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CAPÍTULO 2 – TRILHA TEÓRICO-METODOLÓGICA

2.5. PESQUISA IN LOCO

2.5.2. Entrevistas e questionário nº

Inicialmente, será descrito o processo de construção do questionário nº 2, idealizado para investigar as concepções dos docentes relativas à saúde, ciência e à formação específica requerida pelos graduandos dos cursos em que lecionam.

Este instrumento foi elaborado a partir de elementos extraídos de três fontes: a) excertos das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos das áreas de Ciências Biológicas (BRASIL, 2001a), de Medicina (BRASIL, 2001b) e Odontologia (BRASIL, 2001c); b) o instrumento desenvolvido por Borges (1996), para identificar concepções sobre a natureza do conhecimento científico entre docentes de Ciências e; c) o esquema explicativo das mudanças históricas nas concepções de saúde, proposto por Barata (1985).

Com efeito, constituiu-se um instrumento único, um formulário em duas laudas (Anexo 8), em que os participantes da pesquisa deveriam posicionar-se sobre afirmações concernentes aos temas referidos no parágrafo anterior, atribuindo a cada afirmação valores entre um e quatro, indicando discordância total (1), discordância parcial (2), concordância parcial (3) e concordância total (4).

Para investigar o grau de concordância dos docentes em relação às características almejadas na formação dos concluintes dos cursos em que lecionam e que são apontadas nos documentos legais referidos no início deste tópico, foram utilizados os excertos das mencionadas DCNs. Com o intuito de não tornar o instrumento demasiadamente extenso, foram utilizadas afirmações referentes a somente um (caso o docente lecionasse exclusivamente para cursos das Ciências da Saúde) ou dois (caso lecionasse tanto para cursos das Ciências da Saúde quanto das Ciências Biológicas), dentre os cursos em que os participantes desenvolvem atividades. Os excertos foram extraídos das DCNs dos três cursos acima referidos por serem aqueles em que os docentes de Parasitologia e Microbiologia mais frequentemente atuaram.

Os trechos das DCNs selecionados para integrar o referido instrumento continham afirmações referentes a características que, embora relevantes, não conformaram atributos constituintes da visão educacional hegemônica destes profissionais, ou daquilo que Libâneo (1985) chama de senso comum pedagógico. Para o autor, esta visão, característica de boa parte dos professores, adviria da incorporação, ao longo da vida estudantil ou da transmissão informal de elementos do modelo tradicional dos mais velhos aos mais novos.

Sobre os trechos das DCNs, no tocante à formação do licenciando em Ciências Biológicas, por exemplo, indicou-se que o participante se posicionasse frente a uma característica, que, em vez de estar vinculada à formação pedagógica do graduando, estivesse relacionada com a fundamentação teórica no campo da Biologia. Ou, textualmente, com:

o conhecimento profundo da diversidade dos seres vivos, bem como sua organização e funcionamento em diferentes níveis, suas relações filogenéticas e evolutivas, suas respectivas distribuições e relações com o meio em que vivem (BRASIL, 2001a, p. 3).

Quanto à formação do bacharel, ao invés da busca por características relacionadas diretamente à formação para a investigação científica, elegeu-se outra, que diz respeito às implicações sociais almejadas na atuação de um biólogo formado a partir das diretrizes sugeridas. No caso da formação do médico foram apontadas características da formação científico-teórica requerida, enquanto na do odontólogo, características relacionadas à atuação na saúde coletiva, em detrimento daquelas vinculadas à formação técnica particular do cirurgião-dentista.

As afirmações contidas no instrumento desenvolvido por Borges (1996) para investigar as concepções de ciência de docentes da área de EC foram utilizadas na íntegra no presente estudo. O objetivo foi compreender, fundamentalmente, como os docentes posicionavam-se perante as tendências epistemológicas surgidas após o Positivismo Lógico como também a visões mais tradicionais e não coetâneas, anteriores a ele.

A maioria destas afirmações, selecionadas pela autora para elaborar o referido instrumento, foi extraída de obras produzidas no período histórico que contorna a repercussão de “A Estrutura das Revoluções Científicas”, de Thomas Kuhn (2007), publicado originalmente em 1962. Além do autor, os debates em torno de suas posições envolveram outros renomados epistemólogos como Karl Popper, Paul Feyerabend, Imre Lakatos e também Gaston Bachelard.

