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O Plano de Obras e Equipamentos, de 1944 a 1948 (interrompido em 1947)

Capítulo 3. Análise da trajetória da política industrial no Brasil

3.2. As políticas industriais formuladas no período de 1938 a

3.2.3. O Plano de Obras e Equipamentos, de 1944 a 1948 (interrompido em 1947)

O Plano de Obras e Equipamentos71 é concebido como uma nova diretriz para os investimentos do Estado no quinquênio de 1944 a 1948, dando continuidade às obras de infraestrutura e a modernização das indústrias já beneficiadas anteriormente. A principal diferença com o Plano Especial reside na destinação de recursos essencialmente para investimentos civis, não mais priorizando as ações relativas à defesa nacional. Essa reorientação dos investimentos está em alinhamento com os resultados das missões Taub (1941) e Cooke (1942), que consideram a precariedade da rede de abastecimento de energia elétrica no País e a carência de investimentos em modernização tecnológica como os principais gargalos ao desenvolvimento da economia nacional. Ainda assim, a formatação do Plano de Obras e Equipamentos não o caracteriza como uma política industrial, mas apenas como uma política de investimentos em infraestrutura econômica.

É importante destacar que existe uma diferença na posição ocupada pelo Estado se comparado o Plano de Obras e Equipamentos ao Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional. Enquanto no Plano Especial a atuação estratégica do Estado se restringe às prioridades de segurança nacional e aos segmentos de petróleo e siderurgia, estimulando a participação do setor privado industrial na execução dos demais investimentos produtivos; no Plano de Obras e Equipamentos o Estado se revela mais centralizador dos processos decisórios acerca dos investimentos, atuando diretamente nas iniciativas relacionadas ao segmento de energia hidrelétrica, mineração, siderurgia e transporte ferroviário, em grande parte motivado pelo fortalecimento do pensamento nacional desenvolvimentista. À medida que o Estado se apropria dos métodos de planejamento para definir e coordenar os investimentos públicos, e passa a atuar diretamente em empreendimentos do setor produtivo, gradativamente o protagonismo do empresariado industrial é deixado para segundo plano.

Ao perceber essa perda de protagonismo, os setores produtivos se organizam e buscam uma aproximação com o Estado. Seja por meio da produção de estudos e pesquisas acerca dos respectivos setores produtivos; da participação em conselhos participativos; ou da organização de conferências nacionais para debater a política industrial, reunindo representantes dos diversos segmentos industriais; o empresariado industrial se mobiliza

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para propor estratégias para a ação estatal e influenciar as decisões políticas acerca da priorização dos investimentos públicos. Nesse sentido, convém destacar a criação do Conselho Nacional de Política Industrial e de Comércio (CNPIC) em 1943, que concretiza esse esforço de integrar os diversos setores produtivos no planejamento estatal e na formulação da política industrial, de comércio exterior e outras medidas econômicas. Porém, a liderança exercida por Roberto Simonsen por meio do CNPIC provoca reações contrárias junto à burocracia estatal, que cria a Comissão de Planejamento Econômico (CPE), em 1944, subordinada ao Conselho de Segurança Nacional, como forma de minimizar a influência do setor privado junto às decisões econômicas do Estado (BIELSCHOWSKY, 1988; BRESSER-PEREIRA; DINIZ, 2009).

Esse distanciamento entre a iniciativa privado e a burocracia estatal tem sua origem na formulação, pelo CNPIC, de uma proposta para a política industrial e comercial do País. Sob o título de ‘A Planificação da Economia Brasileira’, essa proposta traz argumentações favoráveis à planificação da economia do País; à promoção de incentivos estatais para a iniciativa privada; à atração do capital estrangeiro; e de promoção do bem estar social. Esse intuito de estreitar a relação entre o Estado e os setores produtivos privados também é identificado por meio da participação de representantes da burocracia estatal na I Conferência Nacional das Classes Produtoras.

Realizadas em 1945, em Teresópolis/ RJ, a I CONCLAP72 se configura como um espaço de discussão política e de articulação entre o setor industrial, o setor comercial e o Estado, acerca dos desafios econômicos do País e das estratégias almejadas para o aumento da produtividade nacional. Para Bielschowsky (1988), a I CONCLAP constitui um marco na trajetória da política industrial, visto que ela oportuniza uma reaproximação na aliança entre o empresariado industrial e o Estado. Como resultado, o empresariado industrial manifesta-se por meio da Carta Econômica de Teresópolis em favor de uma maior

