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ABORDAGEM QUALITATIVA X ABORDAGEM QUANTITATIVA: FALSA CONTRAPOSIÇÃO

CAPÍTULO 2 – TRILHA TEÓRICO-METODOLÓGICA

2.2. ABORDAGEM QUALITATIVA X ABORDAGEM QUANTITATIVA: FALSA CONTRAPOSIÇÃO

A busca por uma metodologia capaz de apoiar consistentemente uma investigação envolvendo temática tão complexa, abrangente e multifacetada conduziu, inicialmente, para um debate que, a despeito de ter se iniciado há cerca de dois séculos (SERAPIONI, 2000), continua pungente e atual: contraposições e possíveis aproximações entre as abordagens qualitativa e quantitativa.

O caminho que parecia estar sendo indicado para a investigação, o da integração entre estas abordagens, segundo o autor supracitado, era uma

possibilidade aventada em raros estudos dentre os que buscavam debater as possíveis articulações entre pesquisa qualitativa e quantitativa. Em sua visão, existe abundante literatura sobre o tema, mas a maioria dos trabalhos enfoca apenas a contraposição entre as duas abordagens.

A tradição de pesquisa no campo educacional também apontava para caminho distinto, já que no Brasil, poucos estudos utilizam metodologia quantitativa (ODA et al., 2010). Gatti (2004) atribui esta escassez, por um lado, à crença ingênua de certos pesquisadores em qualquer base de dados e, por outro, a certo preconceito por razões ideológicas reificadas, a priori. Em relação a este preconceito, em certo estudo, avalia-se que:

criou-se, pelo menos entre aqueles que se guiam pela vulgata qualitativa, uma espécie de ojeriza ao número, como se fosse desprovido de significado ou tivesse o poder de macular a pureza paradigmática (ALVES, 1991, p. 16). A autora prossegue em sua crítica constatando que não é incomum ver- se, em estudos qualitativos, o autor utilizar-se de expressões vagas como “muitos” ou “a maioria dos respondentes” e pergunta: que maioria? 26 dos 50 ou 48 dos 50? As duas maiorias citadas têm certamente significados diferentes que o número poderia elucidar (ALVES, 1991, p. 16).

Pesquisadora reconhecida no campo educacional, em estudo já referido anteriormente, Bernardete Gatti (2004), não somente apontava a viabilidade deste percurso pouco ortodoxo. Mais do que isso, parecia incentivar tal iniciativa, ao indicar a necessidade da utilização de dados quantitativos para a contextualização e compreensão de certos problemas educacionais, indicando a dificuldade dos educadores em lidar com dados demográficos e medidas de um modo geral (e de ler critica e conscientemente os trabalhos que os utilizam). Deste modo, ainda segundo a autora, a superação deste dilema esbarra na falta de uma tradição sólida e/ou de uma utilização mais ampla das metodologias qualitativas. Alves (1991) é incisiva ao referir-se a isso, dizendo não ter dúvidas quanto à validade da utilização de técnicas quantitativas e qualitativas numa mesma pesquisa.

O percurso metodológico que se elegeu para o presente estudo foi além daquele apontado por estas autoras. Aqui, os dados quantitativos não foram somente utilizados como mero suporte para as abordagens de cunho qualitativo. Deu-se à abordagem quantitativa um papel de maior importância, do que aquela que vem sendo considerada nos trabalhos citados.No presente estudo, estas distintas abordagens se retroalimentaram, tornando a análise dos dados quantitativos mais do que mera fonte de informações das análises qualitativas. Utilizaram-se tais análises como subsídios para a tomada de decisões acerca das

etapas subsequentes da pesquisa, momento em que se integraram à abordagem qualitativa para definir questões que demandavam aprofundamento, decisões sobre as metodologias das fases seguintes da pesquisa, fontes a serem investigadas, etc.

