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a Marinha e a Aeronáutica ficaram de pronlidão.68 Em Fortaleza, fecharam o comércio, as indústrias, os colégios e as repartições púb1ica �, enquanto as

No documento Vargas e a crise dos anos 50 (páginas 89-93)

ruas ficaram repletas de policiais fortemente armados. No dia 25, pela

manhã, porruários e estivadores promoveram uma passeata no centro da

cidade. Em Teresina, o pesar da população foi grande, mas o Exército,

segundo um repórter, ficou vigilante "no sentido de impedir qualquer

manifestação de anarquia" .fJ9 Em Aracaju, o Exército e a Polícia Militar

tomaram as vias públicas ainda de madrugada. Manifestantes do

PTB,

em

pa.<iSeata, tentaram atacar a residência do sr. Leandro Maciel, presidente da

UDN local, sem sucesso. Invadiram, então, a Rádio Liberdade. de oposição,

causando enonncs estragos.70

67 O Co"eio da Manhã, 27-8-1954, p. 2.

68 Última Hora, 25-8-1954, edição extra, p. 5: Correio da Mallhã. 24-8-1954, segundo caderno. p. 2.

69 Correio da Manhã. 26-8-1954, p. 2. 70 Ibid.. 27-8-1954, p. 3.

o carnaval da lrisleza _ 93

A ordem

Ainda no dia

24

de agosto,

O Dia,

em edição extra, precipitadamente

anunciava que Getúlio Vargas havia renunciado. Na primeira página, sob o título "Calma na Cidade", dizia:

" 0 desfecho da crise não surpreendeu o carioca, que desde as

últimas horas de ontem aguardava., com impaciência. a renúncia do

chefe da Nação. Absoluta calma em todos os setores da cidade, que

despertou sem ter notado a mais leve alteração em sua habitual

fisionomia. Apenas mais policiamento nos edifícios públicos e um movimento um tanto fora do comum na órbita do eatete."

Carlos Lacerda, logo ao saber da renúncia do presidente às

4

horas da

madrugada, dirigiu-se à residência do sr. Café Filho e, muito sorridente e caloroso, cumprimentou-o efusivamente.71

O suicídio de Vargas, entretanto, não era esperado, surpreendendo e paralisando, por algumas horas, os grupos conservadores que apostaram na crise institucional. Com a morte do presidente, a oposição viu frustrar sua estratégia de acirrar a crise, desmoraüzar poüticamente Vargas com a renúncia e abrir caminho para a intervenção miütar. Conrudo, mesmo com seu desaparecimento. o golpe político-militar ainda não estava descartado.

No Distrito Federal,

12

mil homens do Exército entraram em alerta máximo,

todos sob as ordens do general adílio Denys.n As lrOpas dos fuzileiros navais tornaram a zona portuária, os setores bancário e financeiro da cidade, as estações das barcas e cercaram as Câmaras Muni�ipal e Federal, além do Senado. Todos os quartéis da Marinha de Guerra ficaram sob regime de "AFIR", isto é� prontidão máxima.73 Na maioria das capitais do país, os efetivos da Polícia do Exército invadiram as ruas. Por ordem dos comandan­ tes do Exército, Marinha e Aeronáutica de várias regiões milHares, todos os quartéis e regimentos a eles subordinados entranun em estado de prontidão. Se algum dispositivo militar foi planejado para o golpe político, na madrugada do

dia

24

de agosto ele começou a ser posto em prática. Restava tão-somente a

iniciativa

d'tS

lideranças civi....;; para a deflagração do movimento.

Ao amanhecer, enlrou em cena o "povo", entre chocado e furioso, atacando políticos antigetuüstas, quartéis, rádios,jornais e sedes de partidos de oposição, como vimos. Carlos Lacerda, após confralerni7..ar-se com Café Filho. passou a ser caçado por populares nas ruas do Rio de Janeiro. Temeroso, refugiou-se na Embaixada dos EUA e, quando esta foi atacada,

71 Tribuna da Imprensa. 24-8-t 954, primeira página, lexlO e rolo.

72 Em 1 96 1 , o então ministro da Guerra, marechal Odilio Denys, tenlaria impedira pos...;;c legal

do vice-presidente João Goulart.

94 • Vargas e a crise dos anos 50

fugiu em um helicóptero militar que o levou, em segurança, para bordo do cruzador Barroso, navio de guerra ancorado na baía de Guanabara.74

Em Porto Alegre, todos os políticos da oposição gaúcha fugiram rapida­

mente da cidade, inclusive o prefeito, sr. lido Meneghetti, que se escondeu no interior do estado em lugar mantido sob rigoroso sigilo. Segundo notícia do

Correio da Manhã,

em Porto Alegre, "'a situação dos elementos não

pertencentes às fileiras do trabalhismo

é

de verdadeiro terror" .7� Em várias

capitais e cidades do Nordeste populares tentaram invadir as residências de líderes locais da UDN, sendo impedidos, porém, por -seguranças privados­ daqueles políticos. Portanto, se o suicídio de Vargas paralisou os gol pistas, a reação popular os fez recuar. Surpresos e atemorizados, perderam a autoridade política, moral e, sobretudo, a legitimidade para justificar como necessária a intervenção militar. O golpe era inviável. O presidente morto inspirava, no mínimo, prudência política.

