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As críticas liberais ao desenvolvimentismo brasileiro e o neoliberalismo

Capítulo 1. A abordagem estruturalista na política industrial

1.1.3. As críticas liberais ao desenvolvimentismo brasileiro e o neoliberalismo

Apesar do alerta acerca dos riscos de um planejamento centralizado e uma excessiva intervenção estatal, durante o período militar o desenvolvimentismo do Estado brasileiro se afasta da estruturação vigente na década de 1950. Observa-se, nesse período, um acentuado grau de centralização das decisões estatais na formulação da política industrial, além de um intenso processo de estatização da economia e dos empreendimentos produtivos. Diante desse novo contexto, abre-se uma janela de oportunidade para a fragilização do pensamento desenvolvimentista e o fortalecimento dos pressupostos liberais junto ao Estado. Embora a abordagem liberal não seja utilizada como referencial analítico na tese, é importante fazer uma breve análise de sua argumentação

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para compreender as principais críticas feitas ao desenvolvimentismo brasileiro, como também a inserção do pensamento neoliberal junto ao Estado brasileiro nas décadas de 1980 e 1990.

Desde 1930 o pensamento liberal é uma das correntes de pensamento com relevante expressão no País (BIELSCHOWSKY, 1988; BRESSER-PEREIRA; DINIZ, 2009; FURTADO, 2000) e, tendo em vista os sucessos e fracassos do desenvolvimentismo, passa por reformulações em sua argumentação. De início, a principal crítica liberal ao pensamento desenvolvimentista diz respeito à intervenção do Estado na economia, uma vez que seus pressupostos são a autonomia do capital privado e a autorregulação do mercado. Nesse sentido, entende-se que o subdesenvolvimento é um processo histórico espontâneo e a intervenção do Estado não traria efetivas mudanças nas condições estruturais do País.

Um dos principais representantes do pensamento liberal no Brasil é Eugênio Gudin5. Defensor da intervenção mínima do Estado na economia e da participação do capital estrangeiro no processo de industrialização, Gudin entende que o Estado deve atuar de modo a corrigir as falhas do mercado e mitigar as deficiências do sistema econômico nos países periféricos. Diferentemente das economias centrais, os países periféricos demandam um maior intervencionismo estatal, tendo em vista a necessidade de formação de poupança interna e a insuficiente acumulação de capital pelo empresariado dos setores produtivos. Ademais, Gudin também defende a atuação do Estado para o desenvolvimento. Nesse sentido, cabe ao Estado garantir o equilíbrio monetário e cambial, contudo sem intervir nos mecanismos de preços e tão pouco na estatização da economia. Ainda segundo o pensamento liberal de Gudin, o desenvolvimento não é associado somente à atividade industrial, mas também pode ser alcançado por meio do desenvolvimento da agricultura e do comércio exterior.

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Eugênio Gudin ocupou entre funções de destaque junto ao Estado brasileiro. Em 1944 participa da criação do curso de economia no Brasil, dando o impulso necessário para a criação da Fundação Getúlio Vargas nesse mesmo ano. Também participou como delegado brasileiro na Conferência de Bretton Woods, para discutir acerca das questões monetárias internacionais no período pós II Guerra Mundial, a qual resultou na criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Outra importante contribuição de Gudin refere-se à aprovação da Instrução 113, criando a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), que facilitava os investimentos estrangeiros no País, e também a importação de máquinas e equipamentos sem cobertura cambial (BIELSCHOWKSY, 1988).

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Já no que se refere ao protecionismo estatal, os argumentos utilizados por Gudin sustentam apenas a proteção a setores industriais considerados estratégicos para o País, ou ainda enquanto sua formação é incipiente. Uma vez estabelecida a atividade industrial, o Estado deve suspender as medidas de proteção, sob o risco de comprometer as condições de competitividade do livre mercado. Cabe ainda mencionar sua argumentação acerca do planejamento, visto que Gudin considera válido o processo de planejamento econômico em âmbito nacional, desde que o Estado não exceda suas competências centrais de provedor de incentivos ao capital privado.