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A I Conferência Nacional das Classes Produtoras foi organizada em torno de 10 temas: 1) o Estado e a ordem econômica; 2) a elevação do bem estar da população; 3) a política de produção agrícola; 4) a política de produção industrial e mineral; 5) a política de investimentos; 6) os setores de energia e transportes; 7) a política comercial; 8) a política monetária, bancária e fiscal; 9) a política social e trabalhista; e 10) a política imigratória. Esses temas revelam a intenção do Estado e também das classes produtoras em influenciar a formulação das políticas públicas afetas a suas respectivas áreas de interesse, assim como ressaltam a preocupação com a melhoria da qualidade de vida da população. No que se refere às questões do setor industrial, Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi ocuparam uma posição de liderança na mesa diretora, o que permitiu permear a Carta Econômica de Teresópolis com o pensamento desenvolvimentista do setor privado. Informações extraídas do portal do SESC, acessado em 29/06/2016, pelo link http://www.sesc.com.br/portal/sesc/o_sesc/A+Carta+da+Paz+Social/.

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liberdade da iniciativa privada, visto que o capital é considerado pelos desenvolvimentistas do setor privado como um instrumento para a expansão econômica e a superação do subdesenvolvimento. Logo, a interferência do Estado é concebida apenas por meio das medidas de estímulos ao capital privado e de proteção à produção nacional.

Em 1947, com o término da II Guerra Mundial e a priorização dos Estados Unidos para os investimentos requeridos no Programa de Reconstrução Europeia, o Plano de Obras e Equipamentos é interrompido por conta do não cumprimento no repasse dos recursos requeridos para as obras do setor energético, de transportes e de combustível. De certo modo, essa nova conjuntura econômica contribui para uma aproximação entre o segmento industrial e o Estado, conforme constatado na ocasião da II CONCLAP.

Realizada em 1949, a II CONCLAP73 atribui à atividade industrial uma importância diferenciada, tendo em vista a convergência no posicionamento do Estado e dos setores produtivos acerca da centralidade da industrialização para a superação do subdesenvolvimento e o reposicionamento do País em uma nova função no contexto da divisão internacional do trabalho. Nessa ocasião é observado um posicionamento diferenciado do Estado quanto à aliança com os setores produtivos, bem como no que se refere à dependência e associação com o capital estrangeiro. Essa tentativa de aproximação é percebida nos discursos74 expressos por meio da Carta de Araxá, em que o setor industrial expõe acerca da necessidade de juntamente com o Estado planejar um grande projeto de desenvolvimento da indústria em âmbito nacional, em vez de pulverizar os esforços em torno de prioridades individualizadas ou de preocupações exclusivamente regionalistas.

Cabe notar que esse posicionamento critica a tendência de expansão regional da indústria, ocorrida de forma desarticulada e sem planejamento, em especial após o falecimento de Roberto Simonsen, cuja capacidade de liderança era responsável por

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A II Conferência Nacional das Classes Produtoras foi organizada em torno de 8 temas: 1) a aquisição de equipamentos e o desenvolvimento industrial; 2) o aumento da produtividade do trabalho e racionalização da administração; 3) a distribuição regional das indústrias e o aproveitamento de recursos locais; 4) as questões de salários, assiduidade e estabilidade da mão de obra; 5) a industrialização de bens primários; 6) a indústria de pesca; 7) a indústria extrativista; e 8) o setor de energia e combustíveis.

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Informações extraídas do Diário de São Luiz, do dia 29 de julho de 1949, disponibilizado no acervo digital da Biblioteca Nacional, conforme acesso em 29/06/2016 pelo link

http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=093874&pagfis=14184&pesq=&url=http:// memoria.bn.br/docreader#

E também da Revista do Comércio, n. 37 e vol. V, de maio – junho de 1949, acessada em 29/06/2016 pelo link http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=acrjrevistas&pagfis=48758&pesq=

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agregar os interesses difusos do empresariado industrial. Portanto, frente à escassez de capital e à urgência de ampliar e modernizar o parque industrial brasileiro, o empresariado industrial manifesta-se favorável à atuação direta do Estado em investimentos do setor produtivo, como também na criação de condições mais atraentes para o capital estrangeiro. Esse posicionamento não apenas indica a centralidade dessa aliança tripartite entre Estado, setor industrial privado e capital estrangeiro, mas implica também no fortalecimento do pensamento desenvolvimentista do setor público.

Ainda como decorrência da escassez de capital para investimento, o empresariado industrial manifesta a necessidade de criar o Ministério da Economia, com a finalidade de amparar financeiramente as atividades dos setores produtivos no País. Assim sendo, o Estado sai da II CONCLAP com a liderança política fortalecida, o que lhe atribui credibilidade às iniciativas de empreendedorismo junto ao setor produtivo.