Outra dimensão, segundo Alves (1991), motivo de discussão e frequente contraposição entre as abordagens qualitativas e quantitativas, é de natureza epistemológica e está ligada a relações que para certos “qualitativos”, (como designa a autora), conecta diretamente a tradição positivista às abordagens “não- qualitativas”. Neste sentido, ainda que segundo a referida autora, tal tradição e as pesquisas quantitativas estejam associadas, pela crença dos positivistas na neutralidade do processo de investigação e também na convicção da possibilidade do acesso a um conhecimento objetivo da realidade, concebe-se que a relação entre tais abordagens e o positivismo não é direta.

Vê-se que muitos “qualitativos”, como Serapioni (2000) e Gatti (2004), sugerem também o uso de abordagens quantitativas. Ademais, é possível e razoável, adotando-se uma postura crítica ao positivismo, realizar uma investigação que, por um lado não esteja buscando o acesso direto à realidade e, por outro, não tome a realidade e o mundo físico como produtos exclusivos de construção social.

Nesta perspectiva, abordagens qualitativas e quantitativas se entremearam nas distintas fases da investigação e, não raro, se anastomosaram. Assim, buscou-se evitar dicotomias simplificadoras, como “interpretativo, objetivo versus subjetivo” (ALVES, 1991).

Por isso, ao deparar com o dilema da adjetivação da presente investigação, tomou-se decisão distinta daquela aventada por Alves, no estudo referido acima. Neste, a autora, ao defrontar-se com a grande quantidade de vertentes (“naturalista”, “pós-positivista”, “fenomenológica”, “antropológica”, “etnográfica”, “estudo de caso”, “humanista”, etc.) e com a falsa dicotomia entre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa, fez a opção de adotar, com todos os “senões”, o termo pesquisa qualitativa como o mais adequado.

Tomou-se decisão distinta, ainda que a presente investigação inclua abordagens quantitativas e qualitativas, ainda que contenha elementos que a tornem assemelhada a investigações naturalísticas e/ou pós-positivistas, estudos de caso, e/ou investigações de natureza antropológica. O percurso metodológico - na busca por explorar multidimensionalmente a problemática para atingir os objetivos específicos da investigação – demandou a construção de um arcabouço procedimental eclético e, compreende-se, singular.

Por constituir uma investigação sistemática de uma instância específica (eventos, grupos ou instituições) e por incluir metodologia eclética (entrevistas, gravações, documentos, etc.), o presente estudo compartilha características com

os Estudos de Caso (ANDRÉ, 1984). Por outro lado, identifica-se parcialmente com a pesquisa naturalística, ao:

recorrer aos conhecimentos e experiências pessoais como auxiliares no processo de compreensão e interpretação do fenômeno estudado, considerando importantes a introspecção e a reflexão pessoal (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 26).

Outras características desta investigação também guardam semelhanças com a pesquisa antropológica, pois se considerou o elemento humano o principal instrumento da pesquisa (ALVES, 1991) e enfatizou-se a relevância da apreensão dos significados das ações humanas na pesquisa antropológica, da maneira como elas se manifestam nas interações sociais da vida cotidiana (ERICKSON, 1986).

Dito isto, não seria coerente que se fizesse eco à velha cantilena que apregoa a dicotomia qualitativo-quantitativo. Concorda-se, portanto, com a posição de Alves (1991) quando diz ser questão de ênfase e não de exclusividade, e assim, a presente investigação utilizou uma abordagem predominantemente qualitativa, ainda que números, quantidades, estatísticas, tenham desempenhado um papel de destaque e a eles tenha sido atribuída uma relevância rara entre as pesquisas no campo educacional.

Um exemplo de relação entre as abordagens quantitativa e qualitativa que pode ilustrar o papel daquela nesta investigação foi o processo de construção, por pesquisadores do Departamento de Estudos Curriculares da Universidade de Saskatchewan, no Canadá, de um questionário de ampla utilização em pesquisa qualitativa, chamado “Visões de Ciência, Tecnologia e Sociedade”, popularmente conhecido pela sigla inglesa VOSTS44 (AIKENHEAD et al., 1989).