A argumentação liberal ganha força política e também junto a grupos industriais a partir de meados da década de 1970, quando, com a crise internacional do petróleo, a economia brasileira deixa de crescer, deixando evidente que o desenvolvimento industrial não implica necessariamente na autonomia econômica, e nem mesmo no desenvolvimento social do País. Porém, é com o agravamento da crise econômica e a insatisfação com a atuação intervencionista do Estado que, na década de 1980, a abordagem nacional- desenvolvimentista perde espaço para o pensamento liberal. Desde então, o Estado gradativamente deixa de exercer seu protagonismo na política industrial e são implementadas algumas das recomendações6 neoliberais concebidas pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial aos países da América Latina, que ficam conhecidas como Consenso de Washington.

Entretanto, diante dos resultados alcançados por meio da industrialização por substituição de importações e dos grandes planos de desenvolvimento nacional, as críticas liberais são reformuladas e a argumentação a favor do livre mercado é ponderada. Ou seja, o neoliberalismo cogita certo grau de intervenção estatal na economia, com o intuito de mitigar as falhas do mercado. Assim sendo, as críticas ao pensamento desenvolvimentista são reestruturadas em torno das seguintes propostas: i) a redução da intervenção do Estado na economia e na organização do mercado, em específico no que tange a criação de empresas estatais do setor produtivo; ii) a priorização da política macroeconômica, frente

6 A estratégia liberal adotada pelo Brasil seguiu em boa medida o pacote de prescrições recomendadas por

instituições internacionais, a exemplo do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI). Conhecido como Consenso de Washington, esse pacote contempla 10 medidas, a saber: i) disciplina fiscal; ii) redução dos gastos públicos; iii) reforma tributária; iv) juros de mercado; v) cambio de mercado; vi) abertura comercial; vii) investimento estrangeiro sem restrições; viii) privatização de empresas estatais; ix) desregulamentação da economia; e x) direito à propriedade intelectual.

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aos planos nacionais de desenvolvimento, visando manter o controle sobre os gastos públicos e o balanço comercial; e iii) a limitação da proteção estatal à indústria nacional, de modo a criar um ambiente de maior abertura econômica e do mercado.

Frente ao exposto, Bielschowsky aponta para um ponto de convergência entre o novo pensamento liberal e a abordagem desenvolvimentista do setor privado, quanto à extensão da intervenção do Estado na economia. Para o autor, ambas as abordagens se preocupam com o protagonismo do segmento industrial e propõem uma aliança público- privada orientada para sanar os problemas inerentes ao processo de oferta e demanda. Nesse sentido, argumentam favoravelmente à intervenção mínima do Estado, seja na adoção de medidas protecionistas à indústria nacional ou ainda na complementação de investimentos onde a iniciativa privada não se faça presente. Portanto, conforme colocado por Bielschowsky (1988), o pensamento neoliberal resulta desse debate acerca das diferentes concepções para o desenvolvimento brasileiro e das críticas liberais à intervenção do Estado.

De modo similar, Bresser-Pereira (2011) considera que o pensamento neoliberal é resultado desse debate histórico, o que leva à combinação de premissas liberais com alguns aspectos do desenvolvimentismo. Nesse sentido, o autor afirma que o neoliberalismo tanto defende a desregulamentação da economia, a abertura comercial e a aliança com o capital estrangeiro; como também se mostra favorável à prática da regulação econômica e da complementação de investimentos estatais em segmentos estratégicos. A despeito da rejeição à estratégia nacional-desenvolvimentista, considerada um modelo populista e causador da alta inflacionária; é argumentado que o processo de abertura econômica deve ser conduzido de forma gradual e planejada, tendo em vista os quase cinquenta anos de aliança entre os empresários industriais e a burocracia estatal em prol da industrialização. Conforme colocado por Bresser-Pereira e Diniz (2009), o apoio do empresariado industrial à proposta neoliberal é evidente, persistindo “porém, desacordo quanto à forma e ao ritmo de introdução de itens da nova agenda” (p. 86), uma vez que os pressupostos do Consenso de Washington propõem uma maior celeridade a esses processos.

