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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Cenário da Gestão Ambiental Contemporânea

2.1.1 A ressignificação do Estado

O declínio do poder do Estado em seu modelo tradicional tem se mostrado irreversível frente ao mundo pós-moderno e os conceitos de cidadania e de sociedade civil são amplamente discutidos a partir da ressignificação do poder do Estado. Por sociedade civil

entende-se a movimentação de grupos e forças pela cidadania. Por cidadania compreende-se um estado de pertença, consequentemente quando um indivíduo pertence para um Estado é possuidor de direitos e deveres. Portanto, cabe aos cidadãos e ao Estado o exercício da cidadania.

O reposicionamento do papel do Estado projetou uma sociedade civil dominada pelos interesses do mercado, o que em muitas situações resultou no enfraquecimento das lutas pela cidadania e do entendimento do exercício da cidadania. Segundo Vieira (2001, p. 27): “O declínio da cidadania está estreitamente vinculado à mudança no papel do Estado”. Uma via de direitos e outra de deveres é que constituí o exercício de cidadania em um Estado-nação. Entretanto, quando esses dois elementos estão confusos, todo o processo político fragiliza-se.

Diagnosticada a relativização do modelo tradicional de gestão do Estado, bem como, elencadas as necessidades de atuação neste mundo pós-moderno, torna-se indispensável construir novos laços que sustentem a administração pública tanto na esfera social, econômica, quanto na ambiental. Para Vieira (2001), uma proposta é abrir espaço na esfera pública, para que grupos voluntários, privados entre outros contribuam na constituição da sociedade civil e consequentemente nas decisões do Estado.

A reconfiguração do Estado não pode desconsiderar o sistema de produção vigente (no caso o capitalista) e a cultura de consumo. Para Bauman (2008, p. 14), apoiado na teoria de Habermas, “[...] se a reprodução da sociedade capitalista é obtida mediante encontros transacionais interminavelmente repetidos entre o capital no papel do comprador e o trabalho no de mercadoria”, não há como desligar o poder da iniciativa privada do capitalismo, “[...] então o Estado capitalista deve cuidar para que esses encontros ocorram com regularidade e atinjam seus propósitos, ou seja, culminem em transações de compra e venda”.

Considerando que o sistema capitalista e a cultura do consumo estão consolidados, e que, como consequência as pessoas estão cada vez mais individualistas e solitárias, passa a ser papel do Estado gerir as questões ambientais que são coletivas. No contexto da gestão ambiental, é indispensável que o poder público assuma uma postura de organizar diálogos entre diferentes atores sociais para promover o respeito e cuidado com o meio ambiente, bem como seja eficiente no gerenciamento de encontros transacionais, e inclusive incentive ações de consumo ambientalmente corretas junto aos cidadãos. É necessário que o Estado não se limite a pensar somente políticas assistencialistas, mas atue como promotor de diálogo entre os atores sociais, buscando mediar os interesses econômicos com a gestão socioambiental.

O desafio para o Estado é encontrar equilíbrio mediante as forças de poder presentes na sociedade, Bauman (2007, p. 31) afirma: “O problema, e a enorme tarefa que provavelmente afrontará o século atual como seu desafio supremo, é unir novamente o poder e a política”. Onde o Estado deverá atuar como defensor dos direitos humanos, entre eles, educação, segurança e continuidade de vida, o que invariavelmente significa participar da gestão do ambiente.

Talvez um dos equívocos do Estado, em função de se render ao poder do sistema capitalista, tenha sido conceder à iniciativa privada, o mercado, a possibilidade de seleção não só de processos, mas também de pessoas. É por isso que Bauman (2008, p. 18) alerta: “Transferir para o mercado a tarefa de remodificar o trabalho é o significado mais profundo da conversão do Estado ao culto da desregulamentação e da privatização”.

Com o reposicionamento do Estado e com a busca por participação da sociedade, se faz necessário compreender a exigência de uma reconfiguração não só do papel do Estado, mas também dos cidadãos. Ao Estado cabe trabalhar e a gerenciar dividindo espaços com os diversos atores sociais. Á sociedade cabe o espaço de exercer seu direito de cidadania. Para Vieira (2001, p. 50): “A cidadania presume a existência de uma sociedade civil inserida em redes e conexões entre pessoas e grupos, e ainda normas e valores que exerçam papel significativo na vida social”. É a sociedade relacionando-se entre si e com os valores daquilo que é moralmente correto. Continuando o autor advoga: “Afinal a cidadania desenvolve-se em comunidades de cidadãos responsáveis através da estrutura da sociedade civil”. Por isso, esta não é uma tarefa fácil, nem para o Estado, que precisa abrir espaço para discussões e participações, nem para os cidadãos, que precisam assumir uma postura ativa e participativa nas decisões dos rumos sociais.