O referido instrumento foi construído a partir das respostas de milhares de estudantes primários canadenses a questões envolvendo as relações Ciência- Tecnologia-Sociedade (CTS). Após análise quantitativa foram eleitas, para cada pergunta, as respostas mais frequentemente registradas pelos estudantes que passaram a constituir alternativas em questões de múltipla escolha de um instrumento com questões fechadas. Tal estratégia possibilitou a construção de um questionário no qual as alternativas às questões, ao invés de idealizadas pelos pesquisadores emergiram, de fato, de um universo real de estudantes, dando mais confiabilidade ao instrumento.

A pesquisa quantitativa, portanto, além de produzir e disponibilizar dados e informações, servindo como suporte a análises qualitativas, pode relacionar-se de

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outros distintos modos, ora integrando a construção de instrumentos de pesquisa, ora apoiando outros processos de tomada de decisões para definição de estratégias e fases da pesquisa qualitativa.

Quanto à abordagem qualitativa, em se tratando de uma investigação no campo da Educação seria desnecessário argumentar em favor de sua utilização. Entretanto, a opção por não se privilegiar qualquer das duas abordagens implica apresentação de argumentos em sua defesa, a despeito de constituir-se esta uma tarefa mais simples.

Define-se a abordagem qualitativa como um processo de reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para a comparação detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico (OLIVEIRA, 2007a, p. 37).

Além disso, na literatura, argumenta-se em favor da utilização deste tipo de abordagem no caso de estudos como o presente, que investiga as concepções de docentes universitários:

O método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produto das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam (MYNAIO, 2007, p. 57).

Estudos que envolvem a formação de professores universitários no Brasil foram desenvolvidos a partir de abordagem qualitativa utilizando, sobretudo entrevistas, questionários e análise documental. Pachane (2003), por exemplo, para investigar o Programa de Estágio e Capacitação Docente (PECD) da UNICAMP; Bazzo (2007), no estudo da constituição da profissionalidade docente do professor universitário; Soares (2007a), para investigar e propor um uso mais frequente do ideário freiriano na docência universitária e, finalmente; Cunha (2006), no estudo da cultura e avaliação institucional na docência universitária e também na pesquisa envolvendo o espaço da pós-graduação em educação na formação do professor universitário (CUNHA, 2009).

No caso desta investigação, o processo de construção de seu objeto nem sempre foi linear e sistemático. Compreender os recortes, os procedimentos, interagir com os pares, pesquisar, tanto na literatura especializada quanto entre outros participantes da pesquisa, envolveu etapas e processos, que, certas vezes, ocorreram de forma integrada, enquanto noutras, em tempos e espaços nitidamente distinguíveis.

Apesar disso, pretende-se explicitar tais aspectos de modo a tornar compreensível sua dinâmica.

Inicialmente, esta investigação foi idealizada a partir de um pré-projeto apresentado ao colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT). O referido pré-projeto foi submetido durante a seleção para o ingresso ao doutorado e compôs um projeto institucional mais amplo denominado “Avaliação qualitativa e quantitativa do Ensino das Ciências na Universidade Federal do Amazonas”, integrado por docentes desta instituição e também da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Este projeto mais amplo, do qual fazia parte o citado pré-projeto, concebido para ser desenvolvido a partir desta tese, foi submetido e aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) daquela instituição (Anexo 1).

O período de realização da pesquisa propriamente dita foi de março de 2008 até agosto de 2011. O presente estudo foi desenvolvido, de forma ininterrupta, em três distintas etapas denominadas, a partir de agora, Investigação Preliminar [equivalente ao período exploratório de ALVES (1991)], Estudo Piloto e Pesquisa “in loco”. As duas primeiras foram realizadas em Florianópolis, envolvendo pesquisa bibliográfica, pesquisa via internet e a partir de contatos por meio de correio eletrônico com docentes e IES localizadas em diversas cidades brasileiras. A terceira etapa foi realizada nas cidades de Belém, Manaus e São Paulo e envolveu a pesquisa com docentes de Parasitologia, Microbiologia e Micologia.