A importância de conhecer o modo como os docentes se posicionam frente a estas visões, expressas nas frases que compõem o instrumento, segundo a autora, reside no fato de que tais debates contribuíram para o desenvolvimento da Filosofia da Ciência. Mais do que isso, foram importantes na busca pela superação do empirismo extremado que, segundo Borges (1996), caracterizou o ideário do Positivismo Lógico do Círculo de Viena. Para a autora, esta concepção é desdobramento da visão tradicional das ciências nominadas como método empirista-indutivista e originárias do pensamento de Francis Bacon.

A sondagem das concepções de saúde dos participantes da pesquisa baseou-se no modelo apresentado pela autora, no estudo referido acima, mas utilizou as categorias do esquema explicativo das mudanças históricas nas visões de saúde, proposto por Barata (1985).

As distintas concepções de saúde que integraram este instrumento compreenderam as seguintes categorias: a) visão biologicista (unicausal), b) multicausalidade primitiva, c) modelo ecológico ou da rede de causalidade (multicausal), d) visão higienista, e) determinação social da doença e, f) a visão da medicina social. Tais categorias são detalhadas no Capítulo 3.

Por fim, como último procedimento da investigação, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, para as quais foi adotado, em relação às técnicas, procedimento similar àquele empregado durante o Estudo-Piloto, gravando-se em áudio e, posteriormente transcrevendo-se (Anexo 9).

Do ponto de vista da concepção metodológica, entretanto, pode-se avançar em direção a um modelo que fosse além do mero encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto (SZYMANSKY, 2004, p. 11). A postura descrita, em certa medida, pôde ser observada nas entrevistas-piloto, quer por características constitucionais advindas da formação inicial do investigador e reforçadas na pós-graduação (mestrado), quer pelo pouco conhecimento, tanto das possíveis reações por parte dos participantes, quer em relação ao uso de metodologias qualitativas naquela fase da investigação. Ao adotar tal postura, semelhante à expectativa de deparar-se com um recipiente de informações que poderão ser “extraídas” como se extrai uma amostra de sangue com uma seringa (SZYMANSKY, 2004, p. 16), segundo Minayo (1996), o entrevistador contempla apenas o aspecto supostamente neutro de coleta de dados, tratando o entrevistado como mero informante.

Nesta fase de familiaridade tanto com a realização das entrevistas quanto com os docentes, suas reações (aceitação, aborrecimento, etc.), resistências (inseguranças, discordâncias conceituais) e preocupações (respeito, sentimento de invasão, medo), foi possível a aproximação de um modelo com maior interatividade, passível de se perceber que a participação do entrevistado é tão

ativa quanto à do entrevistador. Tal postura, como indica Freire (1992), afirma o respeito e não a aderência aos “saberes da experiência”.

Cientes também de que nesta interlocução, a obtenção dos dados implica em ocultamentos, comportamentos não-verbais, “inclusão” de informações favoráveis ao entrevistado, etc. buscaram-se estratégias para a pesquisa indireta das informações almejadas. Estas consistiram, por exemplo, em recorrer a aspectos da história de vida do docente [que frequentemente funcionam como momentos de “exame de consciência ou “balanço geral”, segundo SZYMANSKY (2004)], para examinar concepções sobre a docência e sua gênese.

Serão descritas, a seguir, as principais mudanças implementadas na versão final do roteiro destas entrevistas (Anexo 5) em relação àquele adotado durante o Estudo-Piloto.

Cabe ressaltar, preliminarmente, que várias questões permaneceram inalteradas, pois funcionaram de forma eficaz na obtenção de dados relativos às concepções sobre a docência, como, por exemplo, a que explorou a caracterização de “bom docente” dos participantes da pesquisa, além de outras que evocaram aspectos da história de vida dos participantes, na expectativa de apreensão da gênese destas concepções. Estas últimas enfocaram aspectos como os motivos que levaram os participantes a exercer a docência, os docentes marcantes na formação, as experiências prévias com docência em outros níveis de ensino e o papel destas experiências na docência em nível superior, etc.

