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III Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico, de 1980 a 1985 (interrompido em 1984)

Capítulo 3. Análise da trajetória da política industrial no Brasil

3.3. As políticas industriais no período de 1964 a

3.3.7. III Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico, de 1980 a 1985 (interrompido em 1984)

O III PND100 é idealizado em um contexto de crise econômica101 e de instabilidade política, decorrente da fragilização da aliança entre o Estado e o setor privado. Se no PND I e II o discurso do Estado estava imbuído do conceito de Nação Potência e havia um objetivo explícito de elevar o País a uma condição de desenvolvimento; com o agravamento da crise econômica em âmbito internacional e no Brasil, os objetivos do III PND são reduzidos ao alcance de uma situação econômica mais estável. Tendo em vista o esgotamento da terceira onda de industrialização, os principais desafios do III PND são: formatar uma nova estratégia para o desenvolvimento produtivo do País; conter a inflação; equilibrar os gastos púbicos e também o balanço de pagamentos; e aumentar a taxa de emprego.

No curto prazo, com vistas a retomar uma trajetória de crescimento econômico e superar o estrangulamento da produção industrial, as medidas adotadas pelo Estado são de reduzir as importações e incentivar a expansão das exportações, além de facilitar o acesso a crédito para micro e pequenas empresas. Em um cenário de crise, o Estado deixa efetivamente de atuar como empreendedor e reduz sua intervenção na economia. Cada vez mais, o papel assumido é de regulação da atividade econômica, de fiscalização dos gastos públicos, e de desoneração do orçamento estatal, o que por sua vez induz à venda de ativos estatais e ao início das privatizações de empresas estatais deficitárias. Com exceção do setor elétrico, dos investimentos na Petrobras e no Proálcool, os incentivos para os demais segmentos industriais são colocados em segundo plano, o que acirra a insatisfação do empresariado industrial com o posicionamento do Estado.

No III PND, os setores prioritários são o de agricultura e abastecimento, o energético e o social. Obviamente, há uma programação de atividades para os

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Instituído por meio da Resolução do Congresso Nacional 01, publicada em 22 de maio de 1980.

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Com o segundo choque da crise internacional do petróleo, em 1979, o valor internacional do barril de petróleo dobra e impacta diversas economias mundiais. No Brasil, esse segundo choque da crise do petróleo agrava ainda mais a economia, deixando a inflação fora de controle e desequilibrando o balanço de pagamentos.

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demais setores (indústria, infraestrutura e outros)... (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1980, p. 50)

Grandes prioridades do III PND, os setores de energia e de combustíveis são percebidos como essenciais para equacionar o funcionamento do sistema econômico brasileiro, especialmente diante de um cenário internacional no qual o petróleo se torna objeto de disputas políticas e econômicas. Nesse período, o petróleo importado corresponde a quase 40% da energia total consumida no País. Logo, para se alcançarem as metas de controle inflacionário e equilíbrio do balanço comercial, torna-se indispensável investir na Petrobrás e no Proálcool. Nesse sentido, as principais medidas adotadas são: i) desestimular via preços o uso de fontes importadas de energia primária (petróleo e carvão mineral); ii) tabelar preços relativos das principais fontes de energia sob controle estatal (petróleo, carvão, álcool e energia elétrica); iii) priorizar programas de substituição do uso de derivados do petróleo; iv) destinar orçamento para aprimorar os projetos de pesquisa e exploração de petróleo, através da Petrobrás; v) intensificar a pesquisa para o aproveitamento de fontes não convencionais de energia; vi) patrocinar o estabelecimento de uma política nacional de recursos hídricos; dentre outras ações.

Ainda com relação aos segmentos de infraestrutura econômica, no setor de transportes a prioridade é definida para os projetos do Programa de Corredores de Exportação e Abastecimento. Já no setor de comunicações, os principais projetos são de ampliação da infraestrutura de comunicações e a interiorização da radiodifusão. Outro segmento industrial que recebe destaque no III PND é o de mineração. Sendo considerada uma das empresas campeãs nacionais, a Companhia Vale do Rio Doce é responsável por manter a dinamicidade econômica das regiões Norte e Centro-Oeste do País. Ademais, possui grande potencial de absorção de uma cadeia de pequenas e médias empresas especializadas nos mercados de produtos com alto valor, a exemplo do ouro, pedras preciosas e semipreciosas.

