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Excepcionalidade e proporcionalidade

CAPÍTULO 2 – A PERDA DE BENS E O DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

2.2 Medidas assecuratórias

2.2.3 Princípios das cautelares reais

2.2.3.5 Excepcionalidade e proporcionalidade

Os princípios da excepcionalidade e proporcionalidade109 entrelaçam-se no âmbito das medidas cautelares reais.110 Um vincula-se ao outro, estabelecendo critérios de aferição da necessidade, adequação e suficiência das referidas medidas.111

A excepcionalidade caracteriza-se pela possibilidade de concretização da medida cautelar real apenas quando estritamente necessária, mediante a aferição de seus pressupostos jurídicos, após cotejo com a realidade fática. Não é possível a aplicação da cautelar real de modo automático. Faz-se imprescindível a presença dos critérios previamente estabelecidos em lei e indicados para o caso concreto.

A aplicação das medidas cautelares patrimoniais também deve ser norteada pela proporcionalidade112, em consonância com seus três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.113

A adoção de medida estatal que implique invasão no âmbito de proteção de um direito fundamental deve, necessariamente, vincular-se à consecução de um fim legítimo, que se confunda, via de regra, com a concretização de outro direito fundamental.

109 Miguel Reale ao discorrer sobre a doutrina da bilateralidade atributiva, segundo a qual o Direito jamais cuida

do homem isolado, mas sim enquanto membro da comunidade, afirma que “Aristóteles foi o primeiro a vislumbrar, no fenômeno jurídico, o elemento da proporcionalidade.” Na sequência, esclarece que Santo Agostinho e Tomás de Aquino também discorreram sobre o problema da Lei e da Justiça. Cf. Lições

preliminares de direito. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 56. Fábio de Oliveira, dentro disso, lembra que para Aristóteles o proporcional é o meio-termo, que conduz ao justo. Cf. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 81. Assim, o importante é compreender a proporcionalidade como princípio geral de direito, que se irradia por todo o sistema jurídico, com origem remota.

110 Para análise do princípio da proporcionalidade no âmbito das cautelares reais, cf. Marta Cristina Cury Saad

Gimenes, As medidas assecuratórias..., p. 73-79.

111 Cf. Aury Lopes Jr, Direito processual..., v. 2, p. 70-75.

112 O princípio da proporcionalidade foi positivado no âmbito do Código de Processo Penal, com o advento da

Lei 12.403/2011, que modificou as cautelares pessoais, especialmente com a nova redação do art. 282 do CPP. Cf. “Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.”

113 Para estudo específico sobre o princípio da proporcionalidade cf. Fábio de Oliveira, Por uma teoria dos

princípios... O autor, no capítulo III, realiza análise detida sobre o princípio constitucional da razoabilidade, discorrendo sobre a questão terminológica entre a razoabilidade e a proporcionalidade e o tríplice pressuposto da adequação, necessidade e proporcionalidade (p. 81-118). Virgílio Afonso da Silva. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, v. 798, abr., p. 23-50, 2002. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 167-182. Carlos Bernal Pulido. El principio de

proporcionalidad y los derechos fundamentales. 3ª ed. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007; Para análise da proporcionalidade no âmbito do processo penal, cf. Maurício Zanoide de Moraes,

Presunção..., p. 310-329; Nicolas Gonzales-Cuellar Serrano. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el

proceso penal. Madrid: Colex, 1990; Eduardo Araujo da Silva, Organizações..., p. 45-51; Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins. Teoria geral dos direitos fundamentais. 2ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 159-209.

Com isso, a adequação surge como meio de identificar, no plano abstrato, porém a partir da necessidade revelada pelo caso concreto, quais medidas são aptas a contribuir para a realização do objetivo perseguido.114 A ideia consiste, pois, em aferir quais são as medidas idôneas a gerar o resultado pretendido.115

O caso concreto apresentará situações que impliquem a possibilidade de uso de alguma das seguintes medidas cautelares reais: a alienação antecipada, o uso provisório e a administração de bens. A escolha de uma delas, contudo, como a “mais ou menos apta e adequada” deve submeter-se a outro requisito da proporcionalidade: o da necessidade.

A necessidade, inserida como componente da proporcionalidade, deve ser entendida na acepção de uma medida que foi identificada, entre diversas outras igualmente aptas para atingir o resultado final, como aquela ideal, podendo ou não coincidir com a menos gravosa. Trata-se, pois, de uma análise comparativa116, que busca aferir qual a medida, entre as previamente consideradas idôneas, que possibilita, com eficiência, atingir o resultado pretendido e que preserva, na melhor condição possível, os direitos fundamentais em jogo. A proporcionalidade em sentido estrito decorre da presença dos dois requisitos anteriores: a necessidade e a adequação. E culminará com o juízo de ponderação quanto à medida eleita como a necessária. Em torno dela será dimensionado o nível de extensão de ofensas a eventuais outros direitos fundamentais, não considerados quando da análise dos pressupostos precedentes. Com isso, esse último critério de análise busca evitar medidas que, conquanto atendam à relação de causalidade entre meio e fim, possam implicar prejuízos a outros direitos fundamentais, sendo, pois, excessivas.117

Os efeitos patrimoniais gerados por medidas cautelares reais podem ser significativos e complexos: sequestros de propriedades rurais e empresas; apreensões de diversos veículos, de embarcações, de coleção de quadros.

Daí a razão de se dar atenção ao princípio da proporcionalidade nesses casos, como meio de se conservar o patrimônio assegurado, a fim de se produzir um processo penal conforme direitos e garantias fundamentais, mas que também seja efetivo.

114 Virgílio Afonso da Silva, Direitos..., p. 170.

115 Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 323; Nicolas Gonzalez-Cuellar Serrano, Proporcionalidad..., p.

157.

116 Virgílio Afonso da Silva, Direitos..., p. 171.

117 Sobre o assunto, assim afirma Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 329: “se a adequação é um juízo

comparativo, a proporcionalidade stricto sensu, por sua vez, é um juízo valorativo e é nesse âmbito que se realiza a ponderação indispensável entre todos os direitos fundamentais afetados ou afetáveis pela medida processual penal, já definida como idônea e necessária, para se determinar se ela será ou não realizada”.

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