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CAPÍTULO 2 – A PERDA DE BENS E O DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

2.5 Medidas de conservação do patrimônio assegurado

2.5.1 Alienação antecipada

2.5.1.2 Natureza jurídica e finalidade

A alienação antecipada foi inserida dentro do Código de Processo Penal (art. 144-A) exatamente no capítulo que trata das medidas assecuratórias, ao lado do sequestro, especialização e registro da hipoteca legal e arresto. Assim, evidente seu caráter de cautelar real ou patrimonial.

Trata-se de medida bastante invasiva ao patrimônio do imputado e até mesmo de terceiro.

Com o sequestro, o bem permanecia apenas indisponível e em alguns casos até mesmo com a perda do poder de uso e gozo. A partir da alienação antecipada, resta apenas o valor resultante da venda pública.

173 As Leis 9.804/1999, 10.409/2002 e a 11.343/2006 utilizam a terminologia alienação em caráter cautelar. A

Lei 12.683/2012 (§ 1º do art. 4º e art. 4º-A) e a Lei 12.694/2012 (CPP, art. 144-A) passaram a adotar a expressão alienação antecipada.

174 Sobre a gênese legislativa da alienação antecipada na Lei 12.683/2012, cf. Gustavo Henrique Badaró e

A finalidade do instituto é conservar o valor do bem já assegurado por outra medida cautelar patrimonial. Desse modo, reduz-se a possibilidade de eventual deterioração ou destruição do bem.175 Tais situações têm o condão de gerar o risco de ineficácia da medida cautelar primeiramente aplicada. Daí, conforme já dito, se falar em instrumentalidade em terceiro grau no tocante à alienação antecipada.

2.5.1.3 Requisitos

Tanto o Código de Processo Penal (art. 144-A), quanto a Lei de Lavagem de Dinheiro (§ 1º do art. 4º), com as inovações trazidas pelas Leis 12.694/2012 e 12.683/2012, respectivamente, estabelecem os mesmos requisitos para aplicação da alienação antecipada. O primeiro requisito está ligado à finalidade da própria medida, que deve ser aplicada para fins de preservação do valor dos bens assegurados. No momento da aplicação da alienação antecipada deve-se ponderar sobre a viabilidade econômica de alienar ou não os bens.

Após a observância do requisito de natureza finalística, a lei indica a necessidade de se ter ao menos uma das seguintes situações: a) sujeição dos bens a qualquer grau de

deterioração; b) sujeição dos bens a qualquer grau de destruição; c) dificuldade para a manutenção dos bens.

Vê-se que, após estabelecer o escopo da medida – preservação do valor dos bens

assegurados –, a lei traz critérios específicos que apontam para o possível cabimento da alienação antecipada.

Tais critérios apresentam elevada carga de indeterminação e abstração, o que exige do aplicador do direito cautela para não cair no automatismo.

A expressão legal qualquer grau de deterioração ou destruição é por demais genérica, acabando por recair praticamente em todo e qualquer bem.176 A dificuldade da manutenção do bem, por si só, revela-se insuficiente para a aplicação da medida.

Conclui-se, pois, que, após a análise dos requisitos específicos previstos na lei, deve-se retomar o escopo do instituto – preservação do valor do bem – para se aferir se a alienação antecipada, de fato, é a melhor medida.177

175 Afirma Marco Antonio de Barros que “a alienação antecipada só tem cabimento se for destinada à

preservação do valor de bens submetidos à constrição” (Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/1998. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 244). Sergio Fernando Moro, Crime..., p. 187, afirma que a medida trata-se “da melhor forma de garantir a conservação dos bens apreendidos ou sequestrados”.

Assim, é preciso que exista demonstração razoável a indicar que o decurso do tempo por ocasião da tramitação do processo implicará certo grau de deterioração ou destruição do bem assegurado que possa comprometer a própria eficácia da medida cautelar patrimonial.178 A existência de diversos veículos apreendidos em pátios de delegacias ou outras repartições públicas, sem qualquer uso, pode levar, com o passar do tempo, à sensível diminuição do valor do bem, senão a sua própria inutilidade.

De outro lado, quanto à dificuldade para a manutenção dos bens, é preciso que tal critério não sirva para justificar a inércia do Estado em conservar bens apreendidos cautelarmente, promovendo-se alienações antecipadas de modo arbitrário.

Eventual coleção de quadros ou esculturas pode representar dificuldade para a manutenção, sem implicar necessariamente, com o decorrer do tempo, redução do valor, o que, por conseguinte, não justifica a alienação.179

O exemplo ilustra bem as situações que podem surgir, com os problemas que lhe são peculiares. A dificuldade na manutenção do bem não retira do Estado o dever jurídico de conservá-lo. O que se precisa aferir é se os bens estão sendo efetivamente conservados. A má conservação e mesmo sua ausência podem levar à deterioração ou destruição, implicando, pois, redução do valor do bem.

Com isso, algumas conclusões podem ser extraídas desse ponto.

O tema das cautelares patrimoniais repercute em outro assunto, qual seja, o da gestão dos bens acautelados180.

Ainda, para a efetivação da alienação antecipada, há que se ater a critérios de proporcionalidade. De um lado, estão em jogo o direito de propriedade e o princípio da presunção de inocência181. De outro, a busca pela eficácia da cautelar real de sequestro e da perda de bens.

177 Cf. Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, Lavagem..., p. 302. É possível que determinados bens,

direitos e valores possam, no decorrer do processo, apresentar valorização, como por exemplo, ouro, imóvel, ativos em bolsa, a depender das circunstâncias econômicas.

178 Sergio Fernando Moro afirma que, “por cautela, pode o juiz aguardar a sentença, se for provável sua prolação

em prazo razoável, com o que terá melhores condições de aventar o resultado final do processo. Isso, contudo, dependerá das circunstâncias do caso concreto, não sendo razoável retardar a alienação antecipada se houver demora excessiva mesmo para a prolação da sentença de primeira instância” (Crime..., p. 189).

179 Esse exemplo é dado por Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (Lavagem..., p. 302). 180 Esse assunto será objeto de análise no capítulo 4, itens 4.4 e 4.7.

181 Sergio Fernando Moro esclarece que “a alienação antecipada só deve ser ordenada caso haja elevada

probabilidade de que o processo resulte em condenação e confisco. Se não for esse o caso, e apenas nessa situação, é de cogitar a entrega dos bens, mesmo com os riscos existentes, ao investigado ou acusado, nomeando- o depositário” (Crime..., p. 189).

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