de que o indivíduo deve ter maiores responsabilidades acerca da Previdência Social. Elas defendem a adoção de um sistema privado e de capitalização para a Previdência, que estimule o indivíduo a melhorar seu rendimento e, consequentemente, aumentar sua capacidade de poupança. Entendem, assim, que haveria mais recursos para o Estado fazer os investimentos necessários para criar melhores condições de desenvolvimento do país. A ideia seria criar um sistema previdenciário financiado unicamente pelo trabalhador. Dessa forma, os encargos sociais obrigatórios cobrados das empresas seriam eliminados ou, pelo menos, reduzidos, possibilitando um aumento da capacidade de investimentos dessas empresas, que poderiam, dessa maneira, abrir postos de trabalho42. Além desse fator, haveria um aumento da competitividade das empresas brasileiras no mercado internacional, contribuindo assim para o aumento das exportações. Tudo isso porque, no máximo, os pensadores neoliberais admitem a ação assistencial do Estado para os indivíduos submetidos à situação de carência extrema, desde que essa ação seja financiada mediante receita de impostos e não de contribuições específicas para o campo da Seguridade Social.

Segundo Silva, entre as propostas que ainda preservam o papel do Estado na Previdência Social, mas também de forma mínima, o que demonstra a influência de ideias neoliberais, há os que sugerem que o seu financiamento deveria ser diversificado, embora

devesse continuar a ser realizado também por meio da contribuição de empregadores e empregados. Essas propostas apontam para o fato de que há um fraco desempenho das contribuições sobre a folha de salários, insuficiente para alimentar todas as demandas da Previdência Social. Elas ainda indicam a necessidade de se reduzir a carga de contribuição das empresas a fim de que haja maior estímulo a contratação de trabalhadores no mercado formal. Essas propostas apontam ainda para a criação de tetos para os benefícios concedidos pelo setor público. Algumas delas chegam a propor a adesão compulsória a um regime complementar e há consenso entre seus propositores sobre a necessidade da extinção da aposentadoria por tempo de serviço e das aposentadorias especiais. Silva ainda aponta que entre os defensores da manutenção de uma Previdência pública, há o debate sobre a pertinência da criação de um sistema previdenciário único, integrando funcionários públicos federais (entre eles os membros do judiciário e das forças armadas) e os trabalhadores do setor privado.

É nessa segunda linha que se situa a proposta de reforma elaborada por Giambiagi et al (2004), embora não descartem a adoção futura de um regime de capitalização por considerá-la filosoficamente correta. Sugerida após a realização da reforma previdenciária do governo Lula, em 2003, segundo seus autores essa proposta de reforma paramétrica “mantém” a natureza original do sistema de Previdência Social no Brasil com mudanças em alguns dos seus parâmetros considerados essenciais para o seu funcionamento. Seus autores enfatizam que as razões que induzem a defesa de uma proposta paramétrica “menos” ambiciosa se justifica pelas dificuldades políticas de uma transformação radical do sistema, além dos custos elevados de transição, uma vez que uma mudança acentuada implicaria em redução da receita fiscal devido a redução do recolhimento de contribuições e aumentaria as despesas que já são elevadas.

Essa proposta de reforma paramétrica, que traduz de forma mais ou menos geral o pensamento neoliberal sobre a Previdência Social, é embasada na adoção de uma idade mínima para a aposentadoria do INSS; elevação gradual dessa idade mínima ao longo do tempo, tanto para trabalhadores do setor privado como do setor público; redução da diferença entre homens e mulheres em relação aos anos requeridos para a aposentadoria; redução gradual, até sua eliminação, da diferença existente entre professores e não-professores referente aos anos requeridos para a aposentadoria; redução gradual do bônus concedido às mulheres e aos professores para efeito da contagem do tempo de serviço no cálculo do fator previdenciário; desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo; aumento da idade de concessão para novas aposentadorias dentro da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS),

dos 65 para os 70 anos; e, finalmente, ainda no âmbito do LOAS, redução dos 100% para 70% ou 80% da proporção do benefício assistencial em relação ao piso previdenciário – que é de 1 salário mínimo – para os futuros benefícios (GIAMBIAGI et al, 2004, p. 24).

A base para entender essas propostas anteriormente citadas podem ser verificadas nos itens a seguir.

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