O texto de apoio, fornecido aos docentes participantes do estudo-piloto, pouco auxiliou na tarefa de trazer elementos dos marcos legais da atuação do docente universitário, além de implicar em resistências por parte destes docentes a participar da investigação. Por isso, não foi utilizado nesta fase da pesquisa, embora, com isso, se tenha deixado de explorar a influência de tais documentos nas práticas destes docentes. O estudo-piloto, entretanto, apontou pouca intimidade dos participantes com a LDB, as DCNs e PCNs. Além disso, indicou também que, dada a falta de contato dos docentes de Parasitologia e Microbiologia com processos formais de formação pedagógica para a atuação no ensino superior, estes sujeitos pouco puderam contribuir no sentido de sugerir ações para apoiar este tipo de formação docente em suas áreas de atuação, como solicitava uma das questões. Por isso, a questão foi reformulada, a fim de examinar concepções sobre a aprendizagem formal para a docência. Para a ampliação da temática, foram incluídos tópicos suscitados pelas falas dos docentes participantes do estudo-piloto, que indicaram questões relevantes na opinião destes, como o entusiasmo e a vocação.

Utilizou-se abordagem distinta também para analisar as concepções acerca da influência das crenças, valores familiares, posicionamento político e religiosidade no ensino de Parasitologia e Microbiologia, pois se percebeu que a

questão formulada buscava explorar, de forma genérica, demasiados temas. Por isso, nesta fase, foram desenvolvidos roteiros específicos para cada docente, levando-se em conta as respostas fornecidas no questionário nº 1, no qual destacaram aquelas que seriam, segundo suas opiniões, as dimensões mais e menos relevantes para a sua constituição docente, procurando esmiuçar aspectos axiológicos implicados nestas posições.

Outra estratégia utilizada para analisar a influência destas aprendizagens informais foi questioná-los sobre a realização de atividades extra-acadêmicas, como as de natureza artístico-cultural e/ou sócio-política, por exemplo, para explorar também se estes sujeitos percebiam a influência deste tipo de atividade sobre sua prática docente.

Adicionalmente, buscou-se aprofundar a compreensão acerca das concepções destes docentes quanto a aspectos de sua atividade docente, como a orientação, a iniciação científica, o planejamento pedagógico e a preparação de aulas. No caso destes dois últimos, especial atenção foi dedicada à investigação sobre o caráter individual ou coletivo de tais procedimentos.

Outros aspectos explorados compreendiam a influência de dimensões que constituem temas candentes no campo educacional e no campo da EC, como a interdisciplinaridade, a contextualização e o papel da História da Ciência na estruturação de práticas docentes. Para este último aspecto, buscou- se examinar também, mais detalhadamente, o modo como os participantes da pesquisa estariam inserindo tais dimensões em sala de aula.

Sintetizando estas preocupações e, buscando articulá-las com as três unidades de análise já mencionadas anteriormente (item 2.4), grande parte do conteúdo da investigação, que comporá os capítulos 4 e 5, foi organizada a partir de três questões norteadoras:

a) Como os professores que ministram as disciplinas de Parasitologia e Microbiologia se constituíram para o exercício da docência? (constituição para a docência) - Na análise dos processos de aprendizagem formal para a docência investigou-se a formação dos docentes nos cursos de graduação e pós- graduação, suas experiências prévias com outros níveis de ensino, além das motivações e outros fatores implicados no ingresso à docência universitária. No tocante às atividades informais nas quais os docentes estão envolvidos, foram exploradas as dimensões desportiva, política e artístico-cultural que podem guardar relações com as concepções e práticas destes docentes;

b) O que pensam os professores universitários das disciplinas de Parasitologia e Microbiologia sobre o seu ensino? (concepções dos docentes) – Serão apresentadas as concepções dos docentes participantes da pesquisa, a partir, tanto das informações oriundas dos questionários nos 1 e 2, quanto das entrevistas. Nestas, foram expressas visões de ciência e saúde, além daquelas relativas aos processos de aprendizagem formal, aos “modelos de docência”,

suas percepções de “bom docente” nas disciplinas em que atuam e sobre a atividade docente, em geral. Incluiu-se também o planejamento, a seleção e organização do conteúdo, a contextualização (levando-se em conta o modo como concebem as relações entre o contexto de vida dos alunos, a história das ciências e suas práticas docentes), a interdisciplinaridade, a adequação de conteúdos e práticas a especificidades da formação profissional dos graduandos. Além disso, foram incluídos elementos das aprendizagens informais para a docência, como a influência da família, dos amigos, da religião e de suas concepções políticas e artístico-culturais.

