• Nenhum resultado encontrado

Influência dos modelos internacional e estrangeiro no direito interno

CAPÍTULO 5 – PROPOSTA DE MODELO PROCESSUAL PENAL PATRIMONIAL

5.4 Influência dos modelos internacional e estrangeiro no direito interno

Postas as premissas constitucionais, especialmente sobre os direitos à liberdade e à propriedade, serão verificados neste tópico o nível e grau de influência das normas internacionais e dos modelos estrangeiros no direito interno.

5.4.1 Influência das normas internacionais

Conforme se observou582, três convenções internacionais incidem diretamente sobre o objeto de estudo: a convenção de Viena, que tratou do tráfico de drogas; a convenção de Mérida, que cuidou da corrupção; e a convenção de Palermo, que se ocupou do crime organizado transnacional.

Esses textos internacionais exerceram forte influência no mundo e inclusive no Brasil, no tocante à relevância do aspecto patrimonial na repressão à criminalidade organizada. A perda de bens, com essas convenções, passa a assumir papel significativo no Direito Penal e Direito Processual Penal.

A partir desse contexto internacional, não somente os tradicionais mecanismos de confisco ressurgiram no mundo. Preconiza-se a criação de novas formas de perda de bens, mais arrojadas que os modelos clássicos. Intensifica-se o uso da cooperação internacional.583 Tais convenções foram devidamente incorporadas ao ordenamento jurídico, após aprovação pelo Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, e início de vigência a partir de decreto presidencial.584

O ponto principal para o estudo, neste momento, está em bem dimensionar o que representa, sob o viés jurídico, a introdução dessas convenções no ordenamento brasileiro. Primeiro, o próprio objeto das convenções já indica o dever jurídico de o Brasil preocupar-se com a prevenção e a repressão ao tráfico de drogas, à corrupção e à criminalidade organizada, diante do comprometimento estabelecido no plano internacional. Logo, tais assuntos passam a merecer a devida atenção do Estado brasileiro.

Também é possível identificar o especial cuidado por parte da comunidade internacional, com o aspecto patrimonial derivado das práticas delitivas em causa. Para tanto, deduz-se uma concepção bem ampla sobre o alcance dos bens e produtos derivados do crime, compreendendo-os por ativos de qualquer natureza, que possam revelar expressão econômica. As convenções enfocam a relevância da cautelar patrimonial e da aplicação da declaração de perda de bens.

Porém, quanto às efetivas alterações no plano do direito interno, a partir do advento das convenções, é importante destacar que os textos convencionais reforçam o dever de os

582 Ver item 3.6.

583 João Conde Correia, Da proibição..., p. 37. 584 Ver notas de rodapé 314, 315 e 316.

respectivos Estados signatários observarem, no tocante às proposições pactuadas, a conformação com os princípios fundamentais dos ordenamentos jurídicos internos.

A título de exemplo, a convenção de Viena ao tratar de seu alcance perante o Estado Parte estabelece o seguinte: “Art. 2. Alcance da Presente Convenção. 1. O propósito desta Convenção é promover a cooperação entre as Partes [...]. No cumprimento das obrigações que tenham sido contraídas em virtude desta Convenção, as Partes adotarão as medidas necessárias, compreendidas as de ordem legislativa e administrativa, de acordo com as disposições fundamentais de seus respectivos ordenamentos jurídicos internos.”

A convenção de Mérida, por sua vez, assim prevê: “Art. 5. Políticas e práticas de prevenção da corrupção. 1. Cada Estado Parte, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, formulará e aplicará ou manterá em vigor políticas coordenadas e eficazes contra a corrupção [...]”.

A convenção de Palermo impõe do seguinte modo: “Art. 9. Medidas contra a corrupção. 1. [...] cada Estado Parte, na medida em que seja procedente e conforme ao seu ordenamento jurídico, adotará medidas eficazes de ordem legislativa, administrativa ou outra para promover a integridade e prevenir, detectar e punir a corrupção dos agentes públicos.” Com isso, percebe-se que as próprias convenções estabelecem limites quanto ao alcance de suas proposições, cujos contornos, em síntese, confundem-se com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico interno.

