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A PREVIDÊNCIA NA VISÃO NEOLIBERAL

1. OS FUNDAMENTOS DO PENSAMENTO (NEO)LIBERAL 1 A ASCENSÃO DO PENSAMENTO NEOLIBERAL

1.3 A PREVIDÊNCIA NA VISÃO NEOLIBERAL

Entre todos os programas sociais arranjados pelo Estado, a Previdência é o mais atacado pelos representantes do pensamento neoliberal. Os planos de aposentadoria públicos são questionados veementemente por esse grupo, pois normalmente são compostos por recursos de uma poupança compulsória feita mediante descontos de uma parcela dos salários, o que seria, segundo as posições liberais, um ataque à liberdade do indivíduo. “O cidadão (...) que é obrigado por lei a reservar cerca de dez por cento de sua renda à compra de um determinado contrato de aposentadoria (...) está sendo privado de uma parte correspondente de sua liberdade pessoal” (FRIEDMAN, 1988, p. 17).

Os questionamentos de Friedman envolvem três aspectos: a ideia de redistribuição de renda; a estatização do sistema previdenciário; e, principalmente, a obrigatoriedade de participar de um sistema de aposentadorias.

Em relação ao argumento de redistribuição de renda, Friedman não vê justiça no fato de pessoas que entram mais velhos no programa, e portanto contribuem por menos tempo, recebam valores similares aos que entram ainda jovens no sistema e que contribuem por mais tempo. Para ele, esse tipo de redistribuição de renda é incompatível com a auto- sustentabilidade do programa a longo prazo, o que exigiria a subvenção futura do Estado.

Friedman também é um grande crítico ao processo de estatização do sistema previdenciário. Para ele, mesmo que fosse obrigatória a adesão a um programa de previdência – o que já seria uma afronta à liberdade do indivíduo – não deveria ocorrer a vinculação dessa adesão aos sistemas exclusivamente governamentais. Nesse sentido, Friedman questiona o porquê de não se permitir aos indivíduos comprar suas anuidades de empresas privadas. Com isso, a liberdade individual para escolher estimularia a competição das empresas privadas, que levaria ao aprimoramento dos tipos de contrato disponíveis, proporcionando maior satisfação aos clientes. Em termos políticos, a vantagem dos planos privados seria a de evitar a expansão

da atividade governamental e da ameaça indireta à liberdade individual que tais expansões representam.

(...) os argumentos contra a nacionalização do processo de venda das anuidades são bastantes fortes, não só em temos dos princípios liberais, mas também em termos dos valores expressos pelos proponentes das medidas em questão. Se realmente acreditam que o governo está em condições de oferecer tais serviços em nível superior em comparação com o mercado, deveriam ser favoráveis à participação de empresas privadas em competição com as do Estado. Se estiverem certos, as empresas do governo progredirão. Se estiverem errados, o bem-estar do povo será mais bem atendido pelo fato de existir a alternativa privada. Somente o socialismo doutrinário ou que acredita no poder centralizado como tal pode, até onde me cabe julgar, tomar partido da nacionalização de tais empreendimentos (FRIEDMAN, 1988, p. 167).

Para finalizar sua argumentação, Friedman questiona a obrigação da compra de anuidades para a proteção à velhice, o que para ele é o ponto central da discussão sobre a previdência. “Uma justificação possível para essa obrigatoriedade é de fundo paternalista” (FRIEDMAN, 1988, p. 167). Esse autor acredita que as pessoas poderiam fazer individualmente, caso quisessem, o que são obrigadas a fazer em grupo. No entanto, para Friedman, o Estado as julga incapazes e imprevidentes para tal.

Esta posição é lógica. Um paternalista convicto que a defende não pode ser dissuadido dela pela demonstração de que comete um erro de lógica. Ele está em posição contrária em termos de princípios; não se trata de um companheiro bem intencionado que toma o caminho errado. Ele acredita basicamente em ditadura – benevolente e talvez até mesmo majoritária –, mas ditadura do mesmo modo. (...) Aqueles, dentre nós, que acreditam em liberdade devem crer também na liberdade dos indivíduos de cometer seus próprios erros (FRIEDMAN, 1988, p. 167).

Nesse ponto, Friedman, mais uma vez, faz uso da retórica dos “defensores” da liberdade capitalista contra os “ditadores” do Estado. Ou seja, qualquer cidadão que acredite no Estado como elemento essencial para a busca de uma sociedade mais justa e igualitária é simplesmente taxado de ditador por Friedman11.

Como neoliberal convicto, Friedman defende sua ideia de liberdade independente das conseqüências que seus atos possam causar ao próprio indivíduo.

11 Curioso raciocínio para um acadêmico que contribuiu ativamente para o governo de Augusto Pinochet, ex-

Se um homem prefere, conscientemente, viver o dia de hoje, usar seus recursos para se divertir, escolhendo deliberadamente uma velhice de privações, com que direito podemos impedi-lo de agir assim? Podemos argumentar com ele, tentar persuadi-lo de que está errado. Mas podemos usar a coerção para impedi-lo de fazer o que deseja fazer? (FRIEDMAN, 1988, p. 167-168).

No entanto, caberá a esse Estado “paternalista” os devidos cuidados desse indivíduo caso ele não tenha meios de sobrevivência na velhice. Friedman não acredita que esse cidadão deveria ser simplesmente ignorado pela sociedade e pelo Estado que o representa, pois considera ser impossível negar ajuda a um idoso em dificuldades, porém, isso deveria ser feito mediante caridade privada ou pública. No entanto, independentemente da forma como essa caridade ocorre, Friedman considera que esse idoso seria um peso para a sociedade.

Para Friedman, obrigar um indivíduo a comprar uma anuidade até pareceria justificável não pelo seu próprio bem, mas pelo bem da sociedade. Entretanto, o autor afirma que o peso desse argumento dependeria de outros fatos.

Se 90% da população se tornasse um problema social na idade de 65 anos na ausência da compra compulsória das anuidades, o argumento teria muito peso. Se somente 1% tornasse, não teria nenhum. Por que restringir a liberdade de 99% a fim de evitar os custos que seriam impostos pelos que compõem o restante 1%? (FRIEDMAN, 1988, p. 168).

Friedmam conclui sua análise sobre previdência afirmando que a compra compulsória de anuidade impõe pesados custos para a obtenção de pequenos ganhos, privando o indivíduo de parte considerável de sua renda, obrigando-o a usá-la na compra de uma anuidade de aposentadoria, muitas vezes numa agência do governo. Isso teria como resultado a limitação da competição na venda das anuidades e no desenvolvimento de planos de aposentadoria. Como resultado, teria se criado uma “extensa burocracia, que mostra tendência a se expandir e a invadir outras áreas de nossa vida privada. E tudo isso para evitar que algumas poucas pessoas pudessem tornar-se um problema social” (FRIEDMAN, 1988, p.169).

1.4 DA TEORIA À PRÁTICA: A IMPLANTAÇÃO DAS IDEIAS NEOLIBERAIS

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