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A Visão Internacional acerca do Desenvolvimentismo no Brasil

Capítulo 1. A abordagem estruturalista na política industrial

1.1.2. A Visão Internacional acerca do Desenvolvimentismo no Brasil

A discussão desenvolvimentista acerca da articulação do Estado com o setor industrial privado brasileiro remete a análises feitas por autores estrangeiros, como Peter Evans (EVANS, 1979, 1995) e Ben Schneider (SCHNEIDER, 1994, 2012, 2014). Ambos os autores, ao analisar o caso brasileiro, apontam para a centralidade da aliança entre o Estado, as empresas multinacionais e o empresariado industrial para alavancar o desenvolvimento da indústria nacional. Para esses autores, a relevância dessa aliança decorre não apenas da constatação da dependência tecnológica e de capital internacional, mas principalmente remete à formatação de um mecanismo para articulação de esforços, com o objetivo de superar a condição de subdesenvolvimento. Dito de outra forma, a despeito dos esforços nacionais para alavancar a industrialização em países periféricos, os autores argumentam que as novas economias industriais permanecem em uma condição de dependência dos países centrais, que é abordada como uma situação de semiperiferia.

Peter Evans (1979,1995) atribui a essa nova configuração da relação centro- periferia a denominação de desenvolvimento dependente, ou ainda de subdesenvolvimento industrializado. Para o autor, a compreensão do desenvolvimento extrapola o simples processo de industrialização; ou a capacidade de encontrar soluções para os problemas técnicos e tecnológicos que possibilitem o aumento da produção; e até mesmo o aumento da renda bruta do País. Nesse sentido, o desenvolvimento efetivo de um país ocorre quando, ao longo de sua trajetória histórica, os padrões de comportamento do capital privado e do Estado mudam, e com isso a grande massa da população é incluída nos processos de produção e consumo. Assim como abordado pelo estruturalismo, Evans percebe o desenvolvimento como uma transformação na estrutura econômica, política e social do país.

A partir dessa compreensão, Evans (1979, 1995) analisa o contexto do processo de industrialização dos países periféricos e o diferencia do subdesenvolvimento clássico, como também do desenvolvimento ocorrido nos países centrais. Enquanto nos países periféricos a relação de dependência induz a um processo de acumulação de capital excludente, altamente concentrado em grupos políticos e econômicos dominantes, os quais se tornam consumidores dos bens e produtos industrializados dos países centrais; nos países centrais o processo de acumulação de capital é essencialmente inclusivo, sendo a

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origem do processo de inovação produtiva difusa na sociedade e a demanda por consumo mais pulverizada entre a população. Já nos países subdesenvolvidos que são industrializados, nos quais se configura uma relação de desenvolvimento dependente, os processos de acumulação de capital são mais inclusivos, ainda que haja a exclusão de uma parcela da população.

Considerando que os riscos de iniciar o processo de industrialização recaem sobre o empresariado industrial e o Estado, o capital estrangeiro se incorpora a essa nova dinâmica econômica, contudo sem assumir responsabilidade por sua consolidação. Seja por meio do investimento financeiro direto, da transferência de tecnologias já desenvolvidas aos países periféricos, ou ainda da associação com empresas nacionais, o capital estrangeiro participa dessa nova dinâmica do setor industrial e impulsiona a produção já existente, uma vez que esse incipiente processo de industrialização dos países periféricos não representa uma ameaça ao desenvolvimento econômico dos países centrais. Convém destacar que a colaboração que se desenvolve entre o capital privado nacional e o estrangeiro abarca essencialmente os segmentos industriais nos quais a tecnologia utilizada já está desenvolvida e transformada em rotina produtiva pelos países centrais. Desse modo, ademais de não haver um alto custo para a transferência desse know-how, os países centrais permanecem na vanguarda da inovação tecnológica e produtiva.

Assim sendo, conforme colocado por Peter Evans (1979, 1995), o processo de industrialização ocorrido em países semiperiféricos dão continuidade a uma situação de desenvolvimento dependente, visto que as ações de desenvolvimento tecnológico permanecem sob o controle dos países centrais. O objetivo é transferir, dos países centrais para os países periféricos, a produção de bens industriais destinados a um mercado consumidor ampliado, tendo em vista os custos mais baixos de produção nesses países. Em parte essa estratégia se fundamenta pelo alto custo de investimento requerido para a inovação tecnológica, bem como pela exigência de mão de obra especializada. Porém, é também de interesse dos países de economia central manter a exclusividade no processo de inovação, de modo a prosseguir na liderança produtiva em âmbito global. Ademais, quando há investimento de capital estrangeiro em países periféricos ou semiperiféricos, as decisões estratégicas acerca da alocação desse capital permanecem centralizadas nos países desenvolvidos, cabendo aos países beneficiários apenas as decisões operacionais.