Nas Câmaras Federal e Municipal e no Senado não mais se ouviam insultos e ofensas ao presidente, mas lamentos (Xlr sua morte. O líder da UDN no Senado, sr. Ferreira de Souza, discursou dizendo quc, apesar de seu partido ser ideologicamente divergente de Vargas, nunca negou o seu apoio

às

medidas administrativas por elc solicitadas. Agora, alegava, era neces­

sário o restabelecimento da

paz

na família brasileira. Na

Câmara

dos Vereado­

res, o sr. Aristides Saldanha, representante dos comunistas, com a carta-testa­ mento nas mãos e a voz embargada, declarou da ttibtula parlamentar:

"Fique certo, sr. presidente Getúlio Vargas, que com os ferros e o

aço de Volta Redonda serão forjadas as annas com que os patriotas

que seguem V. Excia. farão a revolução. Vamos ainda sofrer muito,

mas o que vai acontecer ninguém poderá cvitar:,?6

Os jornais também recuaram diante dos acontecimentos. A

Tribuna da

Imprensa,

ainda no dia

24,

declarava na primeira página: "Seu sacrifício serve de lição e advertência. Paz à alma de Getúlio Vargas. E paz, na terra, ao Brasil e ao seu atribulado povo."

Carlos Lacerda, na mesma página, dizia:

"Inclino-me diante do corpo do Presidente e imploro à misericórdia

de Deus perdão para o seu gesto de desespero.

(

... ) Com seu

suicídio, Getúlio Vargas repudiou os manda

n

tes do crime, que

agora se escondem na emoção de sua morte ( ... ). Traímm-no os

falsos amigos ( ... ):'

Vários outros jornais imediatamente passaram dos ataques às homena-

74 Úllimn Hora, 25-8· 1 954, segunda edição extra, p. 7. 75 Correio da Mal/M, 27-8- 1 954, p. 3.

o carnaval da tristeza . 95

gens.

O Dia,

órgão do PSP, por exemplo, abandonou as imagens que aludiam

ao pus e à lama para descrever os acontecimentos de outra maneira: "Coma morte trágica de Getúlio Vargas perde o Brasil, sem dúvida, um de seus maiores vultos políticos de todos os tem(XJs (. .. ). Empenhado. realmente. em realizar algo de útil e pennanente para o bem de sua terra ( ... ) tomou para si as tarefas construtoras do sistema que deu ao Brasil o máximo de seu progresso ( ... ) . Um autêntico estadista, dotado de espírito público invulgar, com a

cultura politica necessária ao exercício

de

sua nússâo ( ... ). O futuro

dirá melhor sua obra ( ... ). O presente lastima a sua perda. Reveren­ ciamos o seu túrnulo:;n

A imprensa, aturdida com os motins, agora se sentia ameaçada pelo golpe que tanto incentivou. Uma nota publicada em todos os jornais declarava "garantida a liberdade de imprensa" com o novo governo. Diante da popu­ lação irada que insistia em atacar os bens oposicionistas - desde faixas e cartazes até rádios e jornais -, os meios de comunicação clamavam por ordem. O chefe de polícia do Distrito Federal tomou a mesma iniciativa e em nota oficial, lida em todas as emissoras de rádio a cada intervalo comercial, apelou para o "sentimento ordeiro do nosso povo"', pedindo que

se evit.a&se "aglomerações, passeatas e tumultos, a

fim

de que a polícia e o

Exército, que já se encontram na rua, não tenham que agir com energia para manter a ordem, o que será feito a qualquer preço" .

Ordem, este tomou-se o clamor de todos os círculos antigetulistas nos dois dias que se seguiram à morte de Vargas. Líderes da UDN, jornais,

rádios, autoridades policiais e ntilitares pediam pelo

fIm das

manifestações

de protesto. Ao provocar a crise política e preparar o golpe, a oposição não contava com o suicídio e, particularmente, com a liberação do inconfoonis­ mo e da violência dos trabalhadores. A ordem, insistentemente exigida, era uma necessidade para os grupos conservadores, nem mesmo que fosse apenas imaginada:

" Houve alguma coisa positiva a assinalar-se ( ... ), como uma lição, nestes dias de luto ( ... ). Foi a ordem. ( ... ) Mas é necessário que se acrescente que o próprio povo contribui u para a ordem que foi mantida.

O policiamento se intensificou para a emergência de precisar intervir. Não houve quase intervenção, porque quase não houve motivo. As autoridades e o povo estabeleceram uma confiança recíproca. ( ... ) Juntos, autoridades e povo transfonnaram pos­ sibilidades de baderna num momento austcro:·78

77 O Dia, 25-8-1 954, primeira pagina. 78 Correio da Manhã, 27-8-1954, p. 2.

96 • Vargas e a crise dos anos 50

Os pedidos de ordem, contudo, não foram ouvidos naqueles dias. Ao desencadear violentos ataques a Getúlio Vargas, a oposição feriu crenças políticas, padrões sociais e costumes enraizados na tradição popular. Ao

provocar sua morte, no entanto, as elites consetvadonL"i ultrapassaram, em

muito, detenninados limites, ofendendo e desconsiderando supostos morais de

grnnde significado na cultura popular, f",,,ndo, assim, ec10dir a ação

direla.

Passados tantos anos, aqueles acontecimentos deixaram-nos como heran­

ça outro conflito, cujo significado

é

mais grave c assustador: o cotidiano de

uma guerra social prolongada.

No documento Vargas e a crise dos anos 50 (páginas 89-93)

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