Convém destacar que dois argumentos neoliberais são responsáveis por consolidar o apoio do segmento industrial, em específico dos empresários não nacionalistas. Primeiramente, é defendido que a abertura econômica e do mercado pode beneficiar a

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indústria brasileira, em especial no que tange a ampliação do capital para investimento, como também a transferência de novas tecnologias. O segundo argumento também remete aos benefícios da aliança com o capital estrangeiro e diz respeito à inserção da indústria brasileira em cadeias produtivas em escala global. Todavia, a abertura comercial e econômica do País provoca também o desaquecimento da atividade industrial nacional, tendo em vista sua incapacidade de competir com os concorrentes internacionais. Conforme análise de Bresser-Pereira e Diniz (2009), essa situação é agravada quando, na década de 1990, os processos de desestatização e de privatização são ampliados, evidenciando a desnacionalização da indústria brasileira e tornando eminente o risco de desindustrialização. Assim sendo, a despeito dos avanços ocorridos no período desenvolvimentista, as mudanças provocadas pelo pensamento neoliberal são significativas e resultam em uma ampla reestruturação do parque industrial brasileiro e da composição de seu capital.

De fato, a partir do momento que o Brasil adota as recomendações do Consenso de Washington, dá-se início a um profundo processo de reestruturação industrial. Primeiramente, a participação do capital estrangeiro, multinacional e financeiro, aumenta no País, o que sustenta a argumentação de desnacionalização da indústria nacional. Em segundo lugar, um grande número de empresas nacionais é privatizado, tendo o capital estrangeiro como um importante investidor, o que impulsiona a inserção internacional dessas empresas. Em terceiro lugar, o Estado deixa de atuar como empreendedor no setor produtivo e adquire duas novas características: o Estado regulatório e o Estado investidor. Porém, induzido pelas baixas taxas de crescimento do País e pelo aumento das desigualdades sociais, verificados em meados da década de 1990, o pensamento neoliberal predominante é gradativamente enfraquecido junto ao Estado e oportuniza a retomada da abordagem desenvolvimentista.

O fracasso do pensamento neoliberal é concretizado pelas baixas taxas de crescimento econômico, pelo aumento do desemprego e da desigualdade de renda, e pela queda na participação da indústria no Produto Interno Bruto do País. Ademais, diante do crescimento econômico constatado nos países que não adotaram as medidas preconizadas pelo neoliberalismo e pelo Consenso de Washington – a exemplo da China e da Índia –, gradativamente o empresariado brasileiro e a própria burocracia estatal passa a rejeitar os

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pressupostos neoliberais relacionados ao imperativo absoluto da política econômica e fiscal, em detrimento das questões sociais e produtivas do País.

Ao contrário do que é comumente acreditado, o desempenho dos países em desenvolvimento no período em que o desenvolvimento estava orientado pelo Estado foi superior ao resultado obtido no período subsequente da reforma orientada para o mercado. Houve fracassos espetaculares decorrentes da intervenção estatal, mas a maioria desses países cresceu mais rápido, com uma distribuição de renda mais equitativa e com muito menos crises financeiras... do que ocorrido no período das reformas orientadas para o mercado. Ademais, não é verídico que praticamente todos os países ricos ficaram ricos por meio de políticas de livre mercado. A verdade é quase o oposto. Com algumas exceções, todos os países atualmente ricos... – supostamente lares do livre mercado e do livre comércio – se tornaram ricos a partir de uma combinação de protecionismo, subsídios e outras políticas as quais hoje eles não aconselham que sejam adotadas pelos países em desenvolvimento. (CHANG, 2012, p. 27)

1.1.4. O neodesenvolvimentismo

O prefixo neo é utilizado para caracterizar o ressurgimento do pensamento desenvolvimentista, especialmente após a década de 2000. Essa retomada do papel do Estado nas funções de regulação da economia e do mercado, como também na promoção de políticas de inclusão social, fundamenta-se em princípios e instituições herdadas do velho desenvolvimentismo e do pensamento estruturalista. Com o apoio de parte do empresariado industrial7, insatisfeito com a tendência de desnacionalização do setor produtivo decorrente do período neoliberal, o Estado traz uma vez mais para a sua agenda as preocupações com problemas específicos da política industrial e comercial, a discussão acerca da formulação de um projeto para o desenvolvimento econômico e social do País e, principalmente, a questão referente à vinculação da política macroeconômica às prioridades de desenvolvimento nacional. Observa-se assim o impulso inicial para uma repactuação da aliança do Estado com o setor privado.