Tal aspecto invoca, pois, a necessidade de questionar se, diante da introdução no ordenamento nacional de alguma medida prevista nas convenções, existe ou não eventual conflito com os princípios fundamentais585do ordenamento jurídico interno.

No mais, superado esse ponto, conclui-se que, cada vez mais, toda convenção internacional exerce notável influência no direito interno, vinculando juridicamente os órgãos estatais à sua observância, permeando, aos poucos, aspectos legislativos, administrativos e judiciários.

Nesse sentido, a partir da introdução de determinada convenção no ordenamento jurídico interno, inexistindo conflito entre seus comandos normativos e os princípios fundamentais do ordenamento brasileiro, afigura-se verdadeiro dever jurídico estatal no

585 Cumpre observar que não se trata de qualquer princípio, porém apenas e tão-somente aqueles adjetivados de

sentido de promover as adequações necessárias, para que o Brasil possa, de fato, cumprir com o pactuado, e não tornar as convenções algo meramente simbólico.586

Essa premissa é importante para o avanço da análise. É preciso realizar adequada ponderação quanto ao que deve ou não ser incorporado ao ordenamento jurídico nacional, em relação à perda de bens e seus reflexos processuais penais.

5.4.2 Influência dos modelos estrangeiros

Diferentemente das normas internacionais que foram incorporadas pelo ordenamento jurídico pátrio, os modelos estrangeiros atuam perante o direito nacional como fator de influência, porém sem o caráter de vinculação obrigatória aos órgãos estatais.

Dois limites devem ser postos como fatores condicionantes à permeabilidade dos modelos estrangeiros à legislação nacional: a) a ordem constitucional vigente; b) a realidade social.

Não se afigura razoável admitir a importação cega e irrestrita de modelos processuais penais estrangeiros para o direito brasileiro, sem antes abrir discussão quanto à possibilidade jurídica de admissão de modelos vigentes em outros ordenamentos.

Além disso, é preciso confrontar tais modelos com a realidade social vigente, para aferir a necessidade e o cabimento de eventual introdução no direito nacional.587

Contudo, respeitados os limites para a admissão de modelos estrangeiros, não se pode ignorá-los.588

A construção do modelo nacional de um processo penal patrimonial justifica-se pela dimensão transnacional que adquiriu a criminalidade organizada, o que implica esforço

586 Sobre o assunto, discorrendo sobre a eficácia das convenções internacionais de direitos humanos no

ordenamento nacional, cf. Gustavo Badaró. A garantia do juiz natural no processo penal: delimitação do conteúdo e análise em face das regras constitucionais e legais de determinação e modificação de competência no direito processual penal brasileiro. Tese de Livre-Docência na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: 2010, p. 100-108. Ver, também, João Conde Correia, Da proibição..., p. 38. André de Carvalho Ramos denomina de “truque de ilusionista” a ausência de aplicação de decisões dos tribunais internacionais e das obrigações assumidas nesta seara, especialmente em relação aos direitos humanos. Para análise desse ponto de vista, ver, desse autor, Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 299-302; Responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos, Revista CEJ, Brasília, n. 29, p. 53-63, abr.-jun., 2005.

587 Sérgio Salomão Shecaira. Criminologia. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 26, ao

discorrer sobre a globalização e o Direito Penal, afirma que “as modificações normativas devem ser concebidas e testadas nas condições específicas da sociedade à qual se pretende que elas sejam aplicáveis”. No mesmo sentido, Ruy Sérgio Rebello Pinho, A reparação do dano..., p. 184.

588 Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 339, toca no assunto, em crítica à inércia legislativa na

elaboração de um novo Código de Processo Penal, que seja “conforme a atual Constituição e afeito aos novos avanços tecnológicos e às experiências internacionais na implementação de legislações congêneres.”

conjugado de todos os países, além de órgãos supranacionais, para fazer frente a essa realidade contemporânea.

Assim, não se concebe a indiferença para com esse movimento global589, repercutindo a influência dos modelos estrangeiros na própria necessidade de cada país adaptar-se, constantemente, à realidade mundial.

Ademais, diante do caráter internacional do problema, o grande desafio está em buscar uma “globalização do direito”, especialmente no que diz respeito à perda de bens.590

Documentos relacionados