• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – TRILHA TEÓRICO-METODOLÓGICA

2.1. QUESTÕES SOBRE A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA

Preliminarmente, neste percurso exploratório sobre a Docência Universitária, área tão multifacetada, foi necessário buscar metodologia diversificada. Afinal, o que seria docência universitária? Como é possível delimitá-la? Investigando atividades de ensino, pesquisa e extensão? Ou a partir de atividades em sala de aula, laboratório e práticas de campo? E quanto aos congressos, simpósios, colóquios, encontros, conferências, palestras, etc.?

A este respeito, Rosovsky diz:

Nós professores temos a renda dos funcionários públicos, mas a liberdade dos artistas. Isto impõe certas obrigações. Os deveres formais impostos por nossas instituições são mínimos, em qualquer lugar entre seis e 12 horas na sala de aula por semana durante oito meses do ano. No entanto, a maioria de nós trabalha longas horas e gasta muitas noites em nossas mesas ou em nossos laboratórios. Não dizemos a nossos alunos que este é o nosso dia de folga e que ele deve procurar alguém com quem discutir seus problemas. Nós praticamos a nossa profissão como uma vocação (ROSOVSKY, 1991, p. 165).

A “liberdade dos artistas” apresenta, no caso particular da presente pesquisa, outra dimensão: a dificuldade de delimitação deste objeto de estudo. Esta dificuldade é apontada também por Vain (1998), que a atribui ao complexo processo de construção de sua identidade. Afirmando que o ensino e a pesquisa são, indiscutivelmente, atribuições dos docentes universitários, o autor se pergunta: seria a docência universitária uma profissão? Ao que Souto (1996) complementa:

Trata-se de falar da profissão de origem? A do engenheiro, médico, advogado, etc. ou se trata de incluir também a profissão docente? E neste caso,

há uma coisa importante a pensar: a profissão docente universitária é como um lugar de encontro entre dois campos: o da docência e o das profissões de origem, que são muito diversas. (SOUTO, 1996, p. 18).

Vain (1998), por sua vez, referindo-se a complexidade da docência no ensino superior, procura defini-la como:

uma rede de múltiplos entrecruzamentos, localizada no centro de um campo de tensões que implicam em questões como: o conhecimento, a educação, a ciência, a arte, a verdade, a política, a ética, o trabalho, a profissão, o ensino, a expertise, a técnica, a teoria, a prática, etc. (VAIN, 1998, p. 4).

E prosseguindo com sua definição e problematização, fala da complexidade das instituições universitárias e suas relações com a sociedade:

Porém, como se isto não fosse suficientemente problemático, os docentes universitários desenvolvem nossa tarefa em uma instituição que se encontra entre as mais complexas da sociedade contemporânea. Por isso, nosso papel como docentes universitários se constrói sobre dois eixos que o estruturam: o da identidade profissional e o do cenário em que atuamos. (VAIN, 1998, p. 4).

Sobre a temática da profissionalidade docente no Brasil, comentada no capítulo anterior, Bazzo (2007) destaca ainda os problemas na compreensão acerca da formação inicial e continuada para este processo no cenário nacional, tomada como “formação para a pesquisa”. Apesar disso, a autora destaca também mudanças nesta concepção hegemônica a partir da compreensão do Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras (FORGRAD).

Estes argumentos, expostos acima, evidenciam não somente a complexidade da delimitação da docência universitária, mas também a dos processos constitutivos/formativos para esta atividade.

Mesmo com a construção exposta no capítulo 1, tal delimitação constitui um importante elemento metodológico e, por este motivo, será apresentada uma dissertação mais detalhada sobre ele neste capítulo. A referida discussão visa situar o leitor na questão da complexidade da delimitação do objeto deste

estudo, sendo oportuna uma síntese inicial de outras questões relatadas na literatura especializada sobre a docência universitária.

Cabe afirmar que o exercício da docência no ensino superior tem sido considerado problemático, sendo que o primeiro conjunto de elementos que constituem este quadro, diz respeito à formação do professor universitário, processo para o qual não há qualquer exigência, diretriz ou dispositivo legal que regule.

Os problemas mais frequentemente apontados em estudos envolvendo a docência universitária, na formação/constituição do professor universitário43, dizem respeito à didática (ou a falta dela) dos professores universitários (CUNHA, 1996; MASETTO, 2003; PACHANE, 2003), implicada, por sua vez, na adoção do modelo de transmissão-recepção, a partir de práticas e conteúdos descontextualizados (MASETTO, 2003; VEIGA et al., 2004; BAZZO, 2007).