O neodesenvolvimentismo resulta do debate entre o pensamento desenvolvimentista e as críticas neoliberais, e traz inovações conceituais tendo em vista os

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Conforme analisado por Bresser-Pereira e Diniz (2009), parte do empresariado industrial brasileiro permaneceu em desacordo com as medidas neoliberais adotadas pelo Estado, desde a retomada democrática em 1988. Com o aval de 32 das maiores indústrias nacionais, em 1989 é fundado o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, com o objetivo de defender os interesses da indústria nacional e fazer resistência à tendência internacionalista adotada pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). As informações referentes à atuação do IEDI em prol do desenvolvimento nacional do País podem ser acessadas em http://www.iedi.org.br/

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fracassos experimentados anteriormente em ambas as abordagens. Uma primeira característica herdada do desenvolvimentismo refere-se à importância atribuída ao planejamento nacional, compreendendo tanto as prioridades econômicas, as expectativas dos diversos setores produtivos, e ainda as questões sociais. Ademais de valorizar o planejamento integral para o crescimento econômico do País, o neodesenvolvimentismo busca articular esse planejamento nacional com as políticas setoriais (ou seccionais), visando assim criar um ambiente político inclusivo e favorável ao protagonismo da iniciativa privada. Luiz Carlos Bresser-Pereira e Eli Diniz (2009), ao discutirem essa retomada do pensamento desenvolvimentista junto ao Estado brasileiro, enfatizam a importância de se definir uma clara alternativa macroeconômica e, principalmente, uma estratégia de desenvolvimento nacional, frente ao esgotamento da hegemonia neoliberal.

Uma segunda característica do pensamento neodesenvolvimentista diz respeito à importância atribuída à atividade industrial, que permanece como um dos principais motores do desenvolvimento. Porém, o processo de industrialização deixa de ser compreendido como a estratégia para a superação do subdesenvolvimento. Nesse sentido, os diversos setores produtivos passam a ocupar uma posição similar na agenda do Estado, seja o setor industrial, o agropecuário, a agroindústria, o sistema financeiro e, até mesmo, o comercial.

Uma terceira característica do pensamento neodesenvolvimentista refere-se à centralidade do papel do Estado, que deve exercer a liderança na aliança público-privada e conduzir o processo de desenvolvimento produtivo do País. Todavia, não lhe é atribuído o papel de atuar diretamente no mercado, como um ator empreendedor. Ou seja, a atuação do Estado na economia é concebida de forma restrita, contemplando ações de incentivo à iniciativa privada; a criação de um ambiente político-econômico favorável à atuação do capital estrangeiro; e, principalmente, a regulação da economia e do mercado, intervindo apenas quando houver a necessidade de mitigar gargalos ao desenvolvimento.

É importante destacar que, nesse contexto de criação de um ambiente favorável à atuação do setor privado, uma das expectativas de atuação do Estado é na promoção de ações destinadas ao desenvolvimento científico e tecnológico do País. Tendo em vista o reconhecimento que o progresso científico e tecnológico é a principal forma para aumentar a produtividade e a competitividade dos setores produtivos, o neodesenvolvimentismo

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aponta para a urgência de se enfrentar esse gargalo histórico ao desenvolvimento. Seja por meio de incentivos à iniciativa privada, pelo aprimoramento da formação do trabalhador ou por meio da aliança com o capital estrangeiro, a política de desenvolvimento científico e tecnológico é estreitamente correlacionada às estratégias dos diversos setores produtivos.

Por fim, uma quarta característica do pensamento neodesenvolvimentista refere-se à participação do capital estrangeiro em investimentos do setor produtivo. A abordagem neodesenvolvimentismo atribui ao capital estrangeiro os benefícios decorrentes da introdução de novas tecnologias e know-how, além da facilitação para a inserção da indústria brasileira no mercado internacional. Porém, faz uma ressalta à livre atuação do capital estrangeiro no País, em especial o financeiro, recomendando que sua entrada seja regulada pelo Estado e que os novos investimentos sejam direcionados de acordo com os interesses nacionais.

Diante do exposto, tem-se que essa retomada desenvolvimentista representa para o empresariado industrial um retorno da política industrial para o centro da agenda do Estado e a volta de sua participação de modo ativo na política industrial e econômica. Apesar de não mais ocupar uma posição central na estratégia para a superação do subdesenvolvimento, o pensamento neodesenvolvimentista favorece a retomada da aliança entre o empresariado industrial e o Estado. Ao analisar o neodesenvolvimentismo brasileiro, Renato Boschi (2012) corrobora a relevância assumida pelo Estado na reconstrução de uma agenda neodesenvolvimentista, orientada para fomentar o desenvolvimento produtivo e tecnológico da indústria; como também na reestruturação da aliança com o empresariado industrial brasileiro e o capital estrangeiro.

