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Os atores envolvidos na política industrial entre 1985 e

Capítulo 2. A história do processo de industrialização no Brasil e os atores envolvidos na política industrial

2.4. O Panorama da Indústria no Brasil no período de 1985 a

2.4.1. Os atores envolvidos na política industrial entre 1985 e

A década de 1980 fica conhecida como década perdida, tendo em vista o baixo crescimento econômico, a perda da participação da produção industrial no PIB e a ameaça de desindustrialização do País decorrente da abrupta abertura econômica e do mercado nacional. Ademais, o Estado passa a priorizar a formulação de políticas para estabilização macroeconômica, deixando em segundo plano a repactuação de sua aliança com o segmento industrial. Entretanto, muito embora tenha prevalecido uma prática política neoliberal fundamentada no Estado mínimo e outros princípios de não intervenção estatal preconizados pelo Consenso de Washington, esse período é caracterizado por importantes mudanças no arranjo de atores institucionais participantes da política pública.

Primeiramente, uma relevante instituição criada nesse período é o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Instituído em 1985, o MCT assume a responsabilidade por coordenar as diversas instituições já existentes no contexto do Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, até então vinculadas ao Ministério do Planejamento; e também de executar o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), que é concebido com o apoio do Banco Mundial. Apesar da política de ciência e tecnologia ser considerada auxiliar para política industrial, sua relevância reside no fato de consolidar no País um ambiente favorável à produção científica e tecnológica voltada para o atendimento das demandas industriais. Logo, com a criação do MCT, a oportunidade de convergência de esforços entre ambas as políticas é almejada pelo empresariado industrial, visto que historicamente a dependência tecnológica constitui um dos principais gargalos para o desenvolvimento produtivo do País.

Entretanto, conforme analisado por Suzigan e Furtado (2010), a criação do MCT “respondia muito mais às demandas políticas da comunidade acadêmica, no contexto da redemocratização do país, do que propriamente a uma estratégia de desenvolvimento científico e tecnológico” (p. 27). Essa situação é evidenciada pelo caso da aplicação dos recursos de Fundos Setoriais, que são originalmente previstos para pesquisas com aplicação industrial; porém, em sua maioria, esses recursos são gastos para fins de pesquisa básica e outras atividades acadêmicas. Ademais, tendo em vista a ausência de um planejamento estratégico orientado para o desenvolvimento econômico do País, característico desse período neoliberal, as questões relacionadas à coordenação política são

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preteridas frente às prioridades da política macroeconômica. Dito de outra forma, as expectativas iniciais do segmento industrial, por alcançar uma maior articulação entre a política industrial e de ciência e tecnologia, ficam frustradas.

Para agravar esse cenário de disputa por recursos para o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica, e de distanciamento nas relações entre a indústria e a academia, em 1989 o Ministério da Indústria e Comércio incorpora as atribuições relativas à ciência e tecnologia, ao fundir-se52 com o Ministério de Ciência e Tecnologia. Pouco depois, é recriado o Ministério de Ciência e Tecnologia por meio de medida provisória. Porém, em 1990 a organização da Administração Pública é novamente mudada.

O Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio é extinto53, sendo suas atribuições repassadas ao Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento; e o Ministério de Ciência e Tecnologia é reconfigurado como uma Secretaria vinculada à Presidência da República. Apenas em 1992 esse arranjo de atores estatais fica consolidado, com a recriação54 de ambos os ministérios, o de Ciência e Tecnologia, e o da Indústria, do Comércio e do Turismo, o qual adquire novas atribuições relativas ao setor do turismo e também às micro e pequenas empresas. Por fim, em 1999, uma vez mais é alterada sua denominação para Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)55, com a inserção da pauta do comércio exterior e a retirada da temática do turismo.

Uma segunda mudança importante ocorrida no arranjo de atores da política industrial diz respeito à pauta do comércio exterior. Se no período anterior a economia brasileira é caracterizada pelo fechamento do mercado interno e pela ênfase ao modelo de substituição de importações; a partir de 1985, com o Estado neoliberal, ocorre um movimento contrário de abertura econômica e comercial do País. De início, a ênfase do Estado reside no controle da inflação, na estabilização macroeconômica e na atração de capital para investimento. No entanto, como resultado da entrada do capital estrangeiro e de empresas multinacionais, muitas empresas nacionais não logram sobreviver à

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A fusão se dá conforme instituído pela Medida Provisória 29, de 15 de janeiro de 1989, e posteriormente pela Lei 7.739, de 16 de março de 1989.

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Extinção instituída por meio da Lei 8.028, de 12 de abril de 1990.

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A Lei 8.490, de 19 de novembro de 1992, dispõe acerca da nova organização dos Ministérios, recriando o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo.

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A última mudança de nome e refinamento de atribuições remete à Medida Provisória 1.911-8, de 29 de julho de 1999.

