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Alguns efeitos da liberalização financeira

3. A MUNDIALIZAÇÃO FINANCEIRA E A PREVIDÊNCIA SOCIAL

3.1 A MUNDIALIZAÇÃO FINANCEIRA NA PERSPECTIVA DA ECONOMIA POLÍTICA

3.1.4 Alguns efeitos da liberalização financeira

Vários argumentos teóricos e ideológicos são apresentados para justificar a implementação de medidas de viés neoliberal mediante pressões políticas e institucionais que levaram os países a promover os processos de desregulamentação e liberalização dos fluxos de capital.

Segundo Carcanholo (2000), os ideólogos do neoliberalismo defendem a liberalização do mercado de capitais como: a) uma necessária forma de aperfeiçoamento da intermediação financeira global entre poupadores e investidores permitindo a canalização da poupança externa para os países com insuficiências de capital; b) uma forma de financiamento compensatório de choques externos levando à estabilização do gasto interno; c) um importante mecanismo para o aumento da eficiência do sistema financeiro internacional em função da concorrência entre os agentes econômicos nacionais e internacionais; d) uma forma de se aumentar a diversificação dos riscos por parte dos aplicadores internos e externos; e e) uma forma de reduzir a autonomia da política econômica dos países que implementarem a abertura externa à livre movimentação de capitais reduzindo os riscos de políticas econômicas inadequadas.

No entanto, apesar do discurso neoliberal sobre a liberalização financeira soar como a solução para a quebra de muitas das barreiras que impedem o pleno desenvolvimento do capitalismo, a realidade comprovou que nas últimas décadas a finança mundializada apenas fez com que os ciclos de crescimento econômico se abreviassem em função do surgimento de momentos de instabilidade graves e de crises sistêmicas cada vez mais agudas.

Entre os efeitos da liberalização financeira, inicialmente é preciso destacar que a ciência econômica vem trilhando um caminho que busca criar instrumentos cada vez mais avançados que potencializam a ideia de se fazer dinheiro mediante aplicações financeiras, mas que apenas exacerbaram o caráter fictício do capital. Trata-se de uma “engenharia” financeira ensinada e aperfeiçoada nas universidades e que passaram a dominar a consciência dos novos economistas.

As pesquisas teóricas dominantes, curiosamente, não se preocupam em tornar as nossas poupanças mais produtivas, mas em gerar instrumentos mais

avançados para se fazer dinheiro com aplicações financeiras. Assim, a área das finanças passou a ser analisada de forma isolada das suas consequências e utilidade econômica, e a especulação financeira adquiriu nas ciências econômicas um papel central (DOWBOR, 2007, p. 13-14).

Estes instrumentos foram potencializados com o avanço das tecnologias de informática e telecomunicações, com isso o dinheiro passou a ser uma notação eletrônica, transformando o mundo em “cassino global” a serviço da especulação financeira. Dessa forma, a economia transformou-se numa ciência que praticamente busca fornecer instrumentos que orientam os especuladores, deixando de se concentrar na construção de uma sociedade capaz de promover o desenvolvimento econômico e social. A atual fase de exacerbação da especulação financeira consiste em desenvolver mecanismos para a simples acumulação de riqueza sem precisar produzir a riqueza correspondente. Descobriu-se que se ganha mais jogando com o dinheiro alheio do que investindo em processos produtivos.

Em segundo lugar, o que se presencia na atual fase de financeirização da economia mundial é uma série de associações que apenas corroboram em ampliar e fortalecer a finança como o principal elemento da economia. Um bom exemplo dessa associação pode ser notado a partir do relatório do FMI23 sobre os supostos benefícios gerados pela mundialização financeira ao canalizar fundos para os seus usos mais produtivos, podendo ajudar tanto os países desenvolvidos como os em via de desenvolvimento a atingir níveis mais elevados de vida. No entanto, a realidade mostra o contrário. A mundialização financeira descapitaliza o setor produtivo, o Estado, as comunidades e o consumidor. Os recursos vazam para os fins especulativos forçando as empresas a buscarem o autofinanciamento. Esse processo, na verdade, desestrutura a capacidade das poupanças de uns irrigarem os investimentos de outros. Foi apenas após sinais muito evidentes da esfera econômica que o FMI começou a ser minimamente moderado em suas expectativas em relação ao processo de mundialização financeira em curso. Isso pode ser verificado em relatório mais recente desse organismo econômico. Nele, o FMI aponta para a possibilidade da mundialização financeira estar criando mais movimentos procíclicos que no passado, podendo gerar uma catástrofe.24

O mercado financeiro possui ainda outros grandes aliados, com destaque para as agências de avaliação de risco. A mundialização financeira é um processo tão incoerente do ponto de vista lógico, que acaba por provocar distorções completamente irracionais. Na atualidade, existe um oligopólio de três empresas mais “conceituadas” em fazer exame de

