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Cooperação jurídica internacional

CAPÍTULO 4 – A CONSTRUÇÃO DO NOVO PARADIGMA PARA O PROCESSO

4.5 Cooperação jurídica internacional

A cooperação jurídica internacional assume cada vez mais relevância dentro da persecução patrimonial.508

A globalização, quanto ao aspecto territorial, acabou por gerar uma realidade una, cujas fronteiras nacionais não são mais limites para o trânsito de ativos financeiros.509

508 Sobre o assunto, cf. Sergio Fernando Moro, Crime..., p. 191-218; Márcio Adriano Anselmo. Lavagem de

dinheiro e cooperação jurídica internacional. São Paulo: Saraiva, 2013; Fábio Ramazzini Bechara. Cooperação

jurídica internacional em matéria penal: eficácia da prova produzida no exterior. São Paulo: Saraiva, 2011; Marco Antonio de Barros, Lavagem..., p. 285-301; João Conde Correia, Da proibição..., p. 200-201; Hélio Rigor Rodrigues e Carlos A. Reis Rodrigues, Recuperação..., p. 72-83; José Braz, Investigação criminal..., p. 72-74.

509 Sobre isso, cf. Anabela Miranda Rodrigues, Criminalidade organizada – que política criminal?, p. 199-208.

Os avanços tecnológicos permitem que o fluxo financeiro ocorra de maneira célere. Essa facilidade passa a ser recorrentemente utilizada pela criminalidade organizada como meio de pulverizar rapidamente o produto do crime, o que dificulta a persecução patrimonial. Logo, o crime organizado ultrapassou a esfera local, alcançando uma perspectiva global.510 Diante, pois, desse espaço internacional de transição de ativos, torna-se impossível nos dias atuais pensar em uma persecução patrimonial limitada aos contornos do território nacional. Daí a importância da cooperação jurídica internacional.

Fábio Ramazzini Bechara conceitua cooperação jurídica internacional como o “conjunto de atos que regulamenta o relacionamento entre dois Estados ou mais, ou ainda entre Estados e Tribunais Internacionais, tendo em vista a necessidade gerada a partir das limitações territoriais de soberania.”511

Percebe-se, assim, que a essência da atitude de cooperar reside no como se relacionar, o que passa pela necessidade do diálogo entre os países.512

O autor também afirma que o alcance da cooperação jurídica internacional abrange “o intercâmbio não somente entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos judiciais e administrativos de Estados distintos”.513

Nesse sentido, a cooperação jurídica “tem um significado particular, porquanto não abrange tão somente a cooperação jurisdicional ou judicial, mas também a cooperação administrativa, entre órgãos investigatórios, que igualmente produzem efeitos jurídicos. A qualificação da cooperação como jurídica está muito mais associada aos efeitos que desta possam advir do que propriamente à natureza do objeto da cooperação ou à qualidade de quem opera.”514

Para uma perspectiva geral, a cooperação jurídica internacional assenta-se no valor solidariedade. Conhecer a necessidade alheia e dispor-se ao auxílio é sua real base. Essa estrutura permeia o Direito Processual Penal, mediante a relação surgida entre “Estado

510 Cf. Marco Antonio de Barros, Lavagem..., p. 32-41 e p. 285-287. 511 Cf. Fabio Ramazzini Bechara, Cooperação..., p. 42.

512 Marco Antonio de Barros, Lavagem..., p. 286, percebe a importância e o desenvolvimento do diálogo entre os

países na prevenção e repressão à criminalidade organizada: “Não deixa de ser relevante o interesse comum demonstrado por diversos países, os quais passaram a criar leis semelhantes e a firmar acordos no intuito de proteger seus sistemas econômico e financeiro, além de visar à manutenção da paz e da segurança internas. Deu- se então o surgimento de uma nova linha de diálogos entre as nações mais desenvolvidas do mundo, sempre com o propósito de se estabelecer novas metas de colaboração para tornar mais eficiente o combate ao crime transnacional.”

