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CAPÍTULO 2 – A PERDA DE BENS E O DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

2.5 Medidas de conservação do patrimônio assegurado

2.5.3 Administração judicial dos bens

O Código de Processo Penal não dispõe especificamente sobre a administração judicial dos bens assegurados ao tratar do sequestro.

É preciso ressaltar, no entanto, a existência de norma projetada visando à introdução desse instituto no regime jurídico do Código de Processo Penal (PL 2.902/2011, arts. 144-I e 144-J).193

O Código de Processo Penal cuidou do depósito, que vem a ser o antecedente lógico da administração de bens. E isso o fez em diferentes momentos.

Primeiro, ao tratar do exame de pedido de restituição de coisas apreendidas (CPP, art. 120, § 4º). Depois, ao estabelecer que o valor da fiança pode ser entregue ao depositário público (CPP, art. 331). E, ainda, quando dispôs que os titulares de direito de autor e os que lhe são conexos serão nomeados como fiéis depositários dos bens apreendidos (CPP, art. 530- E).194

Contudo, e em outro momento, estabeleceu que o depósito e a administração dos bens arrestados ficarão sujeitos ao regime do Código de Processo Civil195 (CPP, art. 139). Trata-se tal dispositivo do arresto de bens móveis, o que permite, diante da omissão, aplicar por analogia o procedimento referido para o sequestro de bens móveis.

Assim, o próprio Código de Processo Penal utiliza-se de mecanismo previsto no Código de Processo Civil em relação ao tratamento a ser dispensado para o bem móvel arrestado. O regime do Código de Processo Civil visa à guarda e conservação de bens

penhorados, arrestados, sequestrados ou arrecadados (art. 148).196 Logo, conclui-se que tal regime pode incidir também em relação ao sequestro de bens móveis.

E em relação ao sequestro de bens imóveis? O Código de Processo Penal também é omisso.

O argumento segundo o qual se torna possível aplicar o art. 139 do Código de Processo Penal por analogia apenas em relação a bens móveis não soa convincente. Sobretudo

193 O PL 2.902/2011 será tratado especificamente no item 2.10. Foi a partir desse projeto de lei que houve a

introdução da alienação antecipada no regime jurídico do CPP, em seu art. 144-A.

194 Cf. Marco Antonio de Barros, Lavagem..., p. 274-275.

195 Neste ponto, boa parte da doutrina afirma que o regime jurídico indicado é o previsto nos arts. 148 a 150 do

CPC. Por todos, Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (Lavagem..., p. 345). Já Marco Antonio de Barros ao analisar a administração de bens no âmbito da Lei de Lavagem, defende que para se aferir as atribuições do administrador deve-se utilizar o disposto nos arts. 763 a 767 do CPC (Lavagem..., p. 275).

196 Marco Antonio de Barros, analisando a administração de bens no âmbito da lavagem, destaca sua peculiar

característica multidisciplinar, ao fundir sistemas jurídicos de processo penal com outros do processo civil (Lavagem..., p. 274).

ao considerar que o regime previsto no Código de Processo Civil, que é expresso no art. 139 do Código de Processo Penal, incide, como visto, tanto para bens penhorados, arrestados,

sequestrados ou arrecadados. Verifica-se que inexiste distinção em relação a bens móveis ou imóveis.

Está claro que a finalidade do depositário e do administrador, conforme prevista no Código de Processo Civil, é a de guarda e conservação de bens (móveis e imóveis) que encontram com o direito de propriedade limitado, por força de decisão judicial.

Assim, afigura-se mais razoável concluir, por questão lógica e em razão de interpretação sistemática, que a finalidade do instituto é que deve nortear o seu uso. E, nesse sentido, torna-se possível a nomeação de depositário e administrador para guarda e conservação de bens imóveis sequestrados.197

A Lei de Lavagem de Dinheiro sempre estabeleceu a possibilidade da nomeação judicial de administrador dos bens, direitos ou valores apreendidos ou sequestrados.198

Contudo, com o advento da reforma a partir da Lei 12.683/2012, foi introduzida a possibilidade de o juiz nomear tanto pessoa física, quanto jurídica199 como administrador, quando as circunstâncias o aconselharem, para toda e qualquer medida assecuratória, não apenas sequestro e busca e apreensão (art. 5º da Lei 9.613/1998).

O pressuposto legal para nomeação de administrador judicial, fundado nas

circunstâncias do caso, revela-se de modo bem aberto e amplo.200 A doutrina diverge quanto a esse ponto.

Rodolfo Tigre Maia entende que se deve buscar a melhor guarda, conservação e administração dos bens, critério, pois, que norteará a interpretação da expressão legal “quando as circunstâncias aconselharem”.201

Gustavo Badaró, por outro lado, privilegia não a “melhor guarda”, porém que a administração judicial se dê em conformidade com a lei, aplicando-a sempre que houver o desapossamento do bem e, portanto, em caráter excepcional.202

197 Em sentido contrário, Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini afirmam que “o bem imóvel objeto

do sequestro, da especialização e registro da hipoteca legal, ou do arresto prévio, deve permanecer sob a posse de seu titular, que terá o dever de guarda e conservação sob o bem” (Lavagem..., p. 346).

198 Cf. Sergio Fernando Moro, que destaca a “grande dificuldade para encontrar pessoas dispostas a administrar

bens sequestrados ou apreendidos. Além disso, nomeação envolve riscos pois eventual má administração pode levar ao perecimento ou à perda de valor dos bens, com prejuízos à sociedade e responsabilidade do Estado caso os bens tenham de ser devolvidos ao acusado em caso de absolvição” (Crime..., p. 186-187).

199 A possibilidade de nomeação de pessoa jurídica como administrador pode revelar um novo nicho de mercado,

mediante o surgimento de empresas especializadas nesta função. O tempo melhor dirá sobre esse aspecto.

200 Assim também entendem Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, Lavagem..., p. 346. Marco

Antonio de Barros afirma ser vaga a expressão “quando as circunstâncias o aconselharem”, destacando a imprescindibilidade de motivação quanto à necessidade e conveniência da medida (Lavagem..., p. 275).

No fundo, ambos posicionamentos guardam compatibilidade e coerência. Podem ser sintetizados do seguinte modo: deve nomear-se administrador judicial sempre que necessário para adequada guarda e conservação dos bens. Isso retira o automatismo, cabendo ao juiz aferir as específicas circunstâncias que revelem ser a medida a mais indicada.

A novidade introduzida pela reforma da Lei de Lavagem, que possibilita a nomeação de pessoa jurídica como administradora judicial de bens, afigura-se positiva.

De nada adiante existir o mecanismo processual de gestão de bens sem a mínima possibilidade de aplicação prática.

De fato, se são muitas as dificuldades para se encontrar pessoa física idônea e adequada para administrar um ou outro bem, que dirá para administrar patrimônio de elevada monta e complexidade, como ocorre nos casos da criminalidade organizada.203 Assim, a possibilidade de nomeação de pessoa jurídica é bem-vinda.

O dever do administrador, seja pessoa física, seja jurídica, reside na prestação de informações periódicas da situação dos bens administrados, explicações e detalhamento sobre investimentos e reinvestimentos (Lei 9.613/1998, art. 6º, II, com a redação dada pela Lei 12.683/2012), cabendo ao Ministério Público o controle de tal gestão.

Pelo exercício do encargo, fica reservado ao administrador o direito a remuneração, fixada pelo juiz204, que será satisfeita com o produto dos bens objeto da própria administração (Lei 9.613/1998, art. 6º).

Quanto à legitimidade para requerer a administração dos bens, a lei é omissa. Porém, entende-se que deva ser vista de forma bem abrangente.

Primeiro, cabe ao Ministério Público, como condutor da ação penal nos casos de ação penal pública, velar pela adequada gestão patrimonial dos bens assegurados (Lei 9.613/1998, art. 6º, pár. ún., com a redação dada pela Lei 12.683/2012). Daí segue seu dever de requerer, sempre que necessário, a nomeação de administrador judicial. Em havendo assistente de acusação, fica-lhe facultado o direito de também assim requerer.

A própria autoridade policial, conquanto ausente norma permissiva expressa, pode representar ao juiz pela adoção da medida, em diversas situações.205

202 Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, Lavagem..., p. 346.

203 Marco Antonio de Barros destaca alguns predicados que deve possuir o administrador: probidade, adequada

capacitação profissional, segurança para exercer a contento as funções (Lavagem..., p. 276).

204 Marco Antonio de Barros afirma que a fixação da remuneração deve levar em consideração “a situação dos

bens, tempo destinado ao serviço e as dificuldades que o caso concreto apresentar para regular execução desta função auxiliar [...]” (Lavagem..., p. 276).

205 Em sentido contrário, afirmam Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini que não cabe representação

Num primeiro momento, quando da representação pela aplicação da medida assecuratória de sequestro, já pode ser evidenciada a necessidade de se nomear administrador de bens. Em outro, é possível que, ao término da investigação por ocasião do relatório final, também se vislumbre tal necessidade. Ou ainda, nos casos em que a guarda e conservação dos bens esteja confiada à polícia e que, por qualquer razão justa, o órgão não mais reúna condições estruturais de exercer uma administração a contento e implique risco à gestão adequada dos bens assegurados.

O próprio acusado pode requerer a medida, pois possui legítimo interesse na conservação do patrimônio, ante a possibilidade de tê-lo restituído.

Quanto ao juiz, a partir do momento em que os bens acham-se assegurados, por força de decisão judicial, passa a existir verdadeiro dever jurídico estatal de se velar pela adequada conservação. E, nesse sentido, há razões de sobra para que o juiz, ouvindo as partes206, e não só o Ministério Público, como diz a lei (Lei 9.613/1998, art. 5º, com a redação dada pela Lei 12.683/2012), em respeito ao contraditório e ampla defesa, delibere quanto à nomeação de administrador dos bens.

O administrador responde pelos prejuízos eventualmente causados207, por dolo ou culpa, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada, ressalvando-se o que despendeu no exercício do encargo.208

As atribuições que lhe são destinadas guardam vínculo com o regime jurídico de natureza civil, configurando típicos atos de gestão administrativa, conquanto esteja vinculado a um juízo penal.209 Nada impede, contudo, a incidência da lei penal, em havendo prática de, por exemplo, apropriação indébita, peculato ou desobediência.

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