Tais problemas tornam-se mais complexos num quadro em que formação pedagógica é considerada um processo que diz respeito a outros níveis de ensino (SILVA; SCHNETZLER, 2005). Além disso, estudos envolvendo as raras iniciativas de formação deste profissional têm apontado para a ineficiência de tais processos.

Esta ineficiência possui diversas gêneses, já que a formação destes docentes, embora tenha, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996), a pós-graduação como seu locus privilegiado, envolve processos anteriores e ocorre ao longo de toda vida destes profissionais (VEIGA et al., 2004; SILVA; SCHNETZLER, 2005).

Deste modo, tais problemas têm sido investigados tanto em processos de formação inicial quanto continuada, estudos aos quais já se fez menção (Cap. 1), como o PECD, avaliado positivamente por Pachane (2003) e por Bazzo (2007), somando-se a este último o exitoso projeto referido por Cunha (2005) na UFRGS e na UFPel. Quadro distinto é observado por outros autores para a maioria das iniciativas de formação para a docência universitária. Delizoicov (2010), por exemplo, considera que, em geral, estes ainda requerem uma melhor compreensão a partir de estudos sobre seus efetivos resultados, ainda que, preliminarmente, aponte elementos que indiquem pouca eficácia. Bazzo (2007), que investigou diversas iniciativas, aponta o tecnicismo próprio do século passado a marcar a compreensão hegemônica de tais processos.

Esta precariedade dos processos formativos, por sua vez, tem como consequência a impossibilidade de um distanciamento crítico do docente em relação às suas práticas pedagógicas e a falta deste distanciamento implica na

43

O uso do negrito, ao longo do texto, pretende chamar a atenção para a importância, na investigação, de certos termos, conceitos e processos cruciais na docência universitária.

não problematização desta prática e na adesão a modelos tradicionais de ensino por parte deste profissional.

Tal postura aproblematizadora tem também outras origens, como a falta de contato destes profissionais com os saberes provenientes das áreas da Educação, da EC e do EB, em parte pela falta de sistematização destes saberes.

Silva e Schnetzler (2005), por exemplo, atribuem a adesão dos docentes às práticas tradicionais, à insegurança gerada pelo desconhecimento dos saberes educacionais, levando-os a desenvolver uma conotação negativa dos conhecimentos pedagógicos, considerados por muitos como “perfumaria”. Na constituição histórica da docência universitária, diz Masetto (2003) que mais vale o domínio de conhecimentos e experiências profissionais, considerados os únicos requisitos para esta atividade.

Deste modo, estas concepções dos docentes, sobretudo aquelas aproblematizadoras, podem conduzir a uma desvalorização de aspectos contextuais na prática do docente universitário. Neste sentido, autoras como Veiga et al. (2004), indicam uma compreensão limitada destes profissionais no tocante, por exemplo, à importância de aspectos relacionados às aprendizagens informais com as quais docentes universitários convivem. Além destas, outros pesquisadores como Castanho (2002); Bain (2004); Silva e Schnetzler (2005) e Oda (2008), também buscaram abordar tais aspectos, expressando a compreensão de que a aprendizagem informal constitui um espaço privilegiado, em que as atividades políticas, artístico-culturais e sociais (sobretudo com os pares) podem contribuir no sentido de influenciar concepções e práticas docentes. A este respeito, há autores que afirmam que:

O professor ao entrar na sala de aula para ensinar uma disciplina não deixa de ser um cidadão, alguém que faz parte de um povo, de uma nação, que se encontra em um processo histórico e dialético, participando da construção da vida e da história de seu povo (MASETTO, 2003, p. 31)

Em relação às concepções sobre suas próprias práticas docentes, Veiga et al. (2004) observaram que docentes universitários concebem de forma fragmentada as ações de ensinar, aprender, pesquisar e avaliar (p. 3). Além disso, sem uma compreensão mais aprofundada dos saberes pedagógicos, os docentes universitários, detentores, sobretudo, dos conhecimentos e experiências profissionais precisam lidar com as exigências e particularidades da formação específica dos graduandos, como aquelas sugeridas pelas distintas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de graduação em que

lecionam. No âmbito desta pesquisa em particular, cursos como os da área de Saúde (p. ex. BRASIL, 2001b; c) e Biologia (BRASIL, 2002a).