513 Cf. Fabio Ramazzini Bechara, Cooperação..., p. 42-43. 514 Cf. Fabio Ramazzini Bechara, Cooperação..., p. 43.

requerente, Estado requerido e a pessoa cujos direitos possam ser afetados pela diligência solicitada.”515

Dentro do objeto de estudo, a cooperação jurídica internacional passa a ser metodologia fundamental para o auxílio internacional recíproco entre Estados, com o fim de impedir que o capital derivado do crime transite livremente e, dessa maneira, permita seu pleno usufruto pela criminalidade organizada.

A repercussão da cooperação jurídica internacional na fase pré-processual e processual é notada nos seguintes aspectos:

a) intercâmbio de informações entre polícias e Ministérios Públicos; b) identificação do patrimônio suspeito;

c) identificação de elementos informativos e probatórios;

d) adoção de medidas que visem à execução de decisões judiciais; e) recuperação de ativos.

O mesmo fundamento que impõe a necessidade de se investir na cooperação jurídica

interna para a identificação do patrimônio suspeito e consequente aplicação da perda de bens também se aplica à cooperação jurídica internacional para os mesmos fins. Para tanto, a própria troca de experiências entre as agências estatais de todos os países, que atuam na prevenção e repressão à criminalidade organizada, ganha importância nessa seara.

O Brasil, sentindo a relevância da cooperação jurídica internacional e especialmente no que toca à persecução patrimonial, instituiu em 2004 o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). Esse órgão, criado pelo Dec. 4.991/2004 (atualmente regulamentado pelo Dec. 6.061/2007), está vinculado ao Ministério da Justiça e possui as seguintes atribuições516:

I - articular, integrar e propor ações do governo nos aspectos relacionados com o combate à lavagem de dinheiro, ao crime organizado transnacional, à recuperação de ativos e à cooperação jurídica internacional;

II - promover a articulação dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, inclusive dos Ministérios Públicos Federal e Estaduais, no que se refere ao combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado transnacional;

III - negociar acordos e coordenar a execução da cooperação jurídica internacional;

IV - exercer a função de autoridade central para tramitação de pedidos de cooperação jurídica internacional;

V - coordenar a atuação do Estado brasileiro em foros internacionais sobre prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado transnacional, recuperação de ativos e cooperação jurídica internacional;

515 Cf. Fabio Ramazzini Bechara, Cooperação..., p. 43-44. 516 Ver Anexo I do Dec. 6.061/2007.

VI - instruir, opinar e coordenar a execução da cooperação jurídica internacional ativa e passiva, inclusive cartas rogatórias; e

VII - promover a difusão de informações sobre recuperação de ativos e cooperação jurídica internacional, prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado transnacional no País.”

No plano legislativo, a preocupação com a cooperação jurídica internacional no que toca à prevenção e repressão da criminalidade organizada foi notada com o tratamento do assunto pela Lei de Drogas (Lei 11.343/2006, art. 65) e pela Lei de Lavagem de Dinheiro (9.613/1998, art. 8º).

O caráter transnacional do crime gera o dever jurídico de as autoridades policiais e Ministérios Públicos de todo o globo compartilhar informações e prestar auxílio recíproco visando à prevenção e repressão do crime organizado.

O encontro de evidências da prática de crime em um determinado país pode levar à identificação do patrimônio suspeito em outra localidade. E vice-versa. Ou seja, sempre que elementos importantes para a persecução penal transitarem em mais de um país, isso leva à necessidade das agências responsáveis pela função de investigar e de processar fatos criminosos de comunicarem-se e de colaborarem reciprocamente. Se a extradição era a tradicional forma de cooperação jurídica internacional, com a intensificação da preocupação global com o crime transnacional as medidas assecuratórias patrimoniais e a perda de bens ganharam espaço na realidade contemporânea.517 Assim, para a implementação de qualquer

decisão judicial de um país cuja eficácia dependa do auxílio de outro, faz-se necessária a cooperação jurídica internacional.

Vê-se, pois, que a cooperação jurídica internacional revela-se importante tanto para fins probatórios, quanto para fins de identificação do patrimônio suspeito e de aplicação de medidas judiciais para o acautelamento e a perda de bens, visando à recuperação de ativos.518

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