• Nenhum resultado encontrado

Presunção de inocência: considerações preliminares

CAPÍTULO 5 – PROPOSTA DE MODELO PROCESSUAL PENAL PATRIMONIAL

5.7 A prova e o processo penal patrimonial

5.7.1 Presunção de inocência: considerações preliminares

A presunção de inocência tem suas origens no período do Iluminismo, sendo inserida na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789.647 Razões político-filosóficas justificaram esse fato, fundado muito mais em critérios político-sociais do que propriamente em aspectos técnico-jurídicos.648

Durante a Idade Média, o sistema probatório vigente era o da prova legal. Por esse sistema, o legislador definia o peso e a necessidade de cada prova, deixando ao juiz a tarefa de

647 Esse é o primeiro marco legislativo de positivação da presunção de inocência. Sobre isso, ver Maurício

Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 178; Alexandra Vilela. Considerações acerca da presunção de inocência

em direito processual penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 33-35. Renato Barão Varalda indica três diferentes orientações, a partir de contextos históricos diversos, para a presunção de inocência. A primeira deu-se na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, na França; a segunda no debate das escolas penais italianas e a terceira que resultou no art. 11.1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Essa última influenciou diversos países, como também outros textos internacionais (Restrição ao princípio da

presunção de inocência: prisão preventiva e ordem pública. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 17).

648 Alexandra Vilela, Considerações..., p. 34, esclarece que a presunção de inocência reagiu contra “os excessos e

abusos do processo penal até então vigente”, fundado na culpabilidade, o que legitimava a tortura e dava excesso de poderes aos órgãos de investigação, de acusação e ao juiz. A mesma autora, Considerações..., p. 30-33, destaca o papel de Beccaria, que por meio de sua “paradigmática obra” fez surgir “um processo penal oposto ao inquisitório, porque reactivo em relação a ele”. Essa ideia também é vista em Renato Barão Varalda, Restrição..., p. 17-19, que afirma que Beccaria, por meio da obra Dos delitos e das penas, pregou a prisão preventiva apenas quando necessária. Ver, ainda, Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 90-91.

colher os elementos probatórios e de proceder, em seguida, à soma aritmética. O resultado dessa operação implicava a culpa ou não do imputado.649

A ideia dos legisladores medievais consistia em limitar o poder decisório dos juízes, mediante a redução da parcela de subjetividade na avaliação da prova. A prévia definição do valor da prova, o que se obtinha a partir do estabelecimento dos critérios de presunção e de indícios para cada meio de prova, foi utilizada pelos legisladores com o intuito de se exercer maior controle na decisão judicial. Por exemplo, estabelecia-se a possibilidade do emprego da tortura a partir da ocorrência de determinada parcela de indícios, também se permitia o uso da presunção como meio de prova para condenar alguém.650

Contudo, o que se deu foi o contrário. Ampliou-se o poder dos juízes de decidir mediante critérios de subjetividade. O uso pelos juízes da presunção, dos indícios e do

argumentum651 foi intensificado com o tempo, gerando duas consequências: o recrudescimento dos males advindos do sistema processual penal do período inquisitivo e o descrédito do sistema da prova legal, que teve seu fim desvirtuado.652

Diante desse quadro, no final do século XVII e no início do século XVIII, doutrinadores com viés humanista passaram a questionar o uso da presunção no sistema probatório até então vigente, permeado por um intenso subjetivismo jurisdicional.653

De um lado, a escolástica medieval defendia o uso da presunção como elemento de prova, norteado pelas experiências pessoais do julgador. De outro, doutrinadores humanistas defendiam o uso da presunção como critério de decisão, no caso de dúvida, seja mediante a distribuição do ônus da prova, seja mediante o favorecimento da situação do imputado.654 Esse debate contribuiu decisivamente para que a presunção de inocência fosse inscrita pela primeira vez num documento normativo, por ocasião da Revolução Francesa.655

O sentido e o alcance que emergem da expressão inocente, do modo como concebida nesse ambiente revolucionário, precisam ser bem esclarecidos, pois acabam por influenciar as legislações contemporâneas.

649 Antonio Magalhães Gomes Filho, Direito à prova..., p. 22, esclarece que “fator preponderante à legitimação

do modelo inquisitório foi a denominada teoria das provas legais, através da qual se procurava racionalizar as técnicas do acertamento dos fatos, por meio de um intricado sistema em que cada prova tinha o seu valor previamente determinado [...]”. O autor trata de forma específica sobre o assunto em Direito à prova no processo

penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 22-25. Ver, ainda, Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 84-85.

650 Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 85.

651 Afirma Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 85, que o argumentum consistia em “uma forma do juiz

suprir as provas faltantes e exigidas pelo sistema da prova legal para demonstrar a culpa do imputado”.

652 Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 85-86. 653 Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 85. 654 Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 86. 655 Maurício Zanoide de Moraes, Presunção..., p. 86-87.

A inocência refere-se ao indivíduo enquanto ser humano. Trata-se de um atributo inerente à condição humana. Portanto, a expressão possui um alcance universal, que atinge a todos. Daí se afirmar que essa concepção é “uma escolha político-filosófica, não apenas pessoal.”656

Percebe-se, com isso, que a essência filosófica da presunção de inocência funda-se na igualdade entre os homens. Disso deriva a relevância de se inserir a presunção de inocência no âmbito normativo. De um lado, garante-se a segurança jurídica; de outro, evitam-se os arbítrios estatais. O efeito processual penal desse fato consiste na necessidade de a acusação demonstrar a culpa do imputado, dentro de um contexto probatório fundado em regras legítimas, racionais e proporcionais.657

Documentos relacionados