Dentre elas, pode-se referir a interdisciplinaridade e a contextualização, dimensões que afetam outro campo problematizado em relação à docência universitária, o das práticas docentes. Alguns estudos inclusive, associando estas duas dimensões obtiveram, a partir das falas, crenças e concepções de ciência e educação dos docentes, elementos que indicam práticas docentes tradicionais, em sintonia com o modelo de transmissão-recepção (PACHANE, 2003; VEIGA et al., 2004; BAZZO, 2007).

Outros estudos, em contrapartida, têm evidenciado a ocorrência de docentes que - quer por iniciativa pessoal, quer pelo resultado de programas de formação - apresentam práticas diferenciadas, com concepções educacionais e epistemológicas, que procuram distanciar-se relativamente às práticas tradicionais predominantes, os chamados bons professores ou professores de excelência (BAIN, 2004; SILVA; SCHNETZLER, 2001; BASTOS et al., 2003; CUNHA, 1996; 2005).

Ao falar em práticas diferenciadas, não se está buscando fazer referência ainda a práticas que levem em conta exigências de uma educação contemporânea, como a interdisciplinaridade - recomendada, por exemplo, na Declaração Mundial sobre Educação Superior no século XXI, referida por Masetto (2003) e a qual já se mencionou anteriormente, que a concebe como um instrumento na busca pela integração entre as disciplinas na formação dos profissionais e a contextualização, que, em estudos envolvendo a docência universitária, é mencionada, sobretudo por estar ausente nos conteúdos e práticas (MASETTO, 2003; VEIGA et al., 2004).

A falta destes elementos na prática dos docentes universitários, sobretudo aqueles ligados a conteúdos específicos, como é o caso da Parasitologia e da Microbiologia, tem implicado em problemas na formação de professores nos cursos de licenciatura, por exemplo. Nestes cursos, o contato predominante com as práticas do docente de conteúdos específicos torna pouco efetiva, sobre a concepção de docência dos licenciandos (ODA; BEJARANO, 2007), a influência de conteúdos tais como os que são objeto de estudo e prática de disciplinas como Prática de Ensino, Instrumentação para o Ensino e Didática das Ciências, por exemplo.

A descontextualização nas práticas também tem implicações no contexto específico das disciplinas acima referidas, ao desconsiderar a discussão em torno da relação entre os problemas ambientais e de saúde apontados nos conteúdos programáticos, por um lado, e as questões sociopolíticas mais amplas, como os interesses do complexo médico-industrial, por outro. Em relação a este último elemento, Da Ros (2000) afirma que o modelo de ensino médico hegemônico é

um dos constituintes da atuação do referido complexo, na determinação sócio- econômica sobre a saúde pública na realidade contemporânea.

Além disso, tal postura é também problemática ao não contribuir para a promoção de uma reflexão crítica a respeito da ineficácia das medidas adotadas para mitigar os problemas referentes às altas prevalências de doenças infecto- parasitárias (STOLL, 1947; CHAN, 1997), sobretudo no contexto de países como o Brasil, particularmente na região norte.

Conforme afirmou-se inicialmente, não se buscará, nesta síntese, discutir tais problemas, limitando seu conteúdo a uma exposição preliminar da temática, procurando-se, num momento seguinte, ainda que de forma pouco usual, promover a discussão sobre os procedimentos adotados na investigação desta problemática.

Com esta opção quanto à estrutura de apresentação da tese, tenciona-se garantir, ao longo da leitura, maior familiaridade com as origens dos dados e com os procedimentos adotados para a sua obtenção, elementos que, compreende-se, podem ser assegurados a partir da estratégia adotada.

Sobre as opções teórico-metodológicas, dada a complexidade da docência universitária enquanto objeto de estudo, pensa-se, assim como Alves (1991) que, ao mesmo tempo em que a abordagem qualitativa parece a única capaz de dar conta desta investigação, a utilização do adjetivo “qualitativa” implicaria, por outro lado, no inconveniente de sugerir a falsa oposição entre “qualitativa” e “quantitativa”.

Como pensar na análise de números, proporções, quantidades e, ao mesmo tempo falar em pesquisa qualitativa? Como falar em concepções e valores sem adotar a expressão qualitativa? E, ao integrar estas informações, que denominação se usaria? Deste modo, antes de tomar alguma decisão sobre tais definições buscou-se, na literatura, argumentos que apoiassem as escolhas realizadas.

Apresenta-se tal argumentação a seguir.

2.2. ABORDAGEM QUALITATIVA X ABORDAGEM