O Estado como espaço público político pode ser compreendido a partir de diversas correntes de pensamento. Para Vieira (2001), esta análise pode ser feita a partir de três modelos: o modelo agonístico, o modelo liberal e o modelo discursivo. O modelo agonístico reconhece o fim da união entre religião, autoridade e tradição. Ou seja, o conceito de um poder sólido e soberano torna-se esgotável. Não há mais distinção entre os espaços de atuação do privado para o público, constituindo assim o que o autor denomina como ascensão social, isto é, de um lado o poder privado, de outro o poder do Estado. Segundo Vieira (2001, p. 53) “[...] a ascensão social e o declínio do espaço público podem ser vistos como tentativa de pensar através da história humana, sedimentada em camadas de linguagem”. Neste caso o espaço público “[...] é definido como um lugar onde ocorre apenas certo tipo de ação”. O

diálogo entre os diversos atores sociais não é possível de acontecer na interação de diversas classes sociais. Por isso, “Somente o poder, no sentido arendtiano, é gerado pelo debate público e sustentado por ele” (VIEIRA, 2001, p. 56).

O modelo liberal propõe a possibilidade de neutralidade constante e se apoia na legalidade para obter legitimidade. O diálogo dos atores sociais é restrito e passa a ser considerado importante a partir da legitimidade do mensageiro. Por isso, algumas classes sociais estão isoladas do debate. Neste sentido Vieira (2001, p. 57) afirma: “Para os liberais, podemos discutir legitimamente os segundos, mas devemos abstrair os primeiros”. Entretanto, uma das criticas a esse modelo é: “[...] justamente o procedimento de diálogo público livre de restrições que vai decidir a natureza dos temas que se debatem” (VIEIRA, 2001, p. 57).

O Estado assume o papel de constituir-se como espaço político, que é expresso na visão Habermesiana como: “[...] criação de procedimentos pelos quais todos os afetados por normas sociais gerais e decisões políticas coletivas possam participar de sua formulação e adoção” (VIEIRA, 2001, p. 59). Uma das potencialidades desta proposta é que não exclui, nem despreza a neutralidade. No entanto, para que esse modelo proposto por Habermas possa ser implementado é necessário o comprometimento e maturidade e o desenvolvimento de uma capacidade de organização dos diferentes atores sociais.

Um dos desafios para a ressignificação do Estado é conduzir uma política que permita a percepção de que os problemas socialmente produzidos não podem ser resolvidos exclusivamente a partir de ações sociais, pois dependem também das mudanças de comportamento. Por isso, que Vieira (2001, p. 59) define: “Surge uma esfera pública quando e onde todos os afetados por uma norma social ou política de ação, empreendem um discurso prático”.

O discurso prático torna-se elemento de legitimação, isto quando sua sustentação está na argumentação e não no consumismo. Vieira (2001, p. 60) explica: “Ao final da análise, o princípio normativo do diálogo livre e irrestrito entre indivíduos racionais, que é o princípio da legitimação democrática para todas as sociedades modernas, não fica ancorado nem nas instituições, nem no mundo da vida”.

Para que esse discurso entre atores aconteça, alguns elementos são fundamentais, entre eles, o desejo de participação dos envolvidos; a responsabilidade e maturidade nos processos de escolhas dos rumos da humanidade; a legitimidade do poder que operacionaliza as

decisões. Ou seja, o Estado precisa assumir o papel de mediador de diálogo entre os diferentes atores e garantir a operacionalização das escolhas construídas conjuntamente.

Considerando que todas as questões estão direcionadas pela lógica do sistema capitalista e pela cultura do consumo, o Estado deve garantir um espaço público de debate que promova a construção de novos saberes e a conscientização daquilo que pode ser precificado e daquilo que tem valor. Por isso, compreender a importância da sustentabilidade e das ações que norteiam a responsabilidade socioambiental torna-se imprescindível para a gestão pública ambiental.