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Diante do exposto, Evans afirma que, assim como a transição da estrutura produtiva ocorrida nos países periféricos é gradual, seu reposicionamento no mercado internacional também se dá de forma gradativa. A partir de uma situação periférica, esses países passam a ocupar uma posição de semiperiferia no contexto da divisão internacional do trabalho, o que sustenta sua argumentação acerca do desenvolvimento dependente ou de uma industrialização subdesenvolvida.

Nesse processo de formação de alianças com o capital estrangeiro, o Estado assume um papel importante, tanto na coordenação política para se alcançar um consenso nos investimentos, como também na regulação econômica do País. Em ambos os casos, o Estado precisa desenvolver um arranjo institucional capaz de sustentar o processo de industrialização, atraindo os investimentos estrangeiros ao mesmo tempo em que é articulada a transferência de tecnologia para as indústrias nacionais. Em não havendo uma atuação incisiva e continuada do Estado em prol do desenvolvimento industrial, Evans (1979) argumenta que a lógica operacional do capital estrangeiro tende a frear o processo de industrialização dos países periféricos e, principalmente, criar empecilhos para a transferência de tecnologias que ainda não estejam transformadas em rotinas produtivas.

Na obra “Trazendo o Estado de Volta” (EVANS et al., 1985), Evans expande essa análise acerca da centralidade do papel do Estado na condução do processo de industrialização e do desenvolvimento econômico do País. Para o autor, é esperado que o Estado assuma o protagonismo na atração de investimentos estrangeiros, na consolidação do mercado consumidor interno, e na formatação de incentivos estatais para a dinamização do setor industrial nacional. Ou seja, para que o processo de industrialização em curso se torne exitoso, cabe ao Estado criar um arranjo institucional capaz de dar sustentabilidade às transformações ocorridas na estrutura produtiva, tendo em vista as limitações históricas da estrutura econômica, política e social dos países periféricos.

Ben Schneider (1994, 2012, 2014) reforça a análise feita por Peter Evans acerca da relevância da atuação do Estado na formulação de políticas para o desenvolvimento da indústria, na articulação de alianças com o capital estrangeiro e com o empresariado industrial. Nesse sentido, o autor aponta para a gradativa consolidação de mecanismos institucionais junto ao Estado destinados ao planejamento e à coordenação política, bem como são identificados os bolsões de competência técnica formados em instituições

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estatais. No que se refere à aliança com o capital estrangeiro, Schneider (1994, 2012) reitera essa trajetória de dependência dos países periféricos. Induzido pela escassez de recursos para o investimento em segmentos industriais que exigem grande quantidade de capital, como também pela incapacidade de acompanhar o desenvolvimento científico- tecnológico ocorrido em âmbito internacional, esses países tradicionalmente recorrem ao capital estrangeiro para alcançar o desenvolvimento esperado no setor produtivo.

De certo modo, essa abordagem acerca do desenvolvimento dependente faz uma nova leitura do pensamento desenvolvimentista. Enquanto o desenvolvimentismo preconiza que o processo de industrialização é estratégico para a superação do subdesenvolvimento, e que o Estado deve ocupar uma posição estratégica para dinamizar a economia do setor industrial. A análise feita por esses autores internacionais elucidam a contínua situação de dependência dos países em desenvolvimento, tendo em vista a sujeição ao capital estrangeiro para alcançar o êxito esperado no processo de industrialização. Dito de outra forma, tanto Peter Evans como Ben Schneider argumentam que, por não estar sustentado no desenvolvimento integral e na efetiva transformação das condições estruturais do País, essa estratégia de industrialização não alcança o objetivo de reposicionar o País no contexto da divisão internacional do trabalho. Para os autores, a industrialização de países periféricos ocorre de modo desarticulado das condições econômicas e sociais requeridas para a sua mudança estrutural, o que caracteriza uma posição de semiperiferia, ou de subdesenvolvimento industrializado.