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competição do mercado e muitas encerram sua operação no País, ou então se veem obrigadas a se associar aos investidores estrangeiros. Em 1995, é criada a Organização Mundial do Comércio, do qual o Brasil é signatário, com o objetivo de regulamentar o comércio entre os países-membro e, desse modo, facilitar acordos comerciais e mitigar os problemas da concorrência internacional. A partir de então, a pauta do comércio exterior assume relevância na agenda do Estado e passa a ser objeto tanto da política industrial, concebida junto ao MDIC, como também da política externa, sob a liderança do Ministério das Relações Exteriores. Adicionalmente, o Brasil participa de diversos acordos comerciais com o Mercosul, que se valem da mesma estrutura institucional para suas negociações e operacionalização. Ou seja, o Ministério das Relações Exteriores se insere de forma ativa no arranjo de atores institucionais da política industrial, em específico no que tange a pauta do comércio exterior e dos acordos de negociação internacional.

Considerando os novos atores envolvidos na política industrial, bem como aqueles que já compunham o arranjo de atores orquestrado pelo Estado, constata-se um acréscimo no quantitativo de atores estatais e na complexidade de gestão desses atores. São quatro os atores do poder Executivo que participam diretamente da discussão, com níveis hierárquicos equivalentes, a saber: MDIC, MME, MCT e MRE. Vinculados a eles se encontram os diversos conselhos deliberativos, fóruns de competitividade e câmaras setoriais, além de secretarias especializadas e instituições técnicas. Indiretamente, há ainda a participação do Ministério do Planejamento e da Fazenda, que são envolvidos nas discussões orçamentárias e de estratégia para o desenvolvimento do País. Diante desse complexo arranjo de atores, em 1988 a CDI é recriada, funcionando como uma instância participativa e deliberativa, concebida com o objetivo de organizar um colegiado interministerial para discutir propostas e estreitar a articulação requerida no processo de formulação da política industrial.

Paralelamente a essa reconfiguração dos atores institucionais do poder Executivo, nesse período são também criadas as câmaras setoriais. Funcionando como comitês participativos mistos, as câmaras nascem com a atribuição de coordenar os interesses públicos e privados no contexto das políticas industriais setoriais. Adicionalmente, ao CDI é acrescida uma Comissão Consultiva composta por representantes do setor privado, com o propósito de estreitar a aliança entre o Estado e o empresariado industrial. Ainda nesse sentido, em 1999 o MDIC decide por implementar novos mecanismos de participação,

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denominados Fóruns de Competitividade. Diferentemente das câmaras setoriais, esses Fóruns são estruturados em torno de cadeias produtivas, oportunizando um esforço mais efetivo de coordenação da política industrial, se considerada a estrutura produtiva instalada no País. Esses mecanismos de participação são concebidos de forma a fortalecer a atuação de cadeias e também arranjos produtivos locais.

Uma terceira mudança ocorrida nesse período, de grande relevância, diz respeito à participação mais ativa dos atores do poder Legislativo na formulação da política industrial. Com a retomada democrática do Estado e a obrigatoriedade de aprovação dessas políticas junto ao Congresso Nacional, a partir de 1988 constata-se a organização de uma bancada empresarial, ainda que de modo informal. Composta por deputados federais e senadores, comprometidos com os interesses empresariais dos setores produtivos, a bancada ganha relevância e à medida que suas prioridades são aderentes aos interesses do segmento industrial. Por um lado, os representantes da bancada configuram-se como empresários urbanos ou rurais, envolvidos com diversos setores produtivos e, consequentemente, são afetados diretamente pelas políticas de incentivo produtivo, de desenvolvimento tecnológico, macroeconômica, ambiental e trabalhista. Por outro lado, o empresariado industrial se organiza em torno da CNI para elaborar uma agenda de interesse da indústria, com base nos projetos em discussão no Congresso, levando à criação da Agenda Legislativa da Indústria e à estruturação de uma prática de influência corporativa junto aos parlamentares.

Por fim, uma quarta mudança ocorrida nesse período, de grande importância para a política industrial, diz respeito às ações de desestatização e de privatização. Ao longo da década de 1980, essas ações são implementadas de forma incipiente e com pouco planejamento, preocupando-se majoritariamente com a venda de empresas estatais deficitárias e com a recuperação econômica imediata do País. Porém, a partir de meados da década de 1990, quando a CNI volta a participar do CDI e os movimentos empresariais neodesenvolvimentistas já se encontram melhor consolidados, o Programa Nacional de Desestatização é reavaliado e adquire novas estratégias políticas.