c) Que práticas pedagógicas estabelecem durante a sua atuação docente? (caracterização das atividades docentes) - Foram exploradas as atividades de ensino a partir do levantamento das informações obtidas com os questionários e com a análise dos planos de ensino, além de alguns aspectos que, influenciando mutuamente as atividades de ensino e pesquisa, caracterizam uma interface entre estas duas dimensões. Além destas, as atividades de pesquisa (com ênfase para a produção de artigos científicos) e extensão desenvolvidas pelos docentes também foram investigadas.

Nesta apresentação, outro aspecto estruturante da exposição, análise e organização dos resultados obtidos na presente investigação, é o que Goldman (1972) chama de níveis de consciência, com suas categorias consciência real efetiva e consciência máxima possível.

Este autor, além dos aspectos sociohistóricos abordados também por Fleck (2010), apresenta elementos da consciência parametrizados por elementos relativos ao sujeito. Conforme anunciado anteriormente, as categorias acima referidas foram adotadas por Paulo Freire (1979a), ao descrever o processo de Investigação Temática. Por este motivo, faz-se oportuno tecer algumas considerações sobre estas categorias, considerando aspectos da sua construção histórica para compreender, sobretudo, sua gênese e os principais referenciais teóricos que a constituíram.

Goldman (1972) afirma que, salvo em raras exceções, não existe consciência do indivíduo, sendo esta o produto de relações sociais passivas e ativas com o mundo, com realidades econômicas, sociais e políticas, intelectuais, religiosas, etc. Argumenta que, exatamente por ser coletiva e não individual, a consciência constitui sempre uma unidade mais ou menos coerente, o que ele chama de relação dialética.

Na formação desta consciência, o autor afirma a primazia da dimensão econômica na constituição desta consciência, justificando tal argumento pela importância, para a vida dos indivíduos, do nutrir-se, do vestir-se e das demais condições materiais de existência, que possibilitam o pleno fruir do seu pensar, de suas crenças e de sua afetividade. Neste sentido, avalia que tais condições, historicamente, nunca foram asseguradas à maioria da população humana.

No caso dos participantes do presente estudo, ao situá-los na esfera econômica e na lógica goldmaniana, evidentemente, não se está propondo que integrem esta maioria da população humana. Tampouco se está identificando, necessariamente, os docentes com as classes dominantes, que, para o autor, dedicam grande parte de sua existência a organizar a vida econômica na defesa de seus privilégios, impingindo à maioria, condições opressivas. De qualquer modo, não se descarta a participação de práticas tradicionais de ensino, transmissivas, na manutenção deste status quo.

A partir de assumida base marxista, o autor refere-se à consciência, apropriando-se de uma frase do próprio Marx: a existência social determina a consciência. Nesta, destaca dois elementos: 1) as influências e, 2) a ‘autonomia relativa’ dos diferentes domínios intelectuais (GOLDMAN, 1972, p. 3).

Em relação ao primeiro elemento, atribui pouca ou nenhuma importância à sorte de influências recebidas, priorizando os motivos que propiciaram a aceitação de tais influências em determinado momento histórico. Sobre este aspecto ainda, o autor considera relevantes também as transformações operadas por ela na sociedade, afirmando:

É, pois, na estrutura econômica, social e psíquica do grupo que sofreu influência que é preciso encontrar suas principais causas, de sorte que ainda cabe às análises materialistas explicar as influências e não a estas substituir, na explicação, a ação dos fatores econômicos e sociais (GOLDMAN, 1972, p. 3).

Sobre o segundo destes elementos, a autonomia relativa dos diferentes domínios intelectuais, afirma inicialmente que falando das relações entre ideologia e infra-estruturas, não temos o direito de silenciar a autonomia relativa das primeiras (p. 4).