Além dos investimentos para os setores de infraestrutura econômica, o III PND também estabelece diretrizes para os incentivos do Estado destinados à iniciativa privada. Tendo em vista as demandas expressas na ocasião da IV CONCLAP e o esgotamento da estratégia desenvolvimentista para incentivo à industrialização, cabe ao Estado formatar um novo modelo de industrialização para o Brasil, em que a iniciativa privada se torne protagonista das decisões relativas aos setores produtivos da economia. Como parte desse

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novo padrão de industrialização, os setores produtivos demandam por apoio e investimento estatal para desenvolver setores e processos de alta tecnologia, visando assim baixar os custos de produtividade, melhorar a competitividade no mercado internacional e ampliar o mercado interno. Todavia, a despeito dessas reivindicações por apoio estatal para a atividade industrial, as prioridades definidas pelo III PND indicam uma redução nas iniciativas de protecionismo à indústria brasileira. Sob a justificativa de deixá-las menos vulneráveis e dependentes de práticas protecionistas, o governo prioriza o desenvolvimento de pequenas e médias empresas, “especialmente as agroindustriais, as produtoras de bens de consumo essenciais e populares e as que incorporem resultados dos esforços nacionais de pesquisa científica e tecnológica” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1980, p. 75); além daquelas com alto coeficiente de absorção de mão de obra. Esse reposicionamento aumenta a insatisfação dos setores produtivos, principalmente dos empresários industriais, tendo em vista a falta de correspondência entre as propostas do Estado e as expectativas discutidas na IV CONCLAP.

Já no que se refere à associação com o capital estrangeiro, o agravamento da crise internacional do petróleo leva à redução dos investimentos internacionais no Brasil. Após a declaração de moratória feita pelo México aos EUA, o capital estrangeiro se torna mais escasso e os riscos de investimentos em países subdesenvolvidos aumentam (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2015). Especificamente sobre o caso brasileiro, Bresser- Pereira (1978) agrega uma análise acerca do impacto do rompimento dessa aliança entre Estado, capital estrangeiro e setor privado nacional, à medida que o Estado dá seguimento ao fechamento do mercado interno para a importação. Com a queda da atividade industrial no Brasil e a prolongada marginalização de empresários dos diversos setores produtivos nos processos de decisão política, somado às medidas de austeridade econômica e fiscal, “o modelo do tripé entra em colapso.” (BRESSER-PEREIRA, 1978, p. 217).

Nesse contexto, torna-se evidente que a permanência das empresas multinacionais no País em pouco contribui para a introdução de novos capitais, em especial diante de um cenário de crise econômica mundial. Por vezes, sua presença se limita a reproduzir padrões tecnológicos já consolidados internacionalmente, sem que haja efetivamente uma estratégia de investimento de longo prazo orientada para o desenvolvimento de tecnologias. Essa situação reitera a argumentação desenvolvida por Peter Evans (1995) quanto ao desenvolvimento dependente ou subdesenvolvimento industrializado, segundo o qual o

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Brasil permanece em uma posição de semiperiferia no contexto da divisão internacional do trabalho, mesmo após quase duas décadas de acelerado crescimento econômico e expansão da produção industrial.

Diante do exposto, o III PND não alcança seus objetivos e sequer logra manter taxas de crescimento produtivo satisfatórias. Conforme colocado por Tarapanoff, para muitos economistas o III PND “não passou de uma simples carta de intenções, principalmente devido ao impacto da segunda crise do petróleo” (1992, p. 539), a qual reduz sua capacidade de execução a três metas prioritárias: do setor energético, da agricultura e das exportações. Os instrumentos de planejamento econômico e político passam a ser percebidos como uma figura retórica, o que oportuniza o fortalecimento da abordagem liberal junto ao Estado e parte do empresariado industrial. Ademais, sem o apoio da iniciativa privada nacional e com uma tímida aliança com o capital internacional, o Estado amarga um período de descrença política e constata a exaustão de um modelo de planejamento econômico e político que havia sido exitoso ao longo das últimas décadas.