23 Finance & Development, IMF, (2002, p. 13) apud Dowbor (2007).

24 Raghuram Rajan, diretor do departamento de pesquisa do FMI, Finance and Development, IMF (2005, p. 54)

riscos no mercado financeiro – Moody’s, Standard & Poor (S&P) e Fitch. A irracionalidade está no fato de que essas agências de avaliação são pagas pelos que emitem títulos, e não por investidores que utilizarão as avaliações de risco. Na atual crise financeira, essas agências saíram completamente desmoralizadas, pois faziam excelentes avaliações de títulos públicos e privados que, na verdade, eram de extrema fragilidade. Dessa forma, surgiram questionamentos e exigências em relação à necessidade de se avaliar as agências de avaliação de riscos. “O resultado é que ‘a mais poderosa força nos mercados de capital está desprovida de qualquer regulação significativa” (DOWBOR, 2007, p. 14-15).

Outra associação de caráter duvidoso na atual fase de financeirização mundial é a existente entre a mídia, as corporações e o mercado financeiro. A publicidade nos grandes veículos de comunicação é financiada essencialmente por grandes corporações e instituições financeiras, e constitui a base da sobrevivência econômica dos meios de informação de que dispomos. Por isso, a mídia tende a apresentar apenas imagens simpáticas de quem compra o seu espaço publicitário. Como esperar idoneidade na cobertura jornalística da imprensa se quem paga as despesas dos veículos de comunicação são os agentes econômicos mais poderosos do planeta?

Esta opacidade programada foi reforçada pelo mecanismo que sustenta a mídia no mundo. Hoje, a conta publicitária faz parte do preço que pagamos pelos produtos. Este imposto privado nos custa, na avaliação do PNUD de 1998, cerca de 430 bilhões de dólares, e na avaliação de Lawrence Lessig de 2001 cerca de 1 trilhão de dólares (DOWBOR, 2007, p. 23).

No entanto, um dos aspectos mais preocupantes na atual fase de mundialização das finanças é a associação cada vez mais comum entre o mundo do crime e o mercado financeiro. A cada dia, vemos mais práticas financeiras criminosas, promovidas por indivíduos que se escondem por trás da figura inexistente da pessoa jurídica. Enquanto uma pessoa física pode ser responsabilizada judicialmente pelos seus atos, isto não acontece com a pessoa jurídica, pois ela possui dinheiro, advogados, controle de mídia e poder. A pessoa física normalmente tem preocupações com a ética e com a lei; a corporação tem como obrigação apenas maximizar lucros, satisfazendo assim os seus acionistas, nem que isso signifique adotar práticas financeiras caracterizadas como quase permanente e intrinsecamente fraudulentas.

Essa lógica criminosa dentro do mercado financeiro promoveu uma explosão da dimensão ilegal das atividades corporativas na mesma velocidade que a mundialização financeira. Uma das facetas desse processo é a criação e desenvolvimento dos Paraísos

Fiscais. Estes desempenham o duplo papel de esconderijo legal para os capitais que procuram se subtrair às obrigações fiscais e sociais e de interface com a economia do crime. Jean de Maillard aponta que “esta mundialização da economia criminosa acompanha-se de uma criminalização da economia mundial, e as duas tendências tendem agora a uma lógica comum. A fusão entre a economia legal e a economia criminosa parece, portanto, atualmente realizada”25 (DOWBOR, 2007, p. 25).

O terceiro efeito a se destacar em relação a financeirização da economia mundial e outros apelos da ideologia neoliberal é o enfraquecimento dos Estados Nacionais, que se vêem acuados devido a continua desregulamentação do capital. A sociedade está diante de limites das políticas institucionais que continuam sendo de âmbito nacional enquanto as dinâmicas financeiras já são mundiais. O Estado tradicional está ultrapassado por uma dinâmica que exige respostas rápidas a situações diversificadas e complexas. Para agravar a situação, o uso constante do Estado em função de interesses privados leva a um círculo vicioso que desarticula as atividades produtivas, privilegiando agentes econômicos cujas atividades estão centradas na especulação.

O dilema ao nível da nação fica bastante claro ao examinarmos as tentativas de se implantar no Brasil uma política de juros capaz de conter o consumo e a inflação: a elevação da taxa de juros, normalmente uma iniciativa soberana tomada pelo Banco Central, levou a partir de 1995 a um afluxo impressionante de capitais internacionais à procura de altas remunerações. Tratando-se de capital especulativo extremamente volátil, não reforça a capacidade de investimentos no país, e leva pelo contrário a uma drenagem sistemática de recursos nacionais pela alta remuneração conseguida, tornando a posição insustentável. Vemos aqui claramente os limites de políticas institucionais que continuam sendo de âmbito nacional quando as dinâmicas financeiras já são mundiais (DOWBOR, 2007, p. 18-19).

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