Com o avanço dessa nova etapa do programa, constata-se uma efetiva retomada do pensamento neodesenvolvimentista junto ao Estado. Ademais da prática de planejamento e da reconfiguração de uma nova aliança com o segmento industrial brasileiro, o Estado

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reassume um papel de indutor do crescimento econômico e desenvolvimento produtivo do País, dando suporte e regulando as iniciativas privadas. À medida que as empresas estatais são privatizadas e as tradicionais controladoras (em inglês, holdings) são extintas, as novas atribuições de regulação da economia passam a ser exercidas por agências reguladoras estatais. Assim sendo, novos atores são criados, na forma de camadas adicionadas a outras instituições do poder Executivo, e gradativamente se inserem no arranjo de atores institucionais envolvidos na política industrial.

Nesse sentido, cabe citar a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), criada em 1996; a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), ambas criadas em 1997; além da Agência de Promoção da Exportação (APEX), criada também em 1997, porém inicialmente vinculada à estrutura do SEBRAE. Ainda como consequência do processo de privatização, diversos conselhos vinculados às holdings estatais são extintos, sendo substituídas por novos mecanismos de consulta e participação política, vinculados às agências reguladoras. Seja por razões de atender às novas condições decorrentes das privatizações, ou por conta do novo papel esperado para o Estado neodesenvolvimentista, o fato é que a criação das agências reguladoras altera profundamente a organização de atores da administração pública e sua interação com os demais atores do setor privado.

Porém, a despeito da formatação da bancada parlamentar, em estreita aliança com a CNI; da criação de diversos novos mecanismos de participação; e da recriação da CDI, com a finalidade de promover uma maior articulação entre os atores do poder Executivo e destes com a iniciativa privada; os grupos de industriais ancorados no pensamento desenvolvimentista se percebem marginalizados da discussão política. São diversos os motivos que induzem a essa percepção de marginalização dos interesses do empresariado industrial junto ao Estado. Primeiramente, a situação de instabilidade institucional do Ministério da Indústria e Comércio, em especial até meados da década de 1990. Em segundo lugar, a pulverização das instâncias de participação e deliberação da política industrial, que se torna cada vez mais setorializada e desarticulada. Em terceiro lugar, a sobreposição dos interesses macroeconômicos às estratégias de desenvolvimento produtivo do País, que facilita a entrada de empresas estrangeiras e multinacionais no País, tornando a indústria nacional vulnerável frente à concorrência internacional. E em quarto lugar, a crescente tendência de investimentos de capital financeiro em empreendimentos

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produtivos, por meio dos programas de desestatização e também da compra de ações de empresas privadas, o que leva à submissão dos interesses dos diversos setores produtivos às prioridades do mercado financeiro.

Como resultado, esses grupos industriais com fundamentação nacional- desenvolvimentista retiram seu apoio à adoção de medidas neoliberais pelo Estado, estruturando uma nova base para a retomada do pensamento desenvolvimentista como plataforma de articulação da política industrial. Sob a liderança de importantes industriais, esses grupos se estruturam na forma de movimentos independentes, sem qualquer vinculação à organização sindical da CNI e suas federações, atuando de forma autônoma na mobilização empresarial. Seu posicionamento é contrário à atuação neoliberal promovida pelo Estado, inclusive nas situações em que a ação é apoiada pela CNI, a exemplo da formação de alianças com empresas multinacionais e o capital financeiro. Nesse sentido, podem ser citados o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), criado em 1989 por empresários de São Paulo; o Instituto Nacional de Altos Estudos (INAE) e o Fórum Nacional, criado em 1991 por empresários do Rio de Janeiro; e o Movimento Ação Empresarial Brasileira, criado em 1993 sob a liderança do empresário Jorge Gerdau Johannpeter. Tendo em vista o fortalecimento desses movimentos desenvolvimentistas, somado ao fracasso das medidas neoliberais no que tange a recuperação do crescimento econômico e produtivo do País, constata-se uma fragilização na posição liderança política exercida pela CNI junto ao empresariado industrial, o que culmina em seu reposicionamento em favor do pensamento neodesenvolvimentista.

Diante do exposto, constata-se nesse período a consolidação de diversas transformações no arranjo de atores institucionais envolvidos na política industrial, culminando na reformulação da aliança entre o Estado e a CNI em torno de uma proposta neodesenvolvimentista para o crescimento produtivo do País. A despeito de haver prevalecido o pensamento neoliberal por quase duas décadas, novas instituições estatais são criadas para promover os setores produtivos no Brasil, oportunizando a formatação de um diversificado instrumental político para defesa da concorrência e promoção comercial. Por vezes, são constituídas como camadas hierarquizadas em estruturas institucionais já existentes. Em outras ocasiões, observa-se a exaustão de algumas instituições e sua substituição por novas. Assim sendo, a década perdida resulta ser bastante dinâmica, no sentido de lograr uma combinação de princípios de liberalização comercial com estratégias

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políticas desenvolvimentistas, o que se configura como a base de atuação do Estado neodesenvolvimentista em formação.