Entretanto, o debate neodesenvolvimentista não alcança um consenso acerca da extensão do protagonismo do Estado na aliança púbico-privada, ou mesmo acerca do grau de intervenção no setor produtivo e de proteção à indústria nacional. Uma das questões centrais desse debate reside na expectativa de regulação das atividades econômicas pelo Estado. Tanto Bresser-Pereira (2011), como Boschi (BOSCHI; GAITÁN, 2008; BOSCHI, 2011, 2012), identificam uma forte tendência intervencionista do Estado brasileiro, em especial após a crise econômica internacional de 2008. Para os autores, as propostas de regulação são construídas a partir de arranjos institucionais do velho desenvolvimentismo, formatados a partir da relação centro-periferia.

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Uma segunda questão que suscita esse posicionamento ambíguo do Estado diz respeito à expectativa de aprimorar a infraestrutura econômica e social do País, necessária para aumentar a competitividade dos setores produtivos brasileiros. Essa é uma das questões que justifica a aceitação de um caráter intervencionista do Estado neodesenvolvimentista. Todavia, Bresser-Pereira e Boschi alertam para os riscos de se utilizar antigos mecanismos desenvolvimentistas, que tendem à atuação centralizadora e impositiva do Estado, para a formulação de novos planos nacionais. De fato, essa tendência intervencionista pode ser confirmada a partir da expansão na criação de empresas estatais do setor produtivo ocorrida sob a argumentação neodesenvolvimentista.

Por fim, uma terceira questão que suscita esse debate acerca da extensão do protecionismo estatal à indústria nacional diz respeito aos privilégios concedidos para segmentos produtivos em separado. Ao formular de políticas industriais setoriais, sem haver coordenação entre elas, o Estado dá incentivos diferenciados para cada setor. Em alguns casos, esses incentivos se dão de forma excessiva ou até mesmo em detrimento das metas desejadas para o desenvolvimento nacional.

Tendo em vista essa discussão acerca da formatação do pensamento neodesenvolvimentista, Boschi (2011, 2012) argumenta que esse é um modelo teórico ainda em formação. E, diferentemente do desenvolvimentismo identificado entre as décadas de 1930 e 1950, ainda é cedo para identificar vertentes ideológicas consolidadas. Por um lado, postula-se a formatação de fóruns estatais para a coordenação dos diversos atores institucionais e a articulação política, o que sustenta as premissas de participação e de reconfiguração da aliança público-privada. Por outro lado, observa-se o fortalecimento dos mecanismos estatais de regulação da atividade econômica e de coordenação do mercado, o que aponta para uma tendência intervencionista do Estado. Ou seja, ainda não há um consenso acerca do grau de intervenção estatal na economia, ou até mesmo sobre a extensão da participação da iniciativa privada na política industrial. Conforme colocado por Boschi e Gaitán (2008), a despeito de haver um consenso na centralidade do papel do Estado para o desenvolvimento do País, e até mesmo existir uma “relação positiva entre intervencionismo estatal e êxitos nos modelos de desenvolvimento” (p. 309), o grau de intervenção do Estado e a formatação dessa interação entre Estado e segmento industrial é peculiar em cada País.

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Schneider (2012, 2014) também considera que o Estado brasileiro neodesenvolvimentista revela um posicionamento híbrido, que combina de modo singular os mecanismos de incentivo e controle em sua interação com o mercado. Para o autor, ao mesmo tempo em que o Estado retoma um papel de planejamento da economia e de regulação do mercado; são também identificados incentivos à participação do capital estrangeiro, multinacional e financeiro, na estrutura produtiva do País. É certo que a presença de multinacionais, grandes responsáveis por investimentos em processo de transferência tecnológica e modernização produtiva no País, tem suas atividades regulamentadas pelo Estado. Porém, o autor considera que a regulação e a coordenação política feita pelo Estado não impacta de modo significante na hierarquia de decisão dos investimentos, que permanece subordinada aos interesses do capital estrangeiro.

Essa relação de colaboração e dependência, entre o Estado, o empresariado industrial e o capital estrangeiro, é um dos principais aspectos desse caráter híbrido apontado por Schneider (2014). Historicamente essas alianças se revelam indispensáveis para o processo de industrialização, especificamente dos segmentos com uso intensivo de