Ao desenvolver a ideia de autonomia relativa, Goldman (1972) avalia que, em cada área do conhecimento em particular, como no caso a Parasitologia e a Microbiologia, haveria duas sortes de influência. A primeira é a dos próprios pesquisadores da área. A segunda é exatamente aquela que faz o autor avaliar como relativa a autonomia destes domínios e diz respeito às influências da realidade sociohistórica mais ampla, do conjunto dos fatores econômicos, sociais, políticos, etc.

Sobre esta segunda sorte de influências, recorta um pouco mais seu objeto de análise, elegendo dois pontos: a noção de classes sociais e a de consciência possível.

Em relação ao primeiro ponto, acusa os pensadores anteriores a Marx, referindo-se especialmente aos durkheimianos, de terem escamoteado o

problema das classes. Isenta somente Halbwachs, atribuindo a ele a realização de uma ampla análise da alienação e até mesmo a ideia de consciência possível, afirmando que este escreveu um dos estudos mais sérios da sociologia universal que trata do problema das classes sociais (GOLDMAN, 1972, p. 5). Sem embargo, afirma ter sido somente com Marx que o papel das classes sociais assume centralidade na análise do contexto social mais amplo. Mais do que isso, sentencia que a maioria dos sociólogos não marxistas contemporâneos defina as classes sociais por traços que, ao invés de esclarecer, mascaram sua função social e histórica (GOLDMAN, 1972, p. 6).

Ainda que a classe social seja fundamental, no esquema goldmaniano, é a consciência que ocupa o papel central, por isso, o autor fala em sociologia do espírito, ou da infra-estrutura das visões de mundo. Na formação da consciência, esta se entrecruza novamente com a noção de classe social que seria, para o pensador francês, a única categoria capaz de explicar a infra- estrutura de qualquer filosofia. Sobre isto, afirma:

o máximo de consciência possível duma classe social constitui hoje uma visão psicologicamente coerente do mundo que pode exprimir-se no plano religioso, filosófico, literário ou artístico (GOLDMAN, 1972, p. 8).

Como já referido anteriormente, no modelo explicativo abordado, são indicados dois níveis de consciência: a consciência real efetiva e a consciência máxima possível. No caso da emergência teórica da primeira, há também a influência da obra weberiana (além daquela de Marx), sobretudo em sua dimensão psicológica.

Em relação à segunda, faz-se referência a um outro plano para o estudo das visões de mundo, o de sua expressão coerente, excepcional (correspondendo mais ou menos ao máximo de consciência possível), que poderia ser buscado nas grandes obras da filosofia e da arte ou ainda na vida de certas individualidades excepcionais (GOLDMAN, 1972, p. 16). Na percepção do autor, os dois planos são complementares. Alerta, entretanto:

A despeito duma primeira aparência contrária, é preciso no entanto dizer que o segundo é freqüentemente mais fácil de realizar do que o primeiro, precisamente porque as visões do mundo encontram nele expressão mais nítida e mais firme, enquanto o estudo do desenvolvimento duma nova visão do mundo na consciência real do grupo constitui trabalho muito mais difícil por causa das múltiplas formas de passagem, da enorme complexidade dos imbricamentos

e das mútuas influências que constituem a vida social (GOLDMAN, 1972, p. 16).

Mas, em que medida estas categorias, a consciência real (efetiva) e a consciência (máxima) possível, foram empregadas por Paulo Freire? Além disso, quais as relações entre a Pedagogia Freiriana e os processos formais de aprendizagem (incluindo aí aqueles referentes à formação de professores)?

Para oferecer ao leitor uma panorâmica das visões do educador pernambucano, inicia-se pela segunda destas questões. A proposta pedagógica formulada por Paulo Freire, em diversas de suas obras, não foi desenvolvida para processos formais de educação, sendo gerida em sua reflexão e prática de alfabetização de adultos na educação informal e não na escolar (DELIZOICOV, 2008), a partir de uma pedagogia de inclusão, tendo se iniciado nos anos 60 do século passado, objetivando romper com as tradições arcaicas, autoritárias, discriminatórias e elitistas vigentes, em busca de justiça, igualdade e dignidade (GEHLEN et al., 2008, p. 9). Segundo estes autores, por ser considerada ameaçadora para as classes dominantes, tais propostas motivaram o seu exílio