• Nenhum resultado encontrado

A “verdadeira relação” entre demanda, oferta e os problemas económicos

4. Alguns problemas económicos em economia comportamental e Neuroeconomia

4.6 A “verdadeira relação” entre demanda, oferta e os problemas económicos

Demanda e oferta não são forças separadas, são forças interdependentes entre si. Isto ocorre, pois a demanda não é capaz de gerar preços de mercado por si só. Não se trata de anomalias como propõe a economia tradicional, mas de efeitos muito comuns em qualquer área de actividade comercial. Contudo, este aspecto se mostra particularmente acentuado na relação destas forças quando são relativas ao uso dos bens comuns na economia.

Não se pode negar que os economistas tradicionais desenvolveram ferramentas de utilidade incontestável para a ciência económica. Essa utilidade regista-se desde logo na parte do debate sobre as vantagens da especialização do trabalho e na existência do equilíbrio na economia, mas também com a utilização da ferramenta da teoria dos jogos que veio a

certificar e garantir aos agentes económicos (os jogadores) a optimização na utilização dos recursos escassos – entenda-se, maximização de utilidade e minimização de desutilidade. Tudo isto é baseado no conceito de racionalidade segundo os próprios pressupostos da teoria clássica e neoclássica.

Para os economistas tradicionais a demanda é de forma simplificada a quantidade que um determinado número de pessoas está disposto a pagar por um produto ou serviço a um determinado preço. A oferta é a quantidade de bens e serviços disponíveis a um determinado preço. E o equilíbrio destas duas forças formaria o preço de mercado.

Porém alguns estudos vêm contradizendo esta ideia. Principalmente pela alegação de que os demandantes sozinhos não são capazes de determinar um preço de equilíbrio justo (real), pois este é facilmente influenciado pela presença de um preço âncora que pode ser determinado por qualquer informação disponível no mercado.

Alguns testes realizados pelo professor do MIT Dan Ariely (2008) indicaram conclusões bastante interessantes a este respeito. Por exemplo, ele descobriu que as pessoas são altamente influenciadas pelo contexto e por qualquer outra informação do ambiente e também se apegam à decisão que foi tomada. De forma geral as pessoas ficam ancoradas ao primeiro preço de compra que elas utilizaram para comprar um determinado produto e este preço âncora continuará a influir nas decisões de compra desse produto por muito tempo depois. É o que o autor chama de coeficiência arbitrária. Um preço (como o sugerido pelo varejo) só se configura como âncora quando o consumidor pretende comprar o produto ou serviço por aquele preço específico. A partir deste momento toda a decisão de compra referente a este produto ao longo da vida deste indivíduo será influenciada pelo primeiro preço âncora. Em termos de mercado, um caso muito interessante pode ser visto nos produtos da Apple (ipod, iphone, ipad, Mac, etc.). Ocorre uma espécie de fetichismo dos “i”. A verdade é que a Apple sabe gerenciar com maestria o sistema de recompensa cerebral dos seus clientes. Nas palavras do próprio fundador da empresa, considerado por muitos como um ícone deste século, Steve Jobs (1955-2011) “o cliente não sabe o que quer”. Portanto a demanda pode ser orientada a consumir aquilo que a oferta deseja que seja consumido no mercado, desde produtos físicos em si até ideias. Evidentemente algumas excepções existem, as manias de mercado são na maioria das vezes de difícil previsão. Entretanto o estudo do cérebro permite aos ofertantes saber com menor margem de erro aquilo que as pessoas necessitam para aceitarem um produto específico. Portanto, neste contexto, muitos produtos de qualidade são vendidos aos clientes, mas é bem verdade que muitas panaceias também são empurradas ao

consumidor, fazendo com que na maioria das vezes essa compra seja feita de forma inconsciente. Grandes empresas estão cada vez mais atentas ao processo de tomada de decisão dos clientes. Os clientes individualmente ou até em grupos não detêm o poder económico e nem o foco necessário para se defenderem dos estímulos que lhes são lançados no dia a dia do mundo dos negócios.

Por conveniência diz-se que a demanda de um bem depende da renda do consumidor, assim como dos preços do bem e de produtos concorrentes, além de algumas outras variáveis. Mas encarar uma análise da demanda sem considerar o que realmente acontece no cérebro dos consumidores é uma análise incompleta.

Durante muito tempo na ciência económica, alguns autores influentes defenderam a racionalidade dos agentes na vida económica. Era uma época em que os cálculos difíceis aplicados à economia geravam certo status entre os académicos. Tal fato levou à criação de teorias baseadas exclusivamente na criação de modelos derivados de agentes racionais capazes de maximizar os lucros e minimizar as perdas sempre que necessário.

O “romantismo” existente na versão clássica e racional do comportamento do consumidor tornou a análise económica uma ciência “exacta”, assim como a física. Contudo, pode-se afirmar que tal conclusão a respeito da ciência económica era no mínimo utópica, e factivelmente enganosa. Mas como poderiam os economistas e homens de negócios daquela época contestar os “incontestáveis” resultados matemáticos comparativamente com a gama de análises filosóficas derivadas de um grau de subjectividade de grande magnitude? Desta forma, parecia lógico utilizar-se de uma metodologia exacta em vez de compor análises baseadas no simples raciocínio filosófico.

Os economistas sempre inovaram na questão de novas combinações analíticas, primeiro com a filosofia, depois com a matemática e a estatística. Justamente esta enorme capacidade de fazer novas combinações trouxe a ciência para este importante patamar: o estudo do cérebro dos agentes económicos.

A ciência económica quando se deparava com dificuldades para analisar questões económicas complexas como, por exemplo, a existência dos ciclos económicos, recorria à “fuga para a frente”. Isto é, quando ocorria algum problema que dificultava a explicação teórica convencional, os economistas fugiam para a frente com “boas novas” teóricas capazes de explicar o problema do momento.

Poderá haver agora também uma “fuga para a frente”. Parece no entanto ser prudente estudar o cérebro dos tomadores de decisão na economia pois estes tomadores são justamente seres

humanos. Se antes a economia se valia da modelagem do homo-economicus para prever e explicar o comportamento económico, só o fez porque não dispunha da tecnologia que hoje as neurociências oferecem aos neuroeconomistas.

Ao contrário do que preconiza a teoria da demanda, cujo conteúdo indica a variação do consumo em decorrência da variação de preços, renda, preferências, cultura, etc., a demanda depende da forma como estas variáveis se apresentam ao consumidor, ou seja, dependem do contexto.

O cérebro interpreta as coisas de forma automática sendo a percepção fruto da herança genética associada à experiência de vida de uma pessoa. Isto acontece porque antes de ser um investidor, comprador, empregado, etc., uma pessoa constitui-se como um ser biológico, o que significa que a sua percepção dependerá a princípio de factores referentes ao “valor biológico”, ao qual já nos referimos anteriormente, e que em si, é em grande parte inconsciente.

Vejamos o seguinte exemplo. O preço de um bem só reduz a demanda de um produto se assim ele é percebido. Em campanhas de Marketing em que o efeito “grátis” vem estampado, os consumidores são levados a comprar inconscientemente por conta do estímulo gerado. Outro exemplo é o factor de ancoragem: o cérebro memoriza o primeiro preço de um produto. Portanto, uma política voltada para os preços atuais de um produto antigo pode ser desestimulante para a empresa que os vende. Mais, um factor que gera impactos determinantes na hora da compra de um produto pelo demandante é o factor balizamento, em que os preços de bens substitutos, ou dos mesmos bens são comparados na vitrina da loja ou no anúncio tendo em vista a venda de um deles somente utilizando os demais preços para balizar a venda. Isto ocorre constantemente na venda de revistas por assinatura, vitrinas de lojas de varejo, opções de cursos, cardápios de restaurantes, etc.

Evidentemente que cada pessoa detém uma elasticidade preço distinta em relação aos produtos que consome. Entretanto, existe um limite claro entre qualquer grau de elasticidade e a questão do valor biológico. As pessoas agem da mesma forma quando estão sob influência do medo, ou então, perto dos amigos? Dever-se-á chamar nestes casos elasticidade medo? Ou, elasticidade influência de amigos?

Além das questões biológicas endógenas ao ser humano, como por exemplo, na percepção de uma ameaça, levando à decisão de lutar ou fugir, existem portanto as questões relacionadas com o viés cognitivo, que fazem com que as pessoas percebam a comunicação de produtos e serviços de determinada forma, considerando a existência de manias que só podem ser

explicadas por factores que apontam para a comunicação ao cérebro que nos faz decidir - o cérebro reptiliano.

É portanto uma abordagem ao contrário da abordagem que aponta a demanda como origem de valor econômico. Ou seja, dever-se-á atender as necessidades e desejos da demanda. A Neuroeconomia aponta para o fato de que a demanda pode ser orientada pela oferta ou pelo governo em alguns casos, levando a consumir aquilo que se quer que seja consumido. Infelizmente o poder está nas mãos da oferta, apesar de que isto não é tão simples como parece, pois envolve uma questão bastante complexa acerca do gerenciamento do sistema de recompensas cerebral, além de outros factores relacionados com o valor biológico na vida económica.