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CAPÍTULO 5 – PROPOSTA DE MODELO PROCESSUAL PENAL PATRIMONIAL

5.5 Da perda clássica à perda alargada

5.5.2 Requisitos da perda alargada

O primeiro requisito para a instituição da perda alargada é sua definição por lei.607 Assim como hoje há a perda clássica e a perda subsidiária (perda do valor equivalente), é preciso que se inclua a “perda alargada” na legislação penal brasileira.

605 José Afonso da Silva, Curso..., p. 275.

606 O texto constitucional ao dispor sobre isso se utiliza da terminologia confisco. Cf. art. 243, pár. ún.

607 João Conde Correia afirma que “o confisco alargado não pode, obviamente, depender do arbítrio judicial” (Da

5.5.2.2 Rol de infrações penais

Como se viu, a perda alargada também será efeito da condenação penal. Porém, diferentemente da perda clássica e da perda subsidiária, a perda alargada deverá ser aplicada após a condenação por uma das infrações penais previamente estabelecidas pelo legislador e com enfoque para a repressão à criminalidade organizada.608 Alguns delitos devem necessariamente constar desse rol: tráfico de drogas; corrupção ativa e passiva; peculato; lavagem de dinheiro; crimes praticados por organizações criminosas.

A cautela de se vincular a aplicação da perda alargada à condenação de infrações penais previamente estabelecidas em rol restritivo é importante mecanismo de prevenção e vedação ao arbítrio. Essa restrição consiste em atuação legislativa que limite a incidência da perda alargada, visando ao atendimento de critérios de proporcionalidade.

5.5.2.3 Patrimônio desproporcional e sem comprovação lícita

Outro requisito é a presença de patrimônio609 desproporcional do imputado quando comparado com seus rendimentos lícitos. Em outras palavras, deve ser exigida a presença de dois elementos: patrimônio desproporcional e sem comprovação lícita.

5.5.2.4 Alcance temporal

O quarto requisito é de natureza temporal.

A perda alargada deve retroagir à data da prática da infração penal pela qual houve a condenação. A ideia aqui é abranger os bens adquiridos pelo agente sem qualquer justificativa lícita, em período anterior à infração penal pela qual foi condenado. Ou seja, o legislador olha

608 Em Portugal, a Lei 5/2002, de 11 de janeiro, que instituiu a perda alargada, estabelece como primeiro

requisito para sua aplicação a condenação pela prática de um dos crimes do catálogo previsto em lei (art. 1º). Sobre o assunto, João Conde Correia, Da proibição..., p. 103-105, posiciona-se contrariamente à possibilidade de se alargar analogicamente o rol previsto na lei, independentemente dos resultados econômicos e de razões político-criminais. Também aponta para a desnecessidade de se considerar o quantum de pena aplicada.

609 João Conde Correia, Da proibição..., p. 105, destaca a necessidade de o imputado possuir patrimônio, antes

mesmo de ingressar no requisito da desproporcionalidade. Em Portugal, a Lei 5/2002, de 11 de janeiro, define o patrimônio do arguido como o conjunto de bens: “a) que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; c) recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino” (art. 7º, 2, a a c).

para a vida pregressa do agente criminoso, já condenado, e verifica, com base em critérios objetivamente previstos, qual é o patrimônio ilegítimo.610

Como já afirmado, o modelo atual, feito para casos simples, circunscreve a perda ao produto do crime ou proveito derivado da específica infração discutida no processo principal. Esse modelo é insuficiente para a realidade atual, diante das situações de intervenção da criminalidade organizada.

O ponto de partida para a pretendida delimitação reside na legitimidade ou não do patrimônio incompatível com recursos lícitos, sobretudo por parte daquele que passou para a condição jurídica de condenado penalmente, ainda que a título provisório.

A condenação penal, nesses casos, gera a possibilidade jurídica de se discutir a legitimidade do patrimônio do imputado. Não há que se falar na existência de uma presunção de ilicitude patrimonial, porém num dever estatal de se aferir da forma mais abrangente possível o caráter de aquisição legítima. Para tanto, surge como razoável o estabelecimento de um critério temporal que definirá o marco inicial de possibilidade de análise do patrimônio do imputado.

Algumas hipóteses podem ser levantadas: a) a data da prática da infração penal imputada; b) o período anterior à prática da infração penal imputada.

Para a análise das situações expostas é preciso resgatar o primeiro ponto de delimitação do modelo projetado, qual seja, o da prévia definição legal de infrações penais a permitir o uso do procedimento em causa.

A finalidade da delimitação foi circunscrever, a partir da observância ao princípio da legalidade procedimental, que o modelo projetado serve para os casos de incidência da criminalidade organizada. A ideia não é a banalização e nem tem como fim fixar mecanismo de procrastinação do efeito patrimonial da condenação.

Com isso, a essência da criminalidade organizada remete à ideia de atuação contínua e com o fim de lucro. Assim, diferentemente de uma atuação individual, de natureza pontual e delimitada no tempo e espaço, as organizações criminosas, à semelhança de uma empresa com fim lícito, agem com regularidade.

Posto isso, a primeira opção – data da prática da infração penal imputada – não se afigura plausível com a natureza da criminalidade organizada, segundo a forma de atuação, já que essa alternativa é mais adequada para uma conduta individual, bem definida do tempo. A

610 Nota-se essa tendência em outros países, por exemplo, na Inglaterra, por meio do Drug Trafficking Act, de

1994 (ver item 3.9.4), e em Portugal, por meio da Lei 5/2002, de 11 de janeiro (art. 7º, item 2, a a c) (ver item 3.9.4.1).

regra para a criminalidade organizada, como visto é outra, qual seja, a da continuidade delitiva.

Assim, visando à definição de qual o limite temporal possível de se questionar o patrimônio eventualmente incompatível com a licitude, partindo-se da segunda alternativa, o ponto principal está em se abolir qualquer pretensão de ausência de limite temporal. Essa ideia não se afigura consentânea com o princípio da segurança jurídica e com critérios de proporcionalidade, aptos a garantir a legitimidade constitucional da medida.

A premissa, pois, está na necessidade de se estabelecer um marco inicial retroativo a contar da prática da infração penal pela qual houve a condenação.

Atualmente no sistema tributário brasileiro, há a previsão do prazo de cinco anos para a cobrança judicial do crédito tributário, a contar de sua constituição definitiva (Lei 5.172/1966, art. 174). Trata-se de um prazo dado ao ente estatal para promover a cobrança dos tributos devidos. Ou seja, a medida tem natureza eminentemente patrimonial.

Vê-se, pois, que é pertinente utilizar como parâmetro para a definição do marco temporal para possível discussão patrimonial o prazo referido. Assim, chega-se ao período de cinco anos anterior à consumação da infração penal, como critério inicial para o acertamento patrimonial.

Qualquer critério temporal é melhor do que a inexistência de limites.

5.5.3 Análise crítica da proposta de perda alargada à luz